26 janeiro 2009

 

O psiquiatra de Gaza

A entrevista que hoje o "Público" insere com um psiquiatra de Gaza é muito significativa.
Não é um jovem islamista exaltado que fala. É um homem culto e um laico, um homem já idoso e que viveu muito, um intelectual conhecido um pouco por todo o mndo, com muitos amigos no "Ocidente".
E o que diz ele? Que abandonou, depois da recente investida israelita, a esperança no processo de paz e declara apoiar sem reservas a resistência, embora não violenta.
Israel que pode esperar depois da recente carnificina? Submissão dos palestinianos? Pelas declarações deste homem, que não era um radical, não parece que seja isso que vai acontecer.

 

Ajudar os EUA a acabar com Guantánamo?

Já sabemos que Portugal se apressou (e adiantou a todos) a tentar "ajudar" os EUA, prontificando-se a receber prisioneiros daquele campo de concentração que já não "interessem" aos EUA e sejam até um estorvo.
Portugal até desafiou outros países europeus a seguiram o exemplo. Mas com pouco sucesso.
Na verdade, a ideia parece muito humanitária, mas não é mais do que uma tentativa de ajudar os EUA a descalçar a bota. E quem deve descalçar a bota é quem a calçou.
Os crimes cometidos pelos EUA em Guantánamo e noutras prisões espalhadas pelo mundo não podem ser assim abafados e branqueados, de tal forma que até parece que os EUA querem resolver de facto o problema, pondo em liberdade todos os inocentes, e não podem porque não têm ajuda!
O problema dos "inocentes" tem de ser resolvido por quem o criou: os EUA. São os EUA que devem reparar até onde for possível o dano que lhes causou, a começar pela reparação moral e a terminar na reparação material. E aqueles que não podem ser "devolvidos" aos países de origem devem receber o estatuto de refugiados nos próprios EUA. Só se os próprios prisioneiros rejeitarem essa possibilidade e que é de encarar a hipótese de os países europeus os aceitarem como refugiados.
O afã do governo português em "ajudar" os EUA só pode compreender-se, não como humanitarismo, mas como servilismo, o que é indigno.

22 janeiro 2009

 

Prisões da CIA: ordem para fechar?

Foi há pouco noticiado que Obama mandou fechar "o mais rapidamente possível" todas as prisões da CIA espalhadas pelo mundo.
Se for verdade, é de facto uma grande notícia. Porque, para além de Guantánamo, o "sistema prisional" da CIA compreende muito provavelmente prisões mais ou menos confirmadas, como Bagram, outras oficialmente não confirmadas mas suspeitas, como Diego Garcia, outras de localização desconhecida, mas provavelmente existentes (e outras entretanto encerradas, como parece que sucedeu na Roménia e na Polónia).
Será que Obama mandou fechar isto tudo? Aguardemos confirmação. Mas se for verdade não sei se a vida de Obama não corre perigo...

 

A democracia em Israel (2)

O Supremo Tribunal de Israel revogou a decisão anteriormente tomada pelo Comité Central de Eleições, que depende do parlamento, de interditar a participação nas próximas eleições legislativas de dois partidos de árabes israelitas.
Trata-se de uma decisão que dignifica o órgão que a profere. Mais do que isso: mostra que o poder judicial em Israel tem independência suficiente para proferir decisões que contrariam o poder legislativo.
A independência do poder judicial é um pilar indispensável da democracia (se tiram esse pilar a democracia cai).
Esta decisão abona em favor do Estado de Direito em Israel. Mas não apaga o que eu há dias disse aqui sobre todas as limitações de uma democracia feita para os judeus.

