23 setembro 2016

 

A entrevista


 

 

Quase não posso dar um passo na rua que não haja quem me pergunte o que penso da entrevista do juiz Carlos Alexandre. Eu não a tinha lido. Li-a ontem no Expresso,  substituindo outras leituras mais interessantes por essa. Sem me pronunciar propriamente sobre o conteúdo da entrevista, acho que há, da parte de muita gente, uma excessiva severidade em relação a ela, pondo de parte, é claro, as indirectas disparadas para todos os lados, algumas totalmente evitáveis e dando azo à exploração que tem sido feita. Mas o que eu acho de mais surpreendente é que haja uma série de figuras públicas a advogarem que um juiz não deve dar entrevistas, porque o que interessa é o que ele faz nos processos e  não o que ele pensa sobre isto ou sobre aquilo, nem a sua ideologia, nem a sua vida privada (se é casado ou se é solteiro, a sua vida familiar, as casas que tem ou não tem, as marcas dos seus carros, etc.).

Alguns desses críticos o que fazem é defender a figura do juiz encerrado na sua torre de marfim, uma espécie de sacerdote, sem ligações ao mundo exterior onde se insere, como no antigo regime, o juiz que se confina a ser “a boca da lei”, e tanto mais surpreendente é essa visão, quanto ela provém de pessoas de esquerda. A verdade é que há juízes e magistrados do Ministério Público que alcançam notoriedade por força dos processos mediáticos em que intervêm ou pelos lugares que ocupam, e em relação a esses há sempre uma curiosidade do público, como em relação a qualquer outra personalidade mediática, em conhecer aspectos relacionados com as suas funções e até com a sua vida privada. E há também, por vezes, da parte desses juízes e magistrados do Ministério Público, interesse em corresponder a essas solicitações do público, normalmente veiculadas pela comunicação social.

Desde o “25 de Abril” até agora, sempre houve juízes e magistrados do Ministério Público ao mais alto nível, alçados a um patamar mediático, que não resistiram a dar entrevistas públicas, falando quer das suas funções, quer dos aspectos mais comezinhos da sua vida privada.

Claro que, se me perguntarem, se os juízes devem assumir o papel de vedetas ou de protagonistas sociais, eu direi abertamente que não e que isso, uma grande parte das vezes, tem mais efeitos negativos, do que positivos, até por conflituar com a imagem de reserva e de prudência que se lhes assinala.

Se me perguntarem também se não há muito de artificial nesse mediatismo, eu direi que sim, que há,  que a  comunicação social, com a sua propensão para criar mitos, facilmente constrói heróis, superjuízes e super-qualquer-coisa, a partir da superfície dos fenómenos e  do falso brilho de certas aparências, havendo mesmo em todas as profissões gente que se dá muito bem a viver nessas aparências, sem nada que corresponda à importância ou ao poder que ostentam e, por isso,  como assinala o sociólogo Pierre Bourdieu (Sur La Télévision), frequentemente mal vistos pelos colegas.  

21 setembro 2016

 

Delação premiada? Não, obrigado!

Toda e qualquer forma de justiça negociada, pelo desvio que impõe à verdade material, é uma perversão da justiça! Justiça é verdade, sem verdade não há justiça!
A "delação premiada", pelas "trocas de favores" que favorece, é especialmente perversa e pode levar a resultados monstruosos. Espero que  legislador português não faça "experiências" num domínio tão sensível para a justiça e para a liberdade...

 

O Ticão

O TIC Central nunca deveria ter existido. Não tem qualquer justificação orgânico-funcional. Se é conveniente que o MP disponha de um organismo centralizado de investigação da criminalidade mais complexa, nenhuma razão existe para que os tribunais tenham um órgão "paralelo". Pelo contrário, à concentração do MP deve corresponder a "dispersão" dos tribunais de instrução criminal, que será garantia de melhor justiça (talvez menos unânime, mas também com menos pré-juízos).
Para além de desnecessário e mesmo inconveniente, o TIC Central tem inevitavelmente outro problema: o de "politizar" o tribunal pela acumulação dos processos mais "politizados"... Ainda que o magistrado (durante anos e anos só um!) seja muito discreto e cuidadoso, sofrerá inevitavelmente o desgaste da sucessão de decisões eventualmente polémicas que irá tomar. Pior quando o titular do tribunal resolva dar entrevistas à comunicação social com afirmações sibilinas...
O principal problema é, para mim, a própria existência do TIC Central. É um tribunal a mais... Tribunais centrais não devem existir. Esperemos que nunca venha o legislador a pensar num tribunal central para julgamentos...

