31 maio 2010

 

A estratégia de Obama

No dia 27 de Maio Obama divulgou a "sua" Estratégia de Segurança Nacional.
É um documento interessante. Os EUA reconhecem frontalmente a incapacidade para porem o mundo à sua mercê. A força não chega, a influência dos EUA terá de recorrer à diplomacia (à "persuasão da diplomacia", melhor dito). Em último caso, em legítima defesa, claro que sim... Aliás, nunca ninguém recusou a ninguém o direito à defesa, creio eu. Mas de "guerra preventiva" não se fala mais.
E arranjar amigos pelo mundo fora... Inimigos só mesmo a Al-Qaida. E atenção: "Não há nenhuma guerra global contra uma táctica (terrorismo) ou uma religião (o Islão)."
Andaram o José Manuel Fernandes, o Pacheco Pereira, o Nuno Rogeiro e outros distintos vultos do pensamento conservador em Portugal a ensinar-nos que o terrorismo era uma doutrina, uma ideologia, uma visão do mundo, o evangelho do mal, e vem agora Obama e desmente-os despudoramente!
O terrorismo é afinal apenas um instrumento de luta, mais nada! Actualizem-se, pois!

29 maio 2010

 

separação de poderes 5

Uma intervenção de Jessica de Grazia, Procuradora Federal dos EUA, num recentíssimo seminário, em Lisboa, desmontou, de uma forma clara, simples e efectiva algumas opiniões menos esclarecidas sobre a falta de autonomia do MP naquele País.
De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, «O Procurador dos Estados Unidos é o representante não de uma das partes de uma controvérsia, mas de uma autoridade suprema cuja obrigação em governar imparcialmente é tão forçosa quanto a sua obrigação de governar». A interiorização deste princípio, por um lado e a compreensão por parte daqueles que são civil servants (agentes públicos) de que têm como dever o serviço público e é sempre este que está acima de quem os nomeia para os cargos que exercem, por outro lado, é fundamental para afirmar na prática a autonomia e a independência de quem exerce as funções no Ministério Público.
Sobretudo em casos difíceis.

28 maio 2010

 

Alegações de defesa na televisão

Não sei se Carlos Cruz pode dar entrevistas. Em qualquer caso, parece inadequado dá-las quando está à espera da sentença, depois de encerrada a fase da discussão da audiência de julgamento.
Será que a TVI vai dar agora oportunidade idêntica aos outros arguidos do processo? Seria jogo mais limpo...
Não falo evidentemente de dar a mesma oportunidade ao MP, porque o princípio da "igualdade de armas" não vigora na TV portuguesa.
É claro que a TVI pouco se importa com o CC. O que lhe interessa são as "audiências"...
Mas será que a "marca CC" ainda "vende" como dantes?

 

Lamentavelmente, há poucos ricos

Campos e Cunha, que faz parte da brigada dos ex-ministros das Finanças, "explica" hoje no "Público" com clareza o seu ponto de vista sobre os impostos. Diz ele: "Aumentar impostos tem limites. Mais impostos sobre a riqueza é difícil num mundo globalizado e de grande mobilidade. Além disso, os ricos são poucos e, por muitos impostos que lhes lancem, a receita é sempre pequena, como a experiência internacional mostra. Deste modo, para obter significativos aumentos de receita só há uma via: aumentar os impostos sobre todos, incluindo os mais pobres." Mas não se pense que é esta última a solução proposta; é a redução da despesa pública, claro, essa é que é a solução.
Houvesse, pois, mais ricos e já valeria a pena tributá-los. Assim, é melhor deixá-los em paz.
Mas por que será que há tão poucos? Por que será que o número dos ricos é inversamente proporcional ao dos pobres?
Essa questão não faz parte dos manuais de economia actualmente em vigor.

25 maio 2010

 

La justicia es lenta; la injusticia, rapida

«En España la justicia es lenta. Es lenta para proteger los derechos y libertades de los ciudadanos. Es lento el Tribunal Supremo para resolver recursos. Es superlento o Constitucional para renovarse, gratias a que su situación actual aprovecha a determinados partidos politicos, y es provocadoramente lento para resolver un recurso por encima de voluntades autonómicas, acuerdos parlamentarios o referendos ciudadanos. Es lenta,si,y eso ya no es justicia.
Pero estoy asombrada de la rapidez que tiene cuando quiere realizar injusticias o perpretar atropellos juridicos.
(...)
La soiciedad necesita sentirse amparada por la credibilidade y la confianza en sus instituciones de justicia, y hoy esa credibilidad está totalmente en entredicho, no solo en España, sino en todos los paises democraticos (...)"


PS - Este trecho é extraído de um artigo publicado no "El Pais" de sábado passado, em que a autora - a advogada Cristina Almeida - manifesta a sua indignação pelo que está a acontecer a Baltazar Garçón.

 

O senhor X

«No meio da borrasca não é conveniente mudar a tripulação. Mas essa advertência não deve fazer esquecer que, fiel a si mesmo, X evitou reconhecer a sua própria responsabilidade na situação. O recurso ao ultimatum vindo do exterior permite-lhe afirmar que se tratou de uma decisão dolorosa, alheia às suas convicções. (…) Como representação, não está mal. Só que tal atitude é censurável, porque faltou algo fundamental: uma explicação franca à opinião pública das causas do fracasso e das dimensões da actual deriva da economia. (…) Supostamente ninguém ignora a incidência da crise internacional, nem que foram as circunstâncias internacionais que forçaram à situação. Mas é lamentável ter que recorrer a outras fontes de informação para se ter uma ideia do abismo em que caímos. O discurso oficial refugia-se em generalidades e no facto de toda a Europa sofrer vicissitudes semelhantes. Falso.
Ademais, se chegámos a este ponto e com dimensão tal que a nossa situação se converteu na principal ameaça para a Europa, foi porque desde há dois anos o governo seguiu uma política económica baseada na negação persistente da nossa crise. (…) Não se tratou de erros parciais, mas de imperícia, agravada pela prática de uma manipulação informativa que se manifestou desde o momento em que X decretou a inexistência da crise (…) e impôs essa inexistência aos seus colaboradores. (…) Desde a desaceleração de 2008 até hoje, X acumula medidas aos solavancos, agora uma por semana, sem ter nunca uma visão de conjunto. Procura a linha de menor resistência, funcionários e pensionistas. Até agora intocáveis os maiores rendimentos, também estes serão tocados como medida imprescindível para repintar a fachada progressista. Os bancos, felizes em todo o processo. X não pensa, nem faz contas. Decide. Nem social-democracia, nem racionalização. Sobra a sua grande habilidade para a manobra. Também a couraça da disciplina imposta sobre o Partido. Substituí-lo será quase missão impossível. A defesa da própria liderança é para X um fim essencial, o seu fim (…)»


PS – Trata-se de uma tradução da minha autoria (não inteiramente literal numa ou noutra passagem) de um artigo publicado no “El País” de sábado passado e assinado pelo habitual cronista Antonio Elorza. Quem será este senhor X? Evidentemente, é uma incógnita da minha própria responsabilidade, para dar mais mistério ao escrito. No artigo, é Zapatero, ou simplesmente ZP. Mas digam-me: adivinharam de quem se tratava?