 

Faixa de Gaza: apenas uma pausa

O grau de brutalidade e de desprezo pelas vidas humanas demonstrado por Israel na recente (e apenas suspensa) invasão da Faixa de Gaza pode ser medido, mais do que pelas fotografias que vão chegando, pelas reacções de certas (altas) entidades. Na verdade, até o irrevelante secretário-geral da ONU, esse lugar honorificamente ocupado por um sul-coreano cujo nome me escapa, desta vez manifestou-se emocionado e chocado com o que viu em Gaza, e "pediu" um inquérito. A Cruz Vermelha, sempre tão contida em declarações, para não prejudicar a sua possibilidade de intervenção em todos os conflitos, criticou asperamente Israel. E o subsecretário-geral da ONU insurgiu-se contra as mortes provocadas na população civil.
Mas é claro que os israelitas ignoram e desprezam estas e outras reacções. Quem não é por eles é certamente anti-semita ou está manipulado pelos anti-semitas...
E Obama? Vai mesmo empenhar-se na resolução do conflito de fundo e obrigar Israel a negociar seriamente?
Se não o fizer, esta invasão de Gaza será apenas uma breve pausa, preâmbulo de uma nova razia em Gaza ou na Cisjordância, enfim, onde quer que existam e resistam alguns palestinianos inconformados com o destino de párias que Israel lhes decretou.

21 janeiro 2009

 

juízes nas prisões

A pena de prisão continua a ser o «paradigma» sobre o qual assenta o discurso das penas na sua globalidade e também a pena cujos problemas são mais impressivos, porque colidem de uma forma radical com o exercício dos direitos fundamentais do cidadão.
Na pena de prisão e sobretudo na sua execução os problemas teóricos assumem uma clareza e uma crueza que ultrapassa a reflexão dogmática.
Ao discurso normativo e teórico contrapõe-se a realidade das condições materiais em que é executada a pena de prisão: a fragilíssima condição de habitabilidade das prisões, a sobrelotação das celas, a ausência de respostas de socialização adequadas à população prisional, o (des) respeito pelos direitos individuais dos reclusos, a preocupação pelas consequências do encarceramento para quem está detido, para as suas famílias e sobretudo para a sociedade. Trata-se apenas de um elenco de problemas não exaustivo e nunca resolvido.
As alterações legislativas no domínio procedimental levadas a cabo nos últimos vinte anos trouxeram ao processo penal português a confirmação de que este processo penal é configurado como direito constitucional aplicado.
As garantias fundamentais para concretizar um «processo justo» que legitime a decisão aí proferida estão consagradas no código de processo penal o qual, com algumas intermitências, tem feito o seu caminho concretizando as suas finalidades.
No âmbito da execução das penas de prisão, no que se entende chamar de direito penitenciário, a realidade prisional onde se efectiva o direito dos reclusos parece indiciar que o processo penal justo terminou com o trânsito em julgado da decisão condenatória. O fosso entre a law in books e a law in action é no âmbito penitenciário uma realidade que não pode ser omitida por quem pretende entender verdadeiramente o sistema prisional e sobretudo por quem tem o poder de aplicar penas de prisão.
Daí que seja de uma forma «anónima» seja de uma forma «identificada» é fundamental para quem quer ser juiz conhecer profundamente a realidade prisional.

Declaração de interesses: fui juiz de execução de penas.

19 janeiro 2009

 

Três novidades

Vieram no Expresso três novidades de tomo numa só notícia. Vêm a ser elas: 1.ª que em Vila Nova de Gaia há um Clube de Pensadores; 2.ª que o próximo convidado vai ser o presidente do Governo Regional da Madeira; 3.ª que o tema sobre que vai falar é (atenção!) … “A Refundação da República”.
Vamos a ver o que dirá sobre os fascistas do Continente. O modelo será certamente a República da Madeira.

 

Israel atingiu os objectivos... Quais?

Israel decretou o cessar-fogo porque diz estarem cumpridos os objectivos da invasão de Gaza: recuperou o "prestígio" das suas forças armadas e infligiu um golpe duríssimo ao Hamás.
Um objectivo certamente não atingiu: não recuperou o soldado refém do Hamás. E também não se conhece a dimensão do dano causado no potencial militar desse movimento armado.
Sabe-se, sim, que 1203 palestinianos foram mortos, dos quais 410 crianças.
O que não é de impressionar, segundo o director do "Público", que sustenta que esse número de baixas demonstra precisamente o "cuidado" de Israel em evitar baixas civis. De facto, vendo bem, ainda sobraram muitos palestinianos vivos, já que na Faixa de Gaza habitam 1500000! Ah, grande jornalismo!
Mas Israel esquece uma coisa: é que, se não iniciar seriamente, e com brevidade, negociações para a resolução do problema de fundo, a criação de um estado palestiniano viável, terá o retorno, com juros, do ódio que vem semeando em gerações e gerações de crianças e jovens palestinianos.
E já agora, será que a parir de amanhã Obama já tem opinião sobre o assunto?

