06 março 2006

 

TUDO FORA DOS TRIBUNAIS…(A Propósito da Anunciada Mediação Criminal)

Tive oportunidade de opinar num artigo publicado na Revista Vértice (Nº 116 – Março/Abril de 2004) que, apesar do caminho seguido para privatizar áreas da Administração da Justiça, através de vários mecanismos de composição não jurisdicional de conflitos, pondo os litigantes fora dos tribunais, restaria sempre um núcleo duro relativo ao universo do crime, pelo menos, o crime que tem a ver com a protecção de bens jurídicos essenciais para a comunidade. O que bem se compreende, pois esse universo da justiça criminal tem a ver com a liberdade dos cidadãos e com a aplicação de sanções penais privativas da liberdade, o que implica um juízo de censura jurídico – criminal – em especial, um juízo sobre o preenchimento do tipo legal de crime, a culpa do agente, as causas de exclusão do ilícito e da culpa, a dosimetria da pena – que só um Juiz togado pode tecnicamente fazer e muitas vezes até a ele falta a sensibilidade bastante para apreciar a conduta humana do agente.

Pretende agora o Governo devolver a um mediador uma parte importante desse universo do crime, ainda que seja para um número limitado de infracções criminais, as mais leves, sobretudo contra o património, mas mesmo assim puníveis com pena de prisão. É mais um passo para o Estado se demitir das suas funções de soberania, no caso, a Administração da Justiça em nome do povo, que é uma incumbência dos juízes togado0s (artº 202, nº 1, CRP).

E corre-se até o risco de transformar a mediação criminal num negócio particular entre o agente do crime e a vítima, em que esta se satisfaz com uma espécie de indemnização, para pagar o mal feito (e serão poucos os casos em que a satisfação passa por um simples pedido de desculpas). O papel do mediador será, pois, o de acordar nos números do negócio. É uma visão redutora e monetarista para um sector da vida das pessoas que mexe com a sua liberdade. Antes um julgamento imparcial por um Juiz togado, de que pode resultar para o agente do crime um juízo de inocência, do que um acordo negocial, em que a inocência pode ficar sempre na dúvida. Melhor seria pensar-se numa política de descriminalização, à semelhança dos cheques sem cobertura, se se quer livrar os tribunais dos processos criminais.





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