16 novembro 2005

 

A autoridade democrática do Estado

Desde há meses vimos assistindo diariamente à acção do rolo compressor do “pensamento único” centrado no défice das contas públicas. Vivemos uma época de ditadura do economicismo (ou do financismo), que se traduz na prioridade absoluta às contas, aos números, aos conceitos económico-financeiros. O direito, os direitos, mesmo os fundamentais, virão depois (quando, e se, houver dinheiro).
Em toda a comunicação social, de directores a comentadores, fixos e móveis, todos num coro monumental advertem/avisam/ameaçam apocalipticamente os leitores/ouvintes/espectadores de que chegou a altura dos sacrifícios, de que é tempo de comer e calar, de nos submetermos aos “superiores interesses da Nação”, tal como eles os entendem. Os novos sacerdotes do regime, os economistas, ungidos de títulos académicos impressionantes, acumulados deste lado e do outro lado do Atlântico, esmagam-nos com sabedoria e ameaças de pragas infindáveis se não obedecermos às suas profecias.
Percorre as elites em geral (da direita pura à esquerda governamental) um fervor autoritário, com salpicos nacionalistas (salvar Portugal enquanto é tempo) e messiânicos (é preciso alguém que encarne e assuma esse projecto de “ressurgimento”).
Defende-se abertamente uma modificação da matriz do regime no sentido presidencialista. É um novo sidonismo, um gaullismo à portuguesa. E o candidato até está à vista de toda a gente. Ele até já se prontificou para desenvolver uma “cooperação estratégica” com a AR e o Governo. Todos os poderes marchando unidos! E sem forças de bloqueio!
Também para a esquerda governamental a redução do défice se tornou um desígnio nacional. E desta forma se legitima, com o apoio, claro está, da maioria absoluta, uma política de redução drástica das despesas públicas (incluindo as despesas sociais). Agora o défice, mais tarde, quando (e se) for possível, as políticas sociais, o emprego, etc.
O sindicalismo tornou-se também suspeito, se não mesmo vituperado. Sindicalismo e corporativismo são aliás coincidentes, pois os sindicatos defendem interesses egoístas, e não o “interesse nacional”! É abertamente contestado o direito ao sindicalismo de certos extractos profissionais: os militares devem meter-se nos quartéis e obedecer aos chefes, os seus únicos representantes (à boa maneira prussiana!). Os magistrados também são abertamente visados: querem-se magistrados politicamente neutros, calados, acríticos, muito tementes aos poderes instituídos. Os funcionários públicos em geral estão sob fogo cerrado: em vez de estarem humildemente agradecidos por terem emprego vitalício, ainda protestam e querem manter “direitos especiais” (isto é, privilégios)!
“Acabar com os privilégios” é a palavra de ordem da “base social-mediática de apoio ao governo”. Fácil de vender, aliás, pois o populismo barato sempre vendeu (durante um certo tempo, depois esgota-se, mas às vezes demora a esgotar-se, e entretanto rende). Tira-se aos ricos para dar aos pobres! Só os privilegiados se podem queixar! Todos os que aparecerem a protestar, a manifestar-se, a fazer greves, são privilegiados e resistentes à mudança. Por que não dizê-lo? São os novos inimigos sociais!
E cuidado: não se esqueçam da autoridade (democrática, pois claro!) do Estado, que aí está para o que for preciso. O Governo não pode, não deve, ceder, conceder ou tergiversar. E não abusem de manifestações, se não… repensa-se o respectivo regime legal!





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