23 maio 2010

 

Flexibilidade

O primeiro ministro começou por anunciar que as drásticas medidas excepcionais seriam por um ano e meio, a contar de Julho próximo, terminando, portanto, no fim do ano de 2011. Pouco tempo após, notando-se já divergência com o ministro das Finanças e com vários economistas a manifestarem a sua incredulidade, veio rectificar o afirmado antes e admitir que as medidas teriam de continuar para além daquele prazo (não se sabe por quanto tempo). Dias após, veio dizer que, afinal, as medidas teriam de ser antecipadas para Junho próximo, abrangendo, por conseguinte, o subsídio de férias já deste ano, que antes tinha afirmado estar excluído. Com pouco mais, começou a especular-se sobre se os rendimentos anteriores a Junho, ou seja, a partir de Janeiro passado, não seriam também abrangidos. O primeiro ministro veio então admitir a retroacção do imposto extraordinário aos meses já decorridos. Os fiscalistas e constitucionalistas brandiram o fantasma da inconstitucionalidade. Ficou, portanto, posta de lado a ideia. Dias depois, esta ideia voltou a pôr-se de pé: são abrangidos todos os rendimentos a partir de Janeiro, mas com um esquema diferente de taxação, que, em todo o caso, será cobrada só a partir de 1 de Junho. Perdão, talvez antes, porque o ministro das Finanças publicou no dia 20 p. p. um despacho no Diário da República, determinando que as novas tabelas entrariam em vigor no dia seguinte. Mas não, será só a partir de 1 de Junho, porque logo outro despacho veio rectificar a data da entrada em vigor da nova tabela.
Porém, a lei que contemplará tais medidas ainda não foi discutida nem aprovada na Assembleia da República. Deputados da oposição questionam-se, indignados, sobre esta incongruência de as medidas serem aplicadas antes da lei. O líder da bancada socialista, querendo manifestar, compreensivelmente, boa vontade em relação ao governo, fala de flexibilidade. É preciso ter flexibilidade. Pois muito bem, aqui está o vocábulo-panaceia que entrou em moda nos tempos que vão correndo. É um termo que pertence à linguagem ilusória ou ilusionista. Na sua feição sedutora, quer dizer ductilidade, souplesse. As coisas não vão pela força, pela rigidez, mas pela maleabilidade com que se as encara. Na sua feição sem disfarce, quer dizer que se deve abandonar a rigidez dos princípios que se dizia serem estruturantes e, portanto, que, em rigor, não há princípios a respeitar; que se pode fazer as coisas em ziguezague constante; que tanto vale ser em Junho, como em Julho, como em Janeiro, daí para a frente ou daí para trás, no fim do ano que vem ou daqui a três anos, ou mesmo daqui a S. Nunca; por meio da lei ou por meio dum despacho, na data certa ou errada; antes ou depois da lei ter instituído a regra. Que é que isso interessa, afinal?

21 maio 2010

 

Tiques inquisitoriais na AR

Se alguns deputados fossem magistrados seriam um perigo público, pelo menos um perigo para as liberdades e garantias fundamentais. Porque para eles não há limitações à descoberta da verdade. É o vale tudo: não há provas indisponíveis nem proibidas.
Convinha que eles soubessem que o Estado de Direito é aquele em que o Estado está submetido ao direito, em que vigoram direitos e garantias fundamentais, em que a verdade material tem de ceder muitas vezes perante os limites impostos por esses direitos e garantias, que são apanágio da pessoa humana (de todas elas, mesmo que a pessoa em causa seja um adversário político...). Eles enchem constantemente a boca com palavras bonitas e muito democráticas, mas nos momentos críticos mostram a sua face inquisitorial: descobrir a verdade material, por todos e quaisquer meios, mesmo os que lhes estão vedados utilizar, mesmo os que a Constituição impede que sejam utilizados...
Aliás, a ameaça aí fica: por esta vez as coisas ficam assim. Mas a Constituição será revista. E então nada escapará às comissões parlamentares. Até onde irá a sede inquisitória? Será que querem pôr as comissões parlamentares a controlar as decisões judiciais? Estará em perigo o princípio da separação de poderes? Aliás, esses senhores sabem que esse princípio existe?

20 maio 2010

 

Garzón e o SMMP



A direcção do SMMP esclareceu ontem que a postura intransigente com qualquer questionar da idoneidade e competência dos magistrados judiciais e do Ministério Público e dos órgãos de Polícia Criminal que no âmbito das suas funções mais não fazem que esforçar-se por exercê-las com zelo e rigor, com apego à objectividade e à descoberta da verdade material, em obediência ao princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei, trave mestra de um Estado que se pretende de Direito e Democrático apenas vale para Portugal.
Relativamente a situações ocorridas noutros países considerados democráticos, como a Espanha, a própria direcção do SMMP não se coíbe de considerar que determinadas decisões judiciárias (ao que se supõe com exposição de alguns fundamentos jurídicos e fácticos) derivam de um julgamento implícito da forma e do conteúdo da actividade do visado.
A única dúvida que um ingénuo pode ter é se considerar que decisões de órgãos judiciários como sendo derivadas e baseadas num julgamento implícito de índole política não serve para denegrir e descredibilizar a imagem pública dos magistrados, das Magistraturas que as proferiram.

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19 maio 2010

 

Um para-disparate

Quem, como eu, julga que a vinculação dos poderes soberanos à Lei e à Constituição é a marca de água de um Estado de Direito só pode ficar boquiaberto com a utilização de escutas telefónicas fora de um contexto criminal e por quem não está a isso autorizado, pela Lei e pela Constituição da República (CR). Nada pode irritar mais do que serem representantes da Nação, os legisladores por antonomásia, a desrespeitar a CR. A discussão em redor da admissibilidade do uso, por aqueles, de escutas provenientes de um processo criminal (pois, de onde mais podiam provir?) e no âmbito de um inquérito parlamentar, tenha este a oportunidade e mérito que tiver, é discussão apenas para quem já se dá ao luxo de prescindir dos dados normativos para fazer vingar uma posição que só pode sustentar-se com apelo a cambalhotas hermenêuticas incapazes de esconder meras simpatias partidárias.

Tenho como límpida a redacção do artigo 34.º/4, da CR, que veda o uso de escutas telefónicas fora de processos criminais. Elevar um vago “esclarecimento da verdade” acima do respeito que é devido à CR é espezinhar o Texto Fundamental, pois não se deve (não se devia) esquecer que aquela mesma já contém uma ponderação, um balanceamento, sobre o modo como se resolve a tensão entre o fim da descoberta da verdade e o uso de meios probatórios manifestamente invasivos da esfera privada (ou mesmo da esfera íntima) e compressores de direitos fundamentais sortidos como o direito à não auto-incriminação e o direito à palavra falada, só para mencionar alguns dos mais evidentes: só no processo penal e ainda assim com pressupostos muito apertados, o conteúdo daqueles pode ceder, e apenas na medida do necessário (artigo 18.º/2, da CR), àqueloutro objectivo de indagação da verdade.

Nem se diga, como por vezes se diz, que de acordo com o Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares (artigo 13.º/3, da L 5/93, com alterações) “as comissões podem, a requerimento fundamentado dos seus membros, solicitar (…) às autoridades judiciárias (…) as informações e documentos que julguem úteis à realização do inquérito” e que aquelas comissões têm uma natureza para-judicial, tudo como modo de legitimar o acesso ao resultado de escutas telefónicas. Ali porque o que é útil nem sempre é justo, no sentido de que não se deve sobrepor a princípios, também eles de valia constitucional, que protegem direitos fundamentais (p. ex., o citado artigo 34.º/4, da CR) - de resto, é a lei dos inquéritos parlamentares que deve ser lida à luz da CR e não o contrário, sob pena de colocarmos o princípio da interpretação conforme à Constituição de pernas para o ar; aqui porque aquela natureza para-judicial não equivale a natureza … judicial: assim como a comissão não pode prender também não pode usar escutas telefónicas, porque isso resulta de modo ao menos implícito da CR. Breve, aquelas são justificações frustres e demasiados genéricas para a inverter o sentido objectivo do artigo 34.º/4, da CR.

