29 janeiro 2006
O caso d'Outreau
Em França, o político e o judiciário estão (uma vez mais) em colisão.
O mundo mediático parece exultar e, ampliando o fragor político, que começou pelo Presidente, clama por justiça: neste caso, em registo próximo do discurso populista, pela justiça dos inocentes, gente modesta apanhada num turbilhão sem muito esclarecimento; a absolvição, se resolve processualmente quase tudo, pode não servir materialmente de grande coisa.
O sector político aproveitou o ambiente emocional gerado e a oportunidade, mediática e de opinião, para aparentes “ajustes de contas” com o sistema.
Novidade a exigir reflexão e a determinar alguma perturbação nos necessários equilíbrios institucionais das democracias consolidadas: está instalada e em audições uma comissão parlamentar de inquérito para averiguar sobre o “desastre judiciário” em que foi transformado o caso d’Outreau.
No pelourinho, amarrado e “cuisiné”, o juiz de instrução (“à la française”) Fabrice Burgaud (que foi já ouvido durante todo um dia pela Inspecção-Geral dos Serviços Judiciários, e será ouvido na comissão parlamentar no dia 8 de Fevereiro), transformado, de um momento para o outro, de “herói” da magistratura no “symbole honni d’une justice qui se trompe et brise des innocents”, nas palavras do “Nouvel Observateur” de 19-25 de Janeiro (o tema está retomado e ampliado no número desta semana).
A fronda política e mediática tem sido impressionante.
Declarações inflamadas sobre os horrores da justiça (a ponto de o próprio ministro da Justiça ter tentado pôr alguma água na fervura), debates nas televisões dando voz em directo às vítimas (os inocentes) de Outreau.
Tudo em drama real, e com muito “share”, às costas de um juiz de instrução – que, de resto, no decurso do processo, viu confirmadas pelas instâncias superiores todas as suas decisões e a maior parte das prisões preventivas que ordenou, e que, alguns dias antes da audiência, colhia louvores pela instrução que dirigiu.
E anatematizando com o nefando horror da “reacção corporativa” qualquer tentativa de contraditório.
No entanto, em tudo quanto tenho acompanhado do caso, com o interesse de simples observador com o distanciamento crítico e a possível atenção a outras realidades para além da nossa, não tenho dado conta de referências a factores elementares que (por estratégia?; por interesses?) todos parecem desconsiderar: a fluidez, por vezes inescapável, dos elementos com que o juiz trabalhou e que o levaram a seguir por onde seguiu. No caso, o “récit” de alguns intervenientes e, especialmente, as declarações de uma testemunha que muito falou (Myriam Badaoui) e que, por fim, na audiência, tudo desdisse.
E este seria o elemento central que deveria fazer mexer consciências tão perturbadas e que é esquecido no tsunami político e mediático contra a justiça.
E também – por prevenção – verificar que revolução mais ou menos de veludo ou de silêncio quase anestesiante parece estar a caminho (noutras paragens, mas bem próximas) para permitir, sem discussão, que uma comissão parlamentar, quebrando todos os equilíbrios da separação de poderes, investigue sobre a actuação e as decisões de instituições judiciais num caso concreto.
O mundo mediático parece exultar e, ampliando o fragor político, que começou pelo Presidente, clama por justiça: neste caso, em registo próximo do discurso populista, pela justiça dos inocentes, gente modesta apanhada num turbilhão sem muito esclarecimento; a absolvição, se resolve processualmente quase tudo, pode não servir materialmente de grande coisa.
O sector político aproveitou o ambiente emocional gerado e a oportunidade, mediática e de opinião, para aparentes “ajustes de contas” com o sistema.
Novidade a exigir reflexão e a determinar alguma perturbação nos necessários equilíbrios institucionais das democracias consolidadas: está instalada e em audições uma comissão parlamentar de inquérito para averiguar sobre o “desastre judiciário” em que foi transformado o caso d’Outreau.
No pelourinho, amarrado e “cuisiné”, o juiz de instrução (“à la française”) Fabrice Burgaud (que foi já ouvido durante todo um dia pela Inspecção-Geral dos Serviços Judiciários, e será ouvido na comissão parlamentar no dia 8 de Fevereiro), transformado, de um momento para o outro, de “herói” da magistratura no “symbole honni d’une justice qui se trompe et brise des innocents”, nas palavras do “Nouvel Observateur” de 19-25 de Janeiro (o tema está retomado e ampliado no número desta semana).
A fronda política e mediática tem sido impressionante.
Declarações inflamadas sobre os horrores da justiça (a ponto de o próprio ministro da Justiça ter tentado pôr alguma água na fervura), debates nas televisões dando voz em directo às vítimas (os inocentes) de Outreau.
Tudo em drama real, e com muito “share”, às costas de um juiz de instrução – que, de resto, no decurso do processo, viu confirmadas pelas instâncias superiores todas as suas decisões e a maior parte das prisões preventivas que ordenou, e que, alguns dias antes da audiência, colhia louvores pela instrução que dirigiu.
E anatematizando com o nefando horror da “reacção corporativa” qualquer tentativa de contraditório.
No entanto, em tudo quanto tenho acompanhado do caso, com o interesse de simples observador com o distanciamento crítico e a possível atenção a outras realidades para além da nossa, não tenho dado conta de referências a factores elementares que (por estratégia?; por interesses?) todos parecem desconsiderar: a fluidez, por vezes inescapável, dos elementos com que o juiz trabalhou e que o levaram a seguir por onde seguiu. No caso, o “récit” de alguns intervenientes e, especialmente, as declarações de uma testemunha que muito falou (Myriam Badaoui) e que, por fim, na audiência, tudo desdisse.
E este seria o elemento central que deveria fazer mexer consciências tão perturbadas e que é esquecido no tsunami político e mediático contra a justiça.
E também – por prevenção – verificar que revolução mais ou menos de veludo ou de silêncio quase anestesiante parece estar a caminho (noutras paragens, mas bem próximas) para permitir, sem discussão, que uma comissão parlamentar, quebrando todos os equilíbrios da separação de poderes, investigue sobre a actuação e as decisões de instituições judiciais num caso concreto.