15 setembro 2016

 

Mais um imposto


 

À conta do projectado aumento de imposto para quem for proprietário de imóveis de valor superior a quinhentos mil euros, aquilo que não se tem dito! Logo pela manhã, a jornalista de temas económicos Helena Garrido, na qualidade de comentadora da Antena 1, veio dizer do seu desagrado relativamente a mais um imposto – mais um imposto! – no sobrecarregado universo de impostos que já temos, e inventariou os efeitos nefastos de tal medida: desinvestimento no sector, quebra da produção, menos postos de trabalho, reduzido impacto na receita, dado ser pouco alargado o universo de pessoas atingidas.  Só não se percebe é a preocupação com os postos de trabalho, atendendo ao facto de ser marginal o sector produtivo em causa.

Ao longo do dia, um estendal de declarações contra uma nova subida de impostos: do presidente da associação dos proprietários; de um representante da construção imobiliária, de políticos do PSD e do CDS, salientando a natureza ideológica da medida e defendendo os interesses da classe média, novamente atingida (e que classe média!) e até de um ouvinte que se disse votar à esquerda, mas proclamando-se revoltado contra uma tão atroz medida, porque, afinal, se um cidadão tinha amealhado uns cobres e adquirido património, era inconcebível que o Estado caísse em cima dele de uma forma persecutória, e ainda outro, que veio lembrar muito oportunamente que um indivíduo podia ser dono de património e não ter dinheiro para pagar o imposto.

Para coroar todo este rosário de misérias, lá veio a Dra. Teodora Cardoso, mui digna presidente de um organismo chamado UTAO, puxar as orelhas mais uma vez ao governo, porque não se pode aumentar impostos de 6 em 6 meses, porque isso cria instabilidade e afasta os investidores (Mais uma vez os “investidores”, essas muito sensíveis entidades que se assustam à mais pequenina coisa e, quando mal nos precatamos, já nos estão a virar as costas).

Em conclusão: só há uma forma de ataque a interesses de classe (chamemos-lhe assim), que não suscita apreensão nem revolta: quando se trata de reduzir salários, cortar pensões, suprimir prestações sociais. Helena Garrido e Teodora Cardoso defenderam-no no passado recente. E continuam a defendê-lo, usando uma linguagem técnica: a despesa do Estado. É a despesa do Estado que continua a aumentar e o investimento a diminuir. Só há um certo tipo de património que pode ser atacado sem problemas para essas pessoas: o das classes médias que não investem em casas de quinhentos mil euros para cima, e que, tendo adquirido as suas casas à custa de empréstimos bancários que não puderam aguentar, quando lhes cortaram os salários e outros rendimentos, tiveram que suportar as execuções movidas pelos mesmos bancos e ainda tiveram que ficar a pagar o que a execução, feita por um preço miserável, não cobriu. È de pasmar!

 

11 setembro 2016

 

A Alemanha acusou o toque (e não suporta toques)

A Alemanha não gostou mesmo nada da cimeira de Atenas, como era previsível. Schäuble, com a sua diplomacia teutónica, disse que "quando líderes de partidos socialistas se encontram não sai, na maioria das vezes, nada de muito inteligente"... Esta reação insolente e agressiva revela uma particular preocupação com a emergência de uma frente socialista/sulista que tem alguns trunfos (França Itália) para influenciar as decisões... E ainda por cima, já se anunciou que as cimeiras são para continuar (a próxima em Lisboa). O desaforo é muito... Não tardarão aí as vozes autorizadas da nossa direita e seus comentadores de serviço a avisar dos perigos de hostilizar a Alemanha...

09 setembro 2016

 

A Cimeira de Atenas

A Cimeira de Atenas reunindo os países do Sul é um facto de grande alcance. Em primeiro lugar mostra que a Grécia de Tsipras não está isolada, como gostaria a dupla Schäuble/Merkel. Em segundo lugar pode constituir a rampa de lançamento (esta linguagem bélica é adequada, face ao atual relacionamento entre os países europeus) de uma "frente sulista" (dos "pobres") contra o orgulhoso e poderoso Norte, que há muito comanda a frente dominante. Portugal, com este governo, abandonou, sem espalhafato, a relação submissa com a Alemanha e juntou-se aos seus aliados naturais, procurando em conjunto uma alteração da relação de forças e das políticas. É claro que isto está ainda muito no princípio e nada está garantido. Mas é assim que a Europa pode mudar...