A última coisa que precisamos, depois da escorregadela futeboleira, é de uma escorregadela parlamentar em matéria de escutas telefónicas. Estas suspensões avulsas e aparentemente anódinas do Texto Fundamental são um dos maiores perigos para a democracia e para o Estado de Direito. Na voragem mediática e na obsessão mórbida pelos fait-divers político-partidários, o povoléu parece não se incomodar. Até ao dia…

18 maio 2010

 

O acordo de Teerão

O acordo de Teerão entre o Irão, o Brasil e a Turquia pode constituir um facto histórico, se vier a contribuir para um mundo mais multipolar.
Lula espreitou a oportunidade e aparentemente ganhou. Agora Obama, a "Europa" (entidade fictícia) e a NATO (entidade real) estão encostados à parede. Mesmo a Rússia e a China estão numa posição "incómoda" (ninguém as mandou colarem-se aos EUA neste assunto).
Um mundo mais multipolar é mais confuso, mas certamente mais justo e virtualmente mais pacífico.

 

O grande favor do PR

O PR lá fez o favor de promulgar a lei dos casamentos homossexuais. Não foi grande favor, contudo. Se não promulgasse a lei, a AR obrigá-lo-ia a fazê-lo, após segunda votação.
Claro que o PR quis sobretudo segurar o seu eleitorado, a um ano de distância das eleições. É esse o sentido profundo da sua "mensagem". Mas pode não sair beneficiado se quer entrar no eleitorado de esquerda... Enfim, as contas far-se-ão no dia das eleições.
Um argumento que eu não percebo é o de que o casamento homossexual divide os portugueses... Claro que os portugueses estão divididos quanto a essa matéria e a muitas outras... Os portugueses não são um rebanho, até ver...

17 maio 2010

 

A comissão parlamentar no seu labirinto

Tenho como seguro que a ingerência nas comunicações só é admissível em processo penal, tal como diz o nº 4 do art. 34º da Constituição, e que esta norma, pela sua excepcionalidade, é insusceptível de analogia.
Por isso, não sei o que estão a fazer as escutas telefónicas do caso "Face Oculta", que é um processo judicial, num inquérito parlamentar, que não tem a natureza de investigação criminal.
A confusão instalou-se. Só dois partidos se dispuseram a analisar as escutas. Mas, mesmo esses reconhecem que elas não constituem meios de prova. (São então meios de quê?)
O relator, sempre original, diz que não consulta as escutas, mas que não as pode "ignorar", e que vai ter em conta os "contributos" dos deputados que as analisarem (serão como que testemunhas de "ouvir dizer")...
O que irá sair desta embrulhada?
Faz lembrar o "Apito Dourado", que acabou sem pio.

 

Para compreender o caso Garzón

Los internautas preguntan a Carlos Jiménez Villarejo (el ex fiscal Anticorrupción)

El País, 17.05.2010

Lo primero es lo primero. ¿Qué opina de la suspensión al juez Garzón por investigar el franquismo? ¿Qué mensaje lanza esto al resto de los jueces?

Estoy en radical y absoluto desacuerdo con la medida de suspensión del juez Garzón. Creo que carece de fundamento jurídico suficiente y es una forma de reprimir y criminalizar el ejercicio libre de la independencia judicial. Por tanto, el mensaje que esta suspensión representa es la creación de un cierto clima de amedrantamiento sobre jueces y magistrados, como lo prueba que previamente hay ya dos jueces de Barcelona que han sido expedientados por criticar el comportamiento discutible de otro juez, el del Palau de la Música.
¿Qué puede hacer el ciudadano común ante semejante barbaridad?

Yo creo que ante medidas como la suspensión acordada del juez Garzón, la ciudadanía tiene mucho que decir, primero la crítica más rotunda de dicha medida y luego la constante denuncia de las decisiones judiciales que están produciéndose en el proceso contra él, donde abundan irregularidades inimaginables en cualquier otro proceso contra otro ciudadano por cualquier delito. Por tanto, el ejercicio constante de la libertad de expresión a través de la crítica y la denuncia reiterada y constante.

¿Han sido los procedimientos de Garzón discutibles, en los casos que se le imputan? (en estos argumentos se apoya la derecha)

Creo sinceramente, desde mi experiencia como fiscal durante 43 años, que los procedimientos instruidos por el juez Garzón que han motivado las querellas interpuestas contra él han sido procedimientos plenamente ajustados a derecho y por tanto con sumisión a las leyes vigentes, que es lo que se exige a un juez. Pero, eso sí, la sumisión a la ley obliga a todo juez a contemplar además de la ley vigente en España, los Tratados Internacionales ratificados por España sobre los crímenes contra la humanidad, que son también parte del ordenamiento jurídico español. Esto es lo que ha hecho el juez Garzón en el procedimiento contra el franquismo y, en particular, por las 114.266 desapariciones forzadas producidas durante la guerra civil y la dictadura cuyo paradero aún se desconoce.


¿Cree usted que la suspensión a Garzón tiene que ver con el 'caso Gürtel'? ¿Por qué o por qué no?

Naturalmente que sí. Es tan evidente que la primera querella contra el juez Garzón, admitida por el Tribunal Supremo es del 26 de mayo de 2009, poco tiempo después de que él concluyera las investigaciones sobre el caso Gürtel y las remitiera a los Tribunales Superiores de Madrid y Valencia, que es donde se acumulaban la mayor parte de los hechos y de los implicados. El caso Gürtel, que afecta de lleno al Partido Popular, a sus cargos públicos y a sus militantes, planea detrás de todas las querellas contra el juez Baltasar Garzón, hasta el punto de que en la última de ellas, la interpuesta por el letrado de un imputado del proceso Gürtel, se han persona como acusadores los principales implicados de Gürtel, Correa y Crespo, lo que constituye algo realmente insólito en la justicia española. Es decir, que los imputados y perseguidos por un juez de instrucción, en este caso el juez Garzón, terminen siendo los acusadores de dicho juez con la complacencia, en este caso, del Tribunal Supremo. Es un verdadero escándalo.


¿Por qué al Juez Garzón se le autorizó a estudiar crímenes de guerra de otros países y no del nuestro? ¿es esto es democracia?

Esta es una de las grandes contradicciones del proceso incoado por las querellas de Manos Limpias y Falange Española. Pensar que el único juez que en España se ha atrevido a investigar una parte de los crímenes del franquismo, las desapariciones forzadas, esté perseguido como un delincuente, representa un escarnio para los principios que deben inspirar el funcionamiento de un sistema judicial democrático. En definitiva, la realidad es que la extrema derecha española, con la connivencia del Tribunal Supremo, está atacando sin piedad al juez Baltasar Garzón cuando este mismo juez pudo investigar y hasta ordenar la detención del dictador Augusto Pinochet con toda libertad y con el apoyo de toda la comunidad internacional. Este es el gran dilema que plantea la persecución del juez Garzón y que debería avergonzar profundamente al Tribunal Supremo y, desde luego, al juez Varela por haber permitido avanzar en un proceso que debía estar ya más que archivado.

En general, ¿hay apoyo a Garzón en el mundo judicial?