18 janeiro 2009

 

Magistrados na cadeia

A respeito da ideia da direcção do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), divulgada neste blogue por Maia Costa, de incluir na formação de magistrados a permanência de formandos, durante dois dias, numa prisão, suscita-me o seguinte comentário:
Há muito tempo que eu dizia que todos os magistrados deviam ter estado presos, pelo menos 15 dias. Dizia-o com ar de brincadeira, mas com suficiente equivocidade para se perceber que havia qualquer coisa de muito sério por trás dessa brincadeira. E, sobretudo, deveria haver qualquer marca vivencial na mensagem, porque, normalmente, os colegas que me escutavam, riam-se a contragosto. Não era simples humor negro. Sobre isto, porém, não quero fornecer mais explicações.
O que se segue é que passar dois dias num estabelecimento prisional, mesmo que, por hipótese, em regime de reclusão (o que me parece também muito duvidoso a todas as luzes), não teria nada que se parecesse com estar preso numa cela, como qualquer preso, sem que ninguém soubesse da qualidade da pessoa e do carácter formativo da experiência. E essa experiência verdadeira é que seria formativa, no sentido de se ficar a saber o que é realmente estar preso. Isto não significa que passar dois dias num estabelecimento prisional como candidato a magistrado, dormindo e comendo lá, contactando com os presos e com o pessoal da prisão, não tenha o seu valor, mas é sempre um valor que não substitui a experiência da prisão.

 

A arrogância dos peritos

Alguns peritos médicos psiquiatras julgam-se detentores da verdade absoluta. Julgam-se infalíveis e intocáveis os seus juízos periciais.
É certo que o art. 163º, nº 1 do CPP determina que o juízo inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do juiz.
Mas quando há elementos periciais contraditórios, quando há outros elementos probatórios para além das perícias, é a livre convicção do juiz, devidamente fundamentada, que prevalece. Em qualquer caso, a prevalência do juízo pericial é "presuntiva".
Em resumo, quem decide os litígios judiciais são os juízes e não os peritos. Estes são meros auxiliares na administração da justiça, de que aqueles são titulares.
O seu a seu dono, cada um no seu galho.

 

Cavalgada das Valquírias

Peço desculpa aos meus leitores pelo erro com que contaminei o meu texto sobre a “Cidade de Gaza”. Já o corrigi, de modo que os leitores que o venham a ler já não toparão o lapso, mas ficam a saber dele por esta nota.
Dá-se o caso de eu ter aludido ao filme sobre a guerra do Vietname onde aparece como inquietante música de fundo a Cavalgada das Valquírias e, não mencionando o filme, que é, evidentemente, o Apocalipse Now, referi, todavia, o seu pretenso realizador, tendo-o designado por Oliver Stone. Ora, o realizador do filme é, obviamente, Francis Ford Coppola. Confundi um com o outro, pelo facto de Oliver Stone também ter realizado filmes violentíssimos sobre a guerra do Vietname, nomeadamente o avassalador Platoon. Só ontem à noite, estando, por sinal, no cinema a ver o filme A Troca, de Clint Estwood, é que me acudiu de repente à cabeça, como um lampejo mortificador, o lapso em que tinha incorrido. Aqui fica, pois, a explicação, a ver se alcanço a redenção dos leitores que, porventura, tendo captado a inoportuna gralha, me tenham já acoimado de ignorante.

17 janeiro 2009

 

Dois dias de reclusão para os futuros magistrados

A ideia anunciada pela directora do CEJ de integrar no plano de formação de magistrados a permanência durante dois dias numa prisão pode suscitar alguma perplexidade, e até dúvidas de constitucionalidade, mas suspeito bem de que esses dois dias valerão mais do que a formação teórica e até do que a frequência da cadeira de direito penal na universidade...