 

O Presidente de todos nós (?)

A popularidade do PR ameaça atingir níveis estratoféricos, jamais alcançados em regimes ditos democráticos. É um dos casos mais acabados de populismo, já que a "relação" entre o PR e os seus admiradores se baseia, não em qualquer ideia política, nem sequer em qualquer ideia, mas pura e simplesmente nos "afetos", nos beijinhos, na proximidade, na visibilidade permanente e na omnipresença obsessiva. O PR, pelos vistos,  não cansa: quanto mais presença mais popularidade.
Aparentemente o PR está a amealhar um enorme capital político. Mas estará mesmo? Será que se/quando o quiser usar não se esfumará? O povo estará mesmo em quaisquer circunstâncias refém dos afetos?



08 setembro 2016

 

O vaticínio de Joseph Stiglitz


 

O prémio Nobel da Economia Joseph Stiglitz alerta mais uma vez para a ameaça que ronda a zona euro com a manutenção de uma moeda comum aos vários países e vaticina, nomeadamente para o nosso país, um futuro cheio de dificuldades, sem conseguir fazer arrancar a economia, amarrado que está às políticas de austeridade impostas pela Alemanha. Na sua opinião, será mais custoso para o país manter essa situação de alinhamento forçado com as políticas da moeda única, do que sair do euro por um processo amigável (“um divórcio amigável”, diz ele).

A manutenção do país na moeda única tem defensores e opositores, que, às vezes, parecem mais imbuídos de proselitismo, em função de determinados desígnios, do que realmente observadores ou analistas objectivos da situação, e isso tanto à direita, como à esquerda. Porém, o facto de haver personalidades internacionais como Joseph Stiglitz (entre nós, vejam-se, por exemplo, os estudos de Ferreira do Amaral) que alertam para os problema decorrentes de uma moeda única mal estruturada e os entraves que se colocam ao nosso desenvolvimento futuro, deve, pelo menos, fazer despertar em nós o sentido crítico e desenvolver o nosso espírito de autonomia e de independência, em vez de um seguidismo cego e de uma submissa reverência, como foi norma no passado recente, a instituições e entidades que nos querem fazer encarreirar forçadamente nos trilhos de uma orientação que não corresponde aos nossos interesses. Isto, apesar dos comprovados maus resultados a que tal política nos tem conduzido, nomeadamente no que se refere ao colete de forças que nos amarra a uma estagnação económica.

01 setembro 2016

 

Dilma "impichada"

Foi seguido, é certo, o procedimento jurídico previsto na Constituição brasileira para a destituição do PR. Ainda assim, é justo falar de "golpe". Porque os factos provados (e que constituirão crimes de responsabilidade financeira) são claramente insuficientes e mesmo insignificantes para justificar a destituição de Dilma. A destituição foi um ato puramente político, cozinhado por uma ampla aliança da direita, que se prepara agora para destruir o legado jurídico e social do PT. Dilma defendeu-se com uma dignidade assinalável, mas a decisão já estava acertada entre as forças que se lhe opunham e que espreitavam a hora do ajuste de contas.
Dito isto, há que acrescentar que Dilma e o PT têm enormes responsabilidades no que aconteceu. O PT, pelas mãos de algumas das suas mais altas figuras, deixou-se envolver nas teias da corrupção, e depois tentou travar a investigação judicial sobre os factos, ambos procedimentos impróprios de qualquer partido de esquerda. E envolveu-se em alianças obscuras para se manter no poder, como se comprova com a aliança com o novo PR, este Michel que representa o que há de pior na política brasileira mas que foi escolhido por Dilma para "seu" vice-presidente no segundo mandato... O PT tem de cortar com o passado recente e certas figuras "históricas" terão de ceder o espaço a gente nova. O PT e toda a esquerda tem de reorganizar-se rapidamente para enfrentar o novo poder, a política que ele vai aplicar, não lhe valendo de nada continuar a derramar lágrimas sobre a decisão do Senado...

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