Creo que entre los jueces y magistrados y entre los propios fiscales no hay la respuesta amplia y contundente que tenía que haber ante el atropello judicial que está sufriendo el juez Garzón. La prueba es que salvo algunos comunicados de las asociaciones Jueces para la Democracia y la Unión Progresista de Fiscales y un comunicado firmado sólo por 66 jueces y fiscales, algunos ya jubilados, el mundo judicial mantiene un mutismo preocupante que expresa miedo y una actitud reverencial hacia sus superiores y por supuesto al Tribunal Supremo absolutamente incompatible con lo que debiera ser la actitud libre e independiente de un juez en un sistema democrático. Está creándose una cultura judicial autoritaria que, en algunos aspectos y con las debidas matizaciones, recuerda la posición de los jueces ante la dictadura.

Señor Jiménez, a partir de ahora, una vez tomadas las medidas cautelares y abierto el juicio oral, en caso de culpabilidad, ¿qué opciones legales tiene el Juez Garzón? ¿Amparo al Costitucional? ¿Puede acudir a tribunales internacionales como el de Estrasburgo? Gracias

Ante la apertura de juicio oral contra el juez Garzón la primera consideración es que es manifiestamente irregular, por eso es también irregular la medida de suspensión acordada por el Consejo del Poder Judicial. Es evidente que en este momento están pendientes de resolverse por el Tribunal Supremo dos recursos de apelación sobre dos temas fundamentales: por una parte la denegación total y absoluta que el juez Varela ha hecho de las diligencias de prueba pedidas por el juez Garzón; reitero que es difícil encontrar un proceso donde el imputado, el juez Garzón, esté sometido a decisiones tan duras que generan una profunda indefensión; en segundo lugar, también está pendiente de resolución otro recurso ante el Tribunal Supremo por la nulidad de actuaciones referida a la actuación del juez Varela cuando dictó y prácticamente sustituyó a Manos Limpias y Falange en la redacción de los escritos de acusación, hecho absolutamente insólito en la justicia española que pone de relieve el nivel de compromiso y hasta de alianza entre el juez instructor y unas acusaciones que primero, no tienen nada de populares y además representan intereses identificados con los propios de la dictadura.


Si España inclumple tratados internacionales con la Ley de Anmistia, como se ha dicho en algunos medios. ¿Cómo es que nadie lo ha denunciado hasta ahora?

La Ley de Amnistía de 1977, representó el pacto necesario entre el franquismo aperturista y la oposición democrática. Por tanto fue un pacto desigual en el que se alcanzaron importantes conquistas, la libertad inmediata de los presos políticos de la dictadura, y paralelamente las fuerzas democráticas tuvieron que ceder como en cualquier pacto político en las condiciones históricas de la transición. Pero hoy ya es opinión generalizada de los juristas españoles e internacionales que la Ley de Amnistía, que excluía la responsabilidad penal de las autoridades y funcionarios que habían atentado contra los derechos de las personas mediante "actos con intencionalidad política" no podía alcanzar a los Crímenes contra la Humanidad que se cometieron durante la guerra civil y, sobre todo, en los primeros años de la dictadura. Los crímenes que se tradujeron según la moción del grupo parlamentario socialista en el Congreso de Diputados durante 2003 en 150.000 fusilamientos ya en dictadura y 500.000 presos políticos. Estos datos, suficientemente contrastados, expresan la aplicación de un plan de exterminio generalizado y sistemático que no puede ser favorecido con ninguna ley posterior porque atentan al ser humano, a la condición humana, al género humano.

Se acaba de conocer que La Haya contesta al Poder Judicial e insiste en contratar a Garzón. ¿Qué le parece?

No conozco con certeza la actitud hacia el juez Garzón del Fiscal de la Corte Penal Internacional. Ciertamente, su incorporación a dicha corte sería una satisfacción personal muy importante para él. Pero lo cierto es que ello no empaña ni aligera para nada la brutalidad de la decisión acordada de apartarlo de sus funciones judiciales que no se corresponde ni con el derecho ni con los principios de justicia. Por tanto, si finalmente el juez Garzón se incorpora a la Corte Penal Internacional es una buena noticia, pero el sistema judicial democrático sigue bajo el golpe que ha representado y representa la persecución política de un juez por llevar a cabo una interpretación de la ley respecto de los crímenes del franquismo que se ajusta plenamente al derecho vigente en España y en la comunidad internacional.

Buenos dias,Con respecto a la actuación del juez de la Rua en el tema de los trajes de Camps y la trama Gurtel ¿podria prosperar una querella por prevaricación? ¿Deberia el Supremo solicitar una sanción al juez de la Rua,por prevaricar?

En cuanto a la actuación del Tribunal Superior de Justicia de Valencia en el caso Gürtel, considero, porque analizo los hechos con objetividad, que la decisión del Tribunal Supremo de devolver las actuaciones a dicho tribunal es positiva. Pero sobre la posición de los magistrados en relación al caso Gürtel, creo que si está acreditado que el juez de la Rua tiene una relación de proximidad o amistad con el presidente de la comunidad valenciana, lo razonable y exigible sería su abstención para no volver a dictar ninguna resolución en dicha causa. Pero ya que hablamos de abstención no puedo evitar citar el caso del ponente del Tribunal Supremo en la causa contra el juez Garzón por los crímenes del franquismo, el magistrado Adolfo Prego. Creo que el alineamiento público de este magistrado con posiciones de extrema derecha como lo ha sido la presentación pública de los libros de Pío Moa o su presencia en fundaciones ultranacionalistas, justifica plenamente que dicho magistrado se hubiera abstenido de intervenir en la causa contra el juez Garzón desde su inicio, porque puede entenderse muy razonablemente que está ideológicamente comprometido con las partes acusadoras.

¿No se podría llevar al CGPJ a un tribunal internacional por suspender a un juez de una actividad que es su trabajo, y por una percecución totalmente partidista y pactada de antemano? Tantos años de democracia, y ahora este varapalo.

Creo que ante la decisión adoptada por el Consejo del Poder Judicial, en términos estrictamente jurídicos, sólo cabrían recursos administrativos que podrían concluir en el Tribunal Constitucional, tribunal que en este momento no es precisamente una esperanza para nadie. Pero en cuanto al Tribunal Supremo para el caso, que espero que no se produzca, de que el juez Garzón fuera condenado por prevaricación, podría recurrirse también ante el Tribunal Constitucional y ante el Tribunal de Estrasburgo, tribunal que sería la última esperanza de que se restaure la justicia en estos procesos tan absolutamente viciados por la aparente parcialidad de algunos de sus magistrados y por decisiones absolutamente improcedentes que generan tanta indefensión al juez Garzón.


¿No le parece un poco insultante para el común de los millones de justiciables de este pais que padecen una Justicia lenta y -frecuentemente- de mala calidad la atención que se presta al caso Garzón, sea justo o injusto lo que a él le está ocurriendo? ¿No sería mas justa la alarma mediática por los cientos de miles de ciudadanos atrapados en la jurisdicción contenciosa, civil, etc?