16 janeiro 2009

 

A Cidade de Gaza

A cidade de Gaza arde, após um bombardeio, e não se vê através das cortinas de fumo que empanam o sol, que nesse dia também arde, mas com a sua indiferença de astro-rei. Diz o repórter que os edifícios apenas se percebem vagamente pelos cimos que teimam em furar a nuvem negra. Soldados israelitas, no alto de um monte, festejam o incêndio que lavra sobre Gaza e cantam, diz ainda o repórter, escandalizado. Cantam como Nero, à vista do incêndio de Roma, que ele próprio mandou atear, acompanhando-se grotescamente com a sua cítara e regougando versos heróicos de Homero. Há até um desses soldados que improvisa um baloiço ao pé duma escola infantil e nele se balanceia com ascoroso e provocante sentido lúdico. É o repórter quem o diz ainda. E diz que uma palestiniana, insuflada daquela coragem que é também indiferença por tudo quanto possa sobrevir em consequência das atitudes que se tomam em actos extremos, increpa esses soldados e lhes pergunta se o sofrimento alheio é assim motivo para tanto gozo. Em Israel, perto da fronteira com a Faixa de Gaza, canta-se também, hasteiam-se bandeiras e atira-se fogo de artifício. É um momento de festa bacante. Poder-se-ia dizer que é uma espécie de loucura nazi.
Um edifício da ONU de ajuda aos palestinianos é atingido e há pessoas feridas e mortas. Ban-Ki-Moon exaspera-se. Também é atacado um edifício que alberga equipamento e gente da comunicação social. Ehud Barack, ministro da Defesa de Israel, pede desculpa, como se esta mania nova de pedir desculpa fosse uma espécie de algodão em rama embebido em álcool para apagar uma nódoa mesquinha. Também foi atingido um hospital.
A acção de Israel está a atingir os objectivos, dizem os estrategos israelitas, sinal de que, estando a obra de destruição quase completada, se pode, finalmente, chegar ao almejado acordo de cessar fogo.
Mais tarde, ao longo da noite, ouço transmitir a Cavalgada das Valquírias, de Wagner. Sim, o cenário é digno dessa cavalgada musical inebriante com que Francis Ford Coppola, numa das cenas de cinema mais terrivelmente emocionantes da história do cinema de guerra, fez acompanhar o selvático ataque americano no Vietname.

15 janeiro 2009

 

A separação de poderes revisitada

A separação e interdependência de poderes é um princípio estruturante do Estado de Direito democrático português (art. 2º da Constituição), mas anda muito mal tratado nesta legislatura.
A AR vem-se arrogando o papel de órgão tutelar e fiscalizador dos demais órgãos de soberania e intromete-se na actividade de órgãos tutelados por outros órgãos.
São as "chamadas" do PGR à AR para "prestar contas", sendo certo que o PGR é "tutelado", nos precisos termos constitucionais, pelo PR e pelo Governo.
Foi o inquérito sobre o "Envelope 9", que constituiu uma clara intromissão na actividade do MP, mas que recebeu o apoio da direita e da esquerda.
Agora foi o inquérito parlamentar ao BPN, coincidindo em tempo real com o inquérito conduzido pelo MP aos eventuais cimes cometidos pelo seu presidente, havendo necessariamente sobreposição na investigação, o que é confirmado pela frustrada tentativa da AR em ouvir o arguido, mesmo detido. Escusava bem a AR de dar esse passo em falso, e nem se percebe bem o que pretendia. Há, pelo menos, um excesso de zelo, um excesso de velocidade, que levou a este "estampanço" e esperemos que não leve a outros.
Os precedentes são sempre perigosos. Agora é um advogado que quer um inquérito à investigação do caso Casa Pia...
Esclareça-se: o MP não pode ser substituído pela AR na sua função de investigar crimes; o MP não pode ser avaliado no seu desempenho funcional em casos concretos pela AR.
A separação de poderes é ou não para ser levada a sério?

 

Guantánamo: ordem para fechar?