Honradamente, creo que no es exagerada la reacción ciudadana ante los procesos contra un juez, como el juez Garzón, que se ha caracterizado por hacer frente a delitos de toda naturaleza y de la máxima gravedad. Convieen recordar que dicho juez desarticuló el narcotráfico en Galicia, ha combatido el terrorismo de ETA, ha combatido el terrorismo del GAL, ha combatido la delincuencia financiera -por ejemplo ordenó, algo que no creo que hayan hecho muchos jueces, el registro judicial con apoyo policial y desde luego del ministerio fiscal, de la sede central del BBVA buscando pruebas de las cuentas clandestinas abiertas por esta entidad en los paraísos fiscales-, ha perseguido la corrupción como lo representa el caso Pretoria en Cataluña, y así sucesivamente. Es, por tanto, explicable la alarma que ha generado su actual e injustificada persecución. Lo que no impide y en eso comparto su preocupación es que el estado de la justicia española actual sea deficiente por falta de recursos y, posiblemente más de lo que se dice, por falta de dedicación, y que esta situación exige soluciones urgentes que hasta ahora no han llegado, como es la reforma de la Ley de Enjuiciamiento Criminal en el ámbito penal, y la dotación de mayores recursos a la jurisdicción civil, contencioso-administrativa, etcétera.

Buenos días, ¿cree usted que existen miembros del Poder Judicial a los que las investigaciones sobre el franquismo les podrían sacar los colores por su intervención en algunos sucesos? Gracias por su respuesta.

Buenos días, me alegro de que me haga usted la pregunta formulada. Hoy nadie puede pensar, por razones ideológicas, que dentro del sistema judicial permanezcan jueces o fiscales que prestaron servicio activo y eficaz durante la dictadura. Pero es una realidad y una evidencia que la magistratura española durante toda la dictadura, con algunas excepciones como la que representó Justicia Democrática, permaneció muda ante los crímenes franquistas como, por ejemplo, la tortura practicada de forma generalizada por la Brigada Social, cuando no prestaron su colaboración activa en la represión política como ocurrió durante el funcionamiento del Tribunal de Orden Público desde 1964 hasta 1976. Me pregunto si los jueces y fiscales actuales conocen esa realidad, saben que sus antecesores fueron fieles servidores de la dictadura y han hecho un análisis crítico de esa realidad que, ideológicamente, sigue sin ser asumida plenamente por el conjunto de jueces y fiscales. Es una carencia en la formación democrática de nuestros actuales jueces que debería resolverse pronto porque los treinta años pasados desde la instauración de la democracia son pocos para superar la actitud, cuando menos, pasiva de la magistratura durante los 40 años de dictadura. Por tanto, me atrevería a decir que subsisten de forma más o menos larvada, formas de pensar próximas al franquismo. De lo contrario, no se explica lo que está ocurriendo con el juez Garzón.

Visto lo visto, ¿es independiente la justicia?

Pues, hasta cierto punto. Así como los fiscales están sujetos a una estructura jerárquica que culmina en el Fiscal General del Estado y que, teóricamente, no debería depender en absoluto del gobierno de turno, los jueces son independientes, es decir, están sometidos solamente "al imperio de la ley" y, por tanto, no pueden recibir ningún tipo de órdenes, instrucciones o cualquier otra observación al amparo de aquella independencia. Pero la realidad no siempre se corresponde con este presupuesto constitucional. Los jueces son ciudadanos que tienen también su correspondiente ideología y que, en ocasiones, traducen excesivamente dicha ideología en sus resoluciones, hasta el punto de poner en cuestión la aplicación de la legalidad vigente o hacer una interpretación de la ley que no se ajusta a los parámetros de neutralidad e imparcialidad con que debe actuar un juez. Por ejemplo, basta examinar la actitud de la Audiencia Nacional y el Tribunal Supremo ante lo que llamamos la delincuencia financiera, la que representan los poderes económicos; es una constatación, suficientemente estudiada, que la respuesta es muy mayoritariamente el archivo previo de las causas contra dichos poderes por razón de delitos cometidos en el abuso de los mismos o la absolución de los mismos creando doctrinas que favorecen, en nombre de la economía de mercado, la impunidad de determinadas conductas delictivas muy graves, como por ejemplo las retribuciones multimillonarias, en euros, de directivos bancarios. Es un ejemplo, pero habría muchos más en otro ámbito de cosas que afectan a las libertades personales o a los derechos conquistados recientemente como la legalización de los matrimonios entre personas del mismo sexo o el aborto. Por tanto, cuando hablamos de inedependencia, hay que establecer ciertas cautelas.

16 maio 2010

 

A visita do Papa

É um facto que o Papa foi bem recebido em Portugal. Nem outra coisa seria de esperar, por várias razões:
a) Portugal é um país de tradição católica fortemente enraizada, ainda que tal tradição não tenha correspondência na vivência da fé de uma grande parte dos portugueses, que, nesse aspecto, acompanham o geral movimento de secularização das sociedades modernas, a Ocidente, e mais do que isso: de descristianização que o hedonismo reinante em que assenta o consumismo-todo-poderoso, com a sua máquina de propaganda, «medias» incluídos, vai impulsionando de forma irresistível;
b) a atracção que exerce o fausto, a pompa, o cerimonial litúrgico, a simbólica de um poder que se entroniza na Roma do velho Império e que, durante séculos, foi aprimorando as suas formas de expressão espectacular. Não é por acaso que o simbolismo do ouro, como material precioso de primeira grandeza, tem um papel importante no cerimonial que envolve a recepção do Papa, desde a baixela especialmente concebida para servir o Sumo Pontífice na travessia aérea, à folha dourada que reveste os microfones que ampliam a sua voz, à talha dourada dos altares concebidos para o específico fim da celebração da missa na praça pública, para depois serem novamente desmontados.
Significativo também a esse nível de espectacularidade foi aquela voz que ouvimos nas cerimónias de Fátima e que, de tempos a tempos, recomendava aos peregrinos que baixassem as bandeiras e estandartes para que todos tivessem oportunidade de ver o que se passava lá à frente - as cerimónias a que o Papa presidia. Temos, portanto, a visibilidade como condição da fruição e comunhão dos «fiéis» no «espectáculo»;
c) o efeito emotivo-sensorial e mesmo catártico da presença do Papa, que não é uma personagem vulgar, mas um ser único na sua função e representação, simbolizadas na figura do pastor universal do grande rebanho que ele guia em direcção a Deus, um intermediário directo da divindade, rodeado de fortes símbolos que evocam esse magno poder de que está investido, desde as vestes, que produzem um efeito insólito mesmo do ponto de vista estético, e foram minuciosamente pensadas em função de cada situação particular, até aos objectos de que se serve ou que lhe servem de adorno (o báculo, o anel – este, pessoal e intransmissível), ou em que se desloca, como o papamóvel - um carro que parece um veiculo extraterrestre – enfim, um ser que, sob a sua figura humana, é revestido de um halo transcendental, provocando em quem o vê de perto ou dele se aproxima uma espécie de transfiguração e daí que, com frequência, se ouça dizer a um desses privilegiados, “eu vi o Papa, nunca mais posso esquecer; é uma felicidade que não posso descrever ” (Fátima Campos Ferreira, em reportagem ao acontecimento no Porto, à vista do avião prestes a largar do aeroporto de Pedras Rubras, não se cansava de falar na felicidade que devia ser a da equipa que iria transportar o Papa a Roma).
Também o Cardeal-Patriarca de Lisboa, antes uns dias da vinda do Papa, exortou os católicos a receberem-no «como se fosse o Senhor». Ora, isto indicia a transferência que se faz da figura humana do Sumo Pontífice para a própria entidade que, não tendo figuração possível a não ser na imagem encarnada de Cristo, se designa por “ O Senhor”. É uma exortação, no mínimo, perturbante.
Outros, sobretudo membros do aparelho do Estado, querendo render homenagem ao Papa com uma justificação aparentemente mais laica, insistiam no seu estatuto de chefe-de-Estado. “Ele é um chefe-de-Estado”.
Em qualquer destas posições há, parece-me, um equívoco. Em relação à primeira, porque o Papa não é a divindade, mas um ser humano limitado como qualquer outro, um indivíduo sujeito a errar e a “pecar”, pesem embora as suas altíssimas funções eclesiais. Relativamente à segunda, porque o Papa não é um simples chefe-de-Estado (aliás, uma reminiscência do antigo poder temporal dos Papas), mas o líder por excelência de todo o orbe católico. Nenhum protocolo-de-Estado inclui uma liturgia religiosa, oficiada por esse suposto chefe-de-Estado e a que os dignitários de outro Estado se sintam compelidos a assistir ou nela participar. Que assistam ou nela participem por uma questão pessoal de fé, muito bem, mas que não a misturem com o protocolo-de-Estado.
De tudo resulta que o que sobressai da visita do Papa é, sobretudo, uma dimensão de espectáculo, de poder, de um cerimonial de esmagamento, seja a pretexto dos seus atributos espirituais, que relevam da ordem sagrada, seja dos seus atributos materiais, que relevam da ordem profana. Em bom rigor, esse todo confere uma imagem que se diria pouco conforme com o Evangelho, onde há um nítido apelo à humildade, à pobreza, ao despojamento, à renúncia da pompa e da riqueza, ao aparato do poder.

15 maio 2010

 

Garzón


Garzón, o juiz espanhol que só conseguia ver criminosos de guerra e genocidas com o olho direito, foi suspenso de funções por ter iniciado uma investigação de modo arbitrário. Vi-o emocionado, mas não era preciso. Tem um brilhante futuro na política espanhola.

PS: Aqui está algo que devia sossegar os sobressaltos do nosso Saramago.

14 maio 2010

 

Saldanha Sanches

Morreu José Luís Saldanha Sanches. Apenas a partir das suas intervenções públicas ressaltou para mim que, independentemente da concordância com as suas opiniões (aconteceu-me algumas vezes ler ou ouvi-lo e divergir profundamente das suas ideias), era dos poucos opinadores sobre o sistema jurídico-político português com três atributos importantes e raros no rectângulo: ideias fundamentadas, independência e preocupação cívica. Ainda sob o estupor da surpresa da notícia matinal, não resisto a fazer a ligação para um dos seus últimos textos particularmente certeiro sobre justiça e política, incluindo o processo penal (e tão distante das vacuidades recorrentes sobre tema).

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13 maio 2010

 

A lei (ainda) é geral e abstracta?

O Ministério da Justiça parece apostado em provar o contrário, a crer numa proposta de lei noticiada pela imprensa. O relatório da proposta é eloquente e vai constar para sempre do anedotário jurídico-institucional: "O exercício de comissões de serviço por parte de magistrados do MP, devidamente autorizados pelo CSMP, revela-se um mecanismo importante para a prossecução do interesse público, por permitir que os conhecimentos e experiência obtidos possam ser disponibilizados no exercício de diversas funções de relevo." E mais: "Sucede que em variados casos os magistrados mais habilitados a exercer essa função atingiram a idade de jubilação, muitas vezes no decurso da própria comissão de serviço, quando têm reconhecidas capacidades e vontade de continuar a servir o interesse público." (Cito do "Público" de ontem, p. 20)
"Variados casos" e "muitas vezes" são expressões que pretendem disfarçar o indisfarçável: só há um caso, UM!
É portanto uma lei unipessoal.
Pobre Cons. Arala Chaves que foi obrigado a sair quando atingiu o limite de idade... Ninguém se lembrou então que havia uma solução: arranjar uma lei à medida. Agora os alfaiates são mais habilidosos.

12 maio 2010

 

A reboque?

Após a reunião do fim de semana de Bruxelas, Zapatero decidiu hoje: corte de 5% nos salários da função pública a partir de Junho; corte de 15% nos salários dos políticos; congelamento de salários para 2011; and so on...
Portugal: o senhor que se segue.

11 maio 2010

 

A Grécia e Portugal

Eça de Queirós em 1872.... escreveu n´ As Farpas:

"...Nós estamos num estado comparável somente à Grécia: mesma pobreza,
mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo
abaixamento de caracteres, mesma decadência de espírito.
Nos livros estrangeiros, nas revistas quando se fala num país caótico
e que pela sua decadência progressiva, poderá ...vir a ser riscado do
mapa da Europa, citam-se a par, a Grécia e Portugal".

Será que a História se repete? Ou será que a História aparentemente não mudou nada? Por que será que se fala sempre na actualidade de Eça? Ele próprio, se continuasse a viver hoje, não se sentiria profundamente decepcionado por já ter dito tudo acerca de Portugal há mais de um século atrás?

 

A brigada das finanças

As prestigiosas figuras dos ex-ministros das Finanças dos últimos trinta anos (só faltou Sousa Franco, por razões conhecidas) foram encontrar-se com um colega, que agora ocupa transitoriamente um posto mais elevado. Foi um encontro de colegas e amigos, a que se deslocaram mesmo com algum sacrifício, pois não conseguiram esconder alguma dificuldade de locomoção devido ao reumático, como o perspicaz Vasco Lourenço logo notou (ele é especialista nesse diagnóstico).
Ponho-me a pensar quanto valerão eses senhores em termos de pensões de reformas (duas, três ou mesmo quatro por cabeça) ou de salários (os dos muito poucos que ainda têm o incómodo de trabalhar). Deve ser um número bem pesado para a nação!
Que autoridade têm eles, que nos governaram nestes trinta anos e que agora usufruem as suas douradas reformas, para dar lições?

 

Poceirão

Há muito que tenho um sonho: ir ao Poceirão. Até hoje nunca o pude realizar. Mas em 2013 finalmente vou conseguir! É fácil: dou um saltinho a Madrid e de lá é outro saltinho ao Poceirão. Depois, para sair é que vai ser o diabo. Mas talvez não: volto para Madrid!

09 maio 2010

 

Luta de classes: Grécia, o nosso PEC e um poema de Nuno Júdice

Atrevo-me a pensar que o que se passou esta semana nas ruas de Atenas pode ter sido mais um episódio da luta de classes, ou seja, de revolta contra a injusta distribuição de sacrícios, na hora de os fazer.
Quando o nosso PEC começar a doer, também nos darão grandes lições sobre os sacrifícios indispensáveis e inadiáveis que teremos que fazer. E mais nos dirão que é comer e calar, não venham aí as "agências de rating" (o novo papão) agravar ainda mais a nossa situação. Mas os que têm pago todas as crises (e sempre a ouvir sermões dos que não pagam) estarão pelos ajustes? Alguém se poderá admirar se os pagantes do costume não estiverem inteiramente conformados com a fatalidade e se o disserem com alguma veemência?
A luta de classes teima em não morrer, embora por vezes se apresente com formas subtis e até algo ingénuas, como "explica" Nuno Júdice no poema que a seguir se transcreve, incluído no seu último livro: "Guia de Conceitos Básicos":


NATUREZA MORTA COM MARX

As mulheres que traziam a fruta nos cestos, e
os pousavam no chão de pedra, em frente das casas,
para que as senhoras a pudessem escolher, só
sabiam o que era a luta de classes quando ouviam
discutir os preços que elas davam, e ou baixavam
ou não vendiam. Mas quando voltavam para o campo,
com os cestos mais do que vazios, pensavam noutras
coisas: no que as esperava nas casas onde
a doença entrava com o inverno, e no que poderia
acontecer se não chovesse, e as árvores secassem
de um ano para o outro. Nas casas das senhoras,
porém, o cesto de frura, em cima da mesa,
não fala destas coisas. E quando alguém ia tirar
as uvas, para as provar, o sabor nada tinha de amargo,
a não ser que, num breve instante, a imagem
das mãos que as apanharam, naquela madrugada,
não voltasse a trazer a ideia de luta
de classes para dentro do cesto.