Afinal Obama pode anunciar o fecho de Guantánamo logo na sua "inauguração".
Seria uma jogada esplêndida: imediatamente seria saudado em todo o mundo como um herói libertador só comparável a Espártaco, a Lincoln, a Bolívar, etc.
Mas o anúncio pode não passar de uma mera promessa, a cumprir quando houver "condições". Que não se sabe quando estarão realizadas.
Na obscuridade ficará também certamente saber se a legislação que criou as "comissões militares" vai manter-se, embora fora de Guantánamo, ou se os detidos "perigosos" vão mesmo ser entregues aos tribunais comuns, se as regras de prova especiais serão revogadas ou não, etc., etc.
Quando é que Obama, o libertador, irá pronunciar-se sobre estas questões?

 

A democracia em Israel

Israel é habitualmente apresentado como um exemplo único (um "oásis") de democracia no Próximo Oriente. (Não sei se o Iraque sob ocupação americana também já é democracia...).
Mas é uma democracia bem esquisita. Israel não é um estado como os outros. É um estado hebraico, onde os judeus de todo o mundo podem ser recebidos como nacionais.
Pelo contrário, os árabes lá residentes, os que escaparam à expulsão em 1948, têm um estatuto diferente os judeus. São cidadãos de segunda, de alguma forma como os negros na África do Sul do apartheid. Estão representados no parlamento, mas duma forma completamente desproporcional à população global do estado. Sobre eles recai uma série de proibições, como a de participar nas forças armadas. Agora os dois partidos árabes foram impedidos de participar nas próximas eleições. Razão da decisão: negam o carácter judaico do estado, e apoiam a luta armada contra Israel.
Israel é de facto o estado dos judeus. E é tão democrático como a antiga Atenas, em que a democracia era só para os cidadãos, mas não para plebeus nem escravos.

13 janeiro 2009

 

Obama: as declarações e os silêncios

Obama vinha recusando pronunciar-se sobre a invasão da Faixa de Gaza com o argumento de que os EUA "só têm um presidente de cada vez". Mas anteontem falou de política internacional, da sua política futura sobre diversos temas, violando aquele seu "compromisso de silêncio". Onde o compromisso se manteve foi sobre a Faixa de Gaza...
Falou também de Guantánamo. Mas para dizer o quê de novo? Que é muito difícil fechar o campo... Para já, não é uma "prioridade" para os primeiros dias (quem lá está que espere!). Passados esses cem dias se verá...
E as confissões obtidas sob tortura têm algum valor? A "irregularidade" (belo eufemismo) na obtenção das provas parece que não obstará ao seu aproveitamento. Em que termos? O que fará dos prisioneiros "perigosos"? "As equipas jurídicas estão a falar com a segurança nacional para desenhar exactamente aquilo de que precisamos" (dixit).
Belas declarações num jurista. A segurança nacional é que vai dizer o que é o direito...

 

O cão de Obama

A notícia da eventual escolha por Obama de um cão d´água português para oferecer às filhas encheu de júbilo a comunidade canina portuguesa. Inclusivamente alguns animais humanos mostraram interesse e simpatia pelo caso. Só mesmo alguns (cães) vadios e rafeiros, certamente devido à sua condição inferior, manifestaram (rosnando) algum despeito e mesmo hostilidade ao (eventual) evento.
Caso a escolha se concretize, a comunidade canina portuguesa está mesmo na disposição de convidar a família Obama a visitar Portugal, acompanhada obviamente do (eventual) membro canino. Em declarações ladradas para a comunicação social o presidente da comunidade canina portuguesa, que é, por coincidência ou talvez não, um cão-d'água, anunciou esse propósito e salientou, ladrando com ênfase e convicção, a importância que essa visita teria para a promoção do cão português a nível internacional, o que constituiria um assunto de interesse nacional (canino e humano).
Os tais descontentes reagiram prontamente e, rosnando forte, lembraram os sofrimentos dos cães do Iraque, da Faixa de Gaza, etc., e prometeram boicotar a anunciada (eventual) visita, recorrendo a todos os meios caninos disponíveis (incluindo a dentada).
Aguardam-se os desenvolvimentos deste importante assunto.