 

A inutilidade de um julgamento, a batata, a lógica e a treta do direito

A propósito de certas hipóteses jurídicas que intrigaram Maia Costa, também fui ler o art. 311.º e tentando seguir os rigores da lógica, muito apreciada por juristas, alvitro a seguinte interpretação:
1- Quando não houve instrução, na fase de julgamento o momento para sindicar se os factos não constituem crime é o despacho previsto no art. 311.º, do Código de Processo Penal (atento o respectivo n.º 3, al. d)), rejeitando-se então a acusação como «manifestamente infundada». Parte chata de um sistema processual ordenado: essa decisão faz caso julgado formal, pelo que se no saneamento do processo a acusação não for considerada manifestamente infundada, já não o pode vir a ser sem que se realize julgamento.
2- Quando houve instrução, no «saneamento do processo» da fase de julgamento não se pode considerar manifestamente infundada a pronúncia. Pelo que não se forma caso julgado formal sobre esse ponto.
3- A lógica da batata: No caso de pronúncia não se formou caso julgado formal sobre o carácter manifestamente infundado da mesma, já que então não podia ser considerada manifestamente infundada, pelo que o tribunal do julgamento pode, a todo o tempo, decidir que a pronúncia é manifestamente infundada, para se poupar tempo abstendo-se de um julgamento que aquele tribunal considera inútil. Pelo que segundo esta lógica, a pronúncia (que até pode ser proferida por um tribunal superior) tem menos força jurídica do que uma acusação.

Tretas do direito que prejudicam a fina lógica: A) aos tribunais do julgamento (em primeira instância) não é reconhecido um poder absoluto sobre a interpretação do direito (nem como se referiu aqui supremacia sobre os juízes de instrução), pelo que decorridos determinados passos podem ser obrigados (que chatice, além de treta) a realizar julgamentos, a julgar os factos e a aplicar o direito e, o que é mesmo uma treta, as suas decisões finais podem ser objecto da crítica dos sujeitos processuais através de recurso e subsequente reapreciação por tribunal superior; B) Se antes do tal julgamento e depois da fase de julgamento, o tribunal decidir que afinal aquele caso não devia ir a julgamento arrisca-se a que a sua decisão seja sujeita a um recurso para um tribunal superior (com motivações das várias partes e subsequente acórdão) e se (por força destas chatices, associadas à pior de todas que é a conformação pela lei processual da margem de decisão dos vários actores) for, afinal, determinado que o julgamento se tem de realizar, inútil e prejudicial em termos de tempo foi aquela antecipação da suposta inutilidade do julgamento...

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07 maio 2010

 

Desintonias em directo

Ainda a propósito da acção directa é curiosa a desintonia entre o exercício da ironia jurídica e a candura cognitiva do simplismo literário.

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06 maio 2010

 

Absolvição sem julgamento

Fui ler o art. 311º do CPP e parece-me claro que, tendo havido instrução (e pronúncia do arguido), o tribunal de julgamento não pode fazer outra coisa que não seja o dito julgamento (excepto em caso de prescrição, amnistia ou morte do arguido). Não está ao seu alcance seguramente, antes de terminado o julgamento, considerar que os factos descritos na pronúncia não constituem crime. Se o pudesse fazer, isso equivaleria a uma revogação da pronúncia e o tribunal de julgamento não é hierarquicamente superior ao JIC.
Penso eu de que.

 

74 perguntas

74 perguntas é o trabalho para casa que foi distribuído ao PM pela comissão parlamentar. O fim de semana não vai chegar. Vai ter que aproveitar os feriados papais. Quando os decretou certamente que não estava a pensar neste TPC.

 

Portugueses da diáspora não esquecem a Pátria

Muitos portugueses espalhados pelo mundo (Canadá, Austrália, Califórnia, África do Sul, Brasil) estão a interessar-se subitamente pela nossa política e preparam-se para intervir activamente nela, através da representação parlamentar. Não obviamente através dos círculos da emigração, que eles entendem que devem estar reservados aos residentes no Continente. Mas pelos diversos círculos do mesmo Continente. Alegam eles que a AR só tem a ganhar com a sua experiência e cultura, adquiridas ao longo dos anos de permanência em sociedades mais desenvolvidas e organizadas.
É claro que eles não dispensam o fim de semana em casa, com a família. Isso é ponto de honra. E acham mesquinho ("uma infâmia") que se discutam uns trocos, por causa das viagens, em troco do contributo que pretendem dar à vida parlamentar.
Estão disponíveis para serem convidados. Mas só para lugares elegíveis, é claro.

 

Acção directa (mas à socapa)

A acção directa está prevista no CC (art. 336º). Legitima a apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa, quando necessário para realizar ou assegurar um direito.
Mas parece que o CC tem em vista condutas assumidas frontalmente pelo lesado perante o lesante.
Condutas subreptícias, e aliás "irreflectidas" (ou seja, sem intenção de defesa do direito próprio), não sei se caberão no âmbito daquele preceito.

 

«Contribuindo com os seus conhecimentos» sobre «acção directa»

Há muito tempo que se acompanha aqui o brilho de Ricardo Rodrigues, não se regateando o elogio ao deputado especial, em particular, à sua cultura jurídica abrangente.

Entretanto, o percurso parlamentar depois de merecido destaque em inquirições em comissões de inquérito parlamentar anti-inquisitórias (as boas, não confundir com as más, as inquisitórias), foi confirmado com protagonismo cada vez maior, tendo rapidamente a estrela saltado para o firmamento. Foi naturalmente com júbilo, embora menos tumultuoso do que o que acompanhou outros eventos, que há poucos dias se soube que o deputado Ricardo Rodrigues, depois de ter sido fundamental para algumas das mais fundamentais criações jurídicas da revisão penal de 2007 e de emprestar o seu brilho ao Conselho Superior do Ministério Público, segundo o próprio, vai contribuir com os seus conhecimentos para o Conselho Superior de Segurança Interna.

Sem deixar, sequer, tempo para os seus admiradores absorverem as justas expectativas sobre o novo universo em que Sua Excelência vai oferecer à comunidade os seus singulares e modestos contributos (em termos de conhecimentos, como é óbvio), o deputado interpela a nossa capacidade gnoseológica na captação da leveza não só de discurso mas de gestos, e mesmo num quadro de «insuportável violência psicológica» revela que a sua mão é ágil,



num movimento que olhares menos treinados só conseguem captar em câmara lenta.

A nossa estrela é aliás de uma resistência à prova de bala e de «azares», não cessando de «contribuir com os seus conhecimentos», e numa verdadeira aula, volvidos poucos dias sobre a do gesto ágil, discorre sobre a «violência psicológica insuportável» a que foi submetido, indica a outras vítimas «alternativa para preservar o bom nome» e revela ao mundo que a «acção directa» pode servir de justificação para a aquisição de prova (em termos que não estarão previstos de forma inequívoca na «letra» da lei, sempre carecida de iluminações sem rodriguinhos) com vista a que essa prova seja subsequentemente «apensa» a requerimentos judiciais (que com a sua presteza já interpôs) .