12 janeiro 2009

 

A porta da casa que só tem porta

Após um bombardeamento israelita, uma palestiniana de Gaza é fotografada a entrar em casa pela porta, mas o que resta da casa é essa porta.
Talvez ela tenha pensado: "Então os terroristas somos nós?".
E se ela nos interrogasse assim, que diríamos?
Que é esta a superioridade da "civilização ocidental", ali representada por Israel?

 

Velhos e novos tempos

Com a devida vénia, aqui transcrevo a crónica de Manuel António Pina


Mostrar serviço

Nos idos da juventude apresentei--me a um concurso para "assistente de programas literários de 2.ª classe" da Emissora Nacional (EN). Acho que a expressão "2.ª classe" se referia a "assistente" e não a "programas literários", mas nunca o pude confirmar pois, tendo sido aprovado, não apareci na tomada de posse. Uma das provas do concurso consistia em resumir um discurso de Salazar.
Na altura, não era coisa surpreendente. Além disso, Salazar (supondo que era ele quem escrevia os seus discursos), sem ser um mestre da língua como Manuel de Andrade, exprimia-se em honesto português, sem os "hádem" de políticos e juristas de hoje. Surpreendente (mas que sei eu?) é, meio século depois, o IEFP (organismo público como era então a EN) impor um discurso de Sócrates como material de estudo para um concurso para técnico principal.
Sócrates é naturalmente alheio ao caso, como Salazar o foi decerto quando do meu concurso para a EN. No tempo do fascismo, o culto da personalidade fazia parte das regras do jogo. Hoje faz parte das regras de outro jogo: o dos "boys" do PS ansiosos por "mostrar serviço" ao líder.

(Manuel António Pina – Jornal de Notícias de 12/01/09)

11 janeiro 2009

 

O massacre de Gaza

O que se passa na Faixa de Gaza não é, evidentemente, uma guerra. É uma agressão. Mais do que uma agressão: é um massacre. Só uma das partes em conflito – evidentemente, Israel – é que tem os meios bélicos mais avançados e modernos para perpetrar ataques maciços e arrasadores, provocando a hecatombe de todo um povo, de forma totalmente indiscriminada e à margem de toda a decência bélica, se é que se pode falar assim. A isso não se pode chamar uma guerra. O Hamas, que teve no seu surgimento a mãozinha perversa de Israel, tal como os “mujahidines” do Afganistão a tiveram dos Estados Unidos da América, não tem as minhas simpatias, longe disso. Não o vejo como um movimento de ideais límpidos e como uma simples vítima. Vítima é o povo palestiniano, que é quem sofre na carne os efeitos trágicos de um manobrismo político que não hesita em, calculadamente, sacrificar milhares de vitimas inocentes. O Hamas também tem as mãos sujas de muito sangue que corre à sua conta – e não falo principalmente das poucas vítimas que ocasiona com os “rockets” que lança para o sul de Israel, mas das reacções brutais e mortíferas para o seu próprio povo que sabe que vai desencadear com esses “rockets”. Por seu turno, o Estado sionista acolhe com o dente afiado essas provocações, servindo-se delas como pretexto para incursões tresloucadas, arrasando povoações, matando milhares de pessoas indefesas, incluindo crianças, reduzindo os sobreviventes a um estado de penúria absoluta de todos os bens essenciais e dificultando mesmo a acção de ajuda humanitária. É ali o inferno, dizem jornalistas que reportam os acontecimentos, porque, na verdade, não há pior cenário de sofrimento e de loucura do que esse que se verifica num espaço já de si exíguo e concentracionário – um espaço onde Israel começou por encurralar aquelas populações.
De certo modo, os fundamentalistas do Hamas e os falcões de Israel conjugam-se para a catástrofe, sendo certo que o Estado sionista carrega com infinitas maiores culpas, quer pela brutal desproporção de forças e de reacção às provocações, quando não é ele próprio a tomar a iniciativa, quer pelo seu «pecado original» de ocupação dramática de um território já habitado pelos palestinianos e por todo o seu historial de humilhações e ocupações sucessivas, sempre com a superioridade conferida pelo instrumental bélico mais sofisticado, com que tem sido armado pelos seus indefectíveis amigos americanos e outras potências ocidentais.
A acrescer a tudo isto, o tempo urge, dado que Israel quer pôr tudo a limpo, isto é, quer «limpar o terreno» antes que Barack Obama ocupe a Casa Branca e algo possa modificar-se na política americana. Para isso não hesita na destruição e na barbárie. É monstruoso, na verdade.

05 janeiro 2009

 

De falcão a abutre

Já sabíamos que o director do "Público" é um falcão em relações internacionais. Pudesse ele, e o Hamás, Fidel Castro (e mesmo Raúl), Hugo Chávez, o Irão, Putin, etc. teriam sido varridos há muito da face da Terra (incompreensivelmente a Casa Branca não o tem ouvido!).
Mas ele hoje vai mais longe: inflama-se e exige a Israel a vitória total sobre o inimigo. Só assim, diz ele, se resolvem os conflitos: esmagando o inimigo. Foi por não se ter agido dessa maneira que existem problemas nos Balcãs e no Cáucaso, por exemplo (diz ele)!
Pelos vistos não bastam a este homem as já mais de 500 vítimas mortais da agressão israelita a Gaza. Ele está sequioso de sangue. Já não é um simples falcão que ameaça, é um abutre que pede cadáveres.

 

O direito de defesa tal como Israel o pratica

Israel, como qualquer estado, tem o direito de se defender. Muito bem.
Mas os palestinianos, que têm o seu território ocupado por Israel há 40 anos, também têm o direito de se defenderem contra o ocupante. E mais: "Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão." Quem o diz não é algum radical desvairado, mas sim a nossa Constituição (art. 7º, nº 3).
O povo palestiniano tem, pois, o direito à insurreição (o que significa luta armada) contra o ocupante israelita.
Dúvidas se podem pôr quanto à forma como o Hamás tem exercido esse direito. Não se podem apoiar obviamente acções dirigidas contra civis ou que os ponham deliberadamente em risco.
Mas há que compreender que o desespero é mau conselheiro e que é Israel, com a sua intransigência, a sua arrogância e toda a prepotência e impiedade da sua acção, que tem empurrado a resistência palestiniana para o radicalismo.
Creio, aliás, que os palestinianos só têm perdido, e a perder, com as acções bombistas contra civis, que só fornecem argumentos a Israel para os tratar como simples "terroristas". Em meu entender, foi muito mais eficaz a Intifada das pedras do que a das bombas.
Mas não se pode comparar a acção destrutiva dos mísseis do Hamás com a reacção israelita. O que se está a passar em Gaza é um massacre, uma chacina generalizada, um verdadeiro genocídio do povo palestiniano, cercado no seu exíguo território, servindo todo ele, homens, mulheres e crianças, civis ou combatentes, de tiro ao alvo
dos agressores israelitas, ou expostos à morte lenta por falta dos mais elementares meios de sobrevivência. (Os assassínios colectivos da famílias inteiras para atingir apenas o "chefe" é uma invenção israelita que faz lembrar as façanhas dos seus outrora carrascos nazis, como a execução de reféns inocentes como punição de actos de resistência cometidos por outros.)
Ainda que Israel tivesse o direito de se defender, a forma desproporcionada como está a agir revela, não a intenção de se defender (aliás, a operação estava a ser preparada há meses, muitos antes da ruptura do cessar-fogo pelo Hamás), mas sim de acabar de vez com a resistência do Hamás, para "negociar" com a Fatah (entretanto, após a morte de Arafat, "domesticada"). Projecto alucinado, porque o Hamás tem uma inserção popular indiscutível, que a agressão só irá reforçar, e não pode por isso ser ignorado em futuras negociações de paz.
Nesta hora terrível para o povo de Gaza, sem electricidade, sem água, com o pão a acabar, nós, europeus, temos o dever de exigir dos nossos governos que assumam as responsabilidades que lhes cabem em defesa dos altos valores da civilização europeia, consagrados nas nossas constituições e nas declarações universais de direitos, para as quais contribuímos decisivamente. O silêncio, as declarações dúbias, as meias condenações só podem enfraquecer ainda mais o papel da Europa no mundo.
Uma certeza, em todo o caso: os povos não se abatem facilmente. O povo palestiniano continuará a luta até ao final da ocupação. Quanto mais não seja com uma nova Intifada, porventura o meio mais adequado de resistir: uma Intifada de sapatos!