Não será demais sublinhar que este recente e generoso «contributo», em conferência de imprensa, para a compreensão dos territórios inóspitos do direito e da justiça, como é timbre dos grandes mestres, deixa aos seus admiradores matéria ampla para reflectir. E dúvidas enriquecedoras, a título meramente ilustrativo, perguntamo-nos se o destacado protagonista da «reforma» das leis penais e processuais penais em 2007 ao indiciar como admissível o exercício da acção directa para a aquisição de prova com vista a subsequente propositura de acção judicial considera que tal pode ser feito por qualquer pessoa / entidade que pretende deduzir uma acção, e, nomeadamente, inclui / exclui pessoas comuns, deputados normais, procuradores ordinários, deputados especiais, procuradores especiais, juízes comuns, etc, etc, ou se vale apenas para alguns eleitos?

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04 maio 2010

 

A crise da justiça e as magistraturas

Tomo a liberdade de publicar aqui a opinião de um jurista e professor de direito, que ainda chegou a ser, penso, professor de muitos de nós e examinador nos antigos exames dos concursos para magistrado do Ministério Público e juiz (antes de existir o CEJ), lembram-se?
Aqui vai:

30-Abr-2010

DIOGO LEITE DE CAMPOS



Quero deixar muito claro que tenho a mais elevada consideração pela magistratura portuguesa (juízes ou Ministério Público).
E não é só ou sequer principalmente - por ser filho, neto e bisneto de magistrados, e por ter, desde que me conheço, adquirido, pelo exemplo que me deram, muita admiração pelas qualidades de independência, honestidade, dedicação e capacidade técnica dos magistrados.
Não. As minhas razões para a admiração que tenho por eles, magistrados, no seu todo, decorrem dos meus cerca de cinquenta anos de jurista e cidadão atento.

Considero que os magistrados, hoje muito maltratados por serem confundidos com os vícios da administração da Justiça (e não só), mas profundamente respeitados pela sociedade portuguesa, são o mais importante garante do Estado de Direito.
É neles, nos magistrados, que confiamos para que se faça Justiça - doa a quem doer - de modo a que Portugal - o nosso bem amado Portugal - não se transforme num país de injustiça, de corrupção, de banditismo.

Estou seguro de que os magistrados judiciais e do Ministério Público, com a ‘graça de Estado’ que lhes assiste (honra, independência e incorruptibilidade) continuam a ser o eixo do Estado de Direito.
Quanto mais actuarem melhor será. Há que lhes dar os meios necessários para esse fim, a todos os níveis. E aplaudir sem reservas os resultados.
Pela minha modesta parte, sempre tenho contribuído, e continuarei a contribuir, para esse fim.

Há poucos meses, fiz uma conferência no Centro de Estudos Judiciários sobre matérias muito técnicas.
No final, a desembargadora que presidia pediu-me a minha opinião sobre o estado da Justiça em Portugal. Dei-a na altura e está condensada nestas linhas.
Mas se o povo português respeita a magistratura judicial no seu todo, está, em simultâneo, profundamente descontente com a administração da Justiça. E esta é problema do legislador constitucional e do legislador ordinário.
Há muitos anos que a função social da magistratura não é pensada radicalmente e as reformas que se vão fazendo são cada vez mais de circunstância.
Isto está a ser gritante no século XXI, num momento em que a sociedade põe desafios que não eram conhecidos sequer 30 anos antes, derivados de uma vida mais imbuída pela técnica, pela globalização, pelo desfazer de estruturas sociais tradicionais, pelo desejo de celeridade, etc.

Há, pois, que rever a Constituição e as leis ordinárias para que os juízes e os magistrados do Ministério Público vejam o seu estatuto, as suas funções - bem como as suas imensas dignidade e competência - serem, mais uma vez, reconhecidos socialmente, uma vez adaptadas aos novos desafios da sociedade. É o melhor serviço que se pode prestar ao povo português e à magistratura.
Neste ponto estamos profundamente empenhados.

Diogo Leite de Campos | jurista, vice-presidente do PSD
SOL | 30.04.2010

02 maio 2010

 

O taxista

Isto está de tal ordem, que eu nem lhe digo. É uma lástima. É quem mais rouba. Os bancos. Veja os bancos. Fazem falcatruas, abotoam-se com o dinheiro dos clientes e, ainda por cima, recebem dinheiro do Estado, quer dizer, somos nós a pagar. Acha bem? Anda para aqui um gajo a trabalhar, que se esfola, e não consegue sair da cepa torta, e estes gajos da finança e do carago a enriquecer à nossa custa. E não são só os da finança. Isto vai para aí uma corrupção! Os do próprio governo e gente ligada ao governo… Bem deixa-me estar calado. Eu não sei o que é que o senhor pensa, mas veja o processo da Face Oculta, as ligações destes gajos com gente bem colocada nas altas esferas. Isto não dá nada, já sei. Dá vontade de um gajo mandar às urtigas o resto de honestidade que ainda tem e fazer na mesma. O senhor pode pensar que eu… mas não, sou muito sério. Quer dizer, tenho a mania de ser sério. Conheço muito colega meu que é capaz de aproveitar um frete para se pôr aí às voltas pela cidade até chegar ao destino, sobretudo se topa que o cliente não é de cá. O senhor, por acaso, também não é de cá, pois não? Conheci logo pela pronúncia. Vi logo que era lá de cima do Norte. Pois, muito colega meu era capaz de se pôr para aí às voltinhas, mas eu não; vou pelo caminho mais directo. Sou assim, que é que quer? Sou filho de polícia. Não sou “filho da polícia”, como se costuma dizer, que nem sei bem por que é se diz isso. O meu pai habituou-me a ser cumpridor das regras, a levar tudo muito direitinho. Era muito severo. E eu não sou capaz de ser de outra maneira, que é que quer? Ainda há bocado, não sei se o senhor reparou, eu acelerei pela Avenida acima, para apanhar os sinais todos abertos. Reparou? E o certo é que fizemos a Avenida toda sem parar. Outro qualquer colega meu era capaz de se pôr para aí a engonhar, na mira de alguns sinais caírem e passarem a vermelho. Só para fazer render mais a corrida. Depois quem pagava era o senhor. Eu não, não sou capaz. Não faço nada que não seja a bem do cliente. Mas olhe que dá vontade … dá vontade… sei lá de quê? Olhe, de ser espertalhaço como esses gajos todos. Quando a gente vê o que vai por aí, a começar por essa malta do… Bem, deixa-me estar calado. Isto vai par aí uma roubalheira e uma corrupção! Poucos se safam. Às vezes digo cá para mim: “És um lorpa!” Mas não, arrependo-me logo, que eu não sou capaz de ser senão um gajo direitinho, cumpridor. Filho de polícia! Olhe, ainda há bocado, vinha aí uma senhora sentada (aí atrás, onde vai o senhor), uma senhora toda queque; quando ia a sair, eu reparei que estava uma moeda de 1 euro em cima do assento. E digo eu à senhora: “Olhe aquela moeda, minha senhora.” E ela olhou para o assento: “Ah!... muito obrigado.” Pegou na moeda e saiu. Depois, pensei cá para comigo que aquela moeda podia até nem ser da senhora e ela ter aproveitado a oportunidade para fazer de conta que era dela e metê-la ao bolso. Está a ver? Não consigo ser doutra maneira. Até podia ficar muito caladinho e abarbatar o euro para mim. Sei lá se ela era séria ou se não era séria. Hoje em dia ninguém pode confiar em ninguém.

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