04 janeiro 2009

 
Acho a maior graça... "Tomate previne isso, cebola previne aquilo, chocolate faz bem, chocolate faz mal, um cálice diário de vinho não tem problema, qualquer gole de álcool é nocivo, tome água em abundância, mas não exagere..."
Diante desta profusão de descobertas, acho mais seguro não mudar de hábitos.
Sei direitinho o que faz bem e o que faz mal pra minha saúde.


Prazer faz muito bem. Dormir me deixa 0 km. Ler um bom livro faz-me sentir novo em folha.
Viajar me deixa tenso antes de embarcar, mas depois rejuvenesço uns cinco anos.
Viagens aéreas não me incham as pernas; incham-me o cérebro, volto cheio de idéias.
Brigar me provoca arritmia cardíaca.
Ver pessoas tendo acessos de estupidez me embrulha o estômago.
Testemunhar gente jogando lata de cerveja pela janela do carro me faz perder toda a fé no ser humano.
E telejornais... os médicos deveriam proibir - como doem!
Caminhar faz bem, dançar faz bem, ficar em silêncio quando uma discussão está pegando fogo, faz muito bem; você exercita o autocontrole e ainda acorda no outro dia sem se sentir arrependido de nada.
Acordar de manhã arrependido do que disse ou do que fez ontem à noite é prejudicial à saúde.
E passar o resto do dia sem coragem para pedir desculpas, pior ainda.
Ir ao cinema, conseguir um lugar central nas fileiras do fundo, não ter ninguém atrapalhando sua visão, nenhum celular tocando e o filme ser espetacular, uau!
Cinema é melhor pra saúde do que pipoca.
Conversa é melhor do que piada.
Exercício é melhor do que cirurgia.
Humor é melhor do que rancor.
Amigos são melhores do que gente influente.
Economia é melhor do que dívida.
Pergunta é melhor do que dúvida.
Sonhar é melhor do que nada.

Luís Fernando Veríssimo


01 janeiro 2009

 

Carta ao Senhor Blogue

Senhor Blogue:

Que tenho para lhe dizer neste início do ano? Pensando bem, nada de novo. O ano é ainda uma criança, não é? Nem um dia completo tem. Nasceu há umas escassas horas, no meio do tradicional arruído, com foguetório, rolhas de espumante a saltar das garrafas com estrépito, vozearia nas ruas, pessoas a bailar de contentes para festejarem o escorraçamento do ano velho, que se finou com os seus 365 dias, cansado de tanta peripécia, de tantos acidentes, de tantas lutas, de tantos morticínios gratuitos, de tantas vítimas inocentes, de tantas guerras, de tanta trapaça, de tanta miséria espalhada por quem se quis governar à tripa forra. Parece impossível como tudo isso coube nesses 365 dias. O ano de 2008 morreu farto de tanto desvario, de tanta irracionalidade, de tanta estupidez.
Também atravessei a fronteira para o dito novo ano erguendo um brinde ao seu aparecimento. Deitei-me a dormir já tarde, embalado nas cantilenas que entoavam belos hinos aos meus ouvidos. Porém, quando acordei e liguei o rádio, a única novidade que pude escutar foi a da velhice do ano nascente. Um ano novo com velhas barbas fedorentas, a tresandar à imundície já vista e conhecida. Pensava eu que ia aterrar noutro planeta, mas, afinal, a fronteira que atravessei foi uma falsa fronteira, visto que fiquei exactamente no mesmo lado. Só a página do calendário é que mudou. O resto continua na mesma. Pensando bem, não sei para quê tanto estardalhaço no mudar de ano. Mais vale a pequena alegria de mudar de camisa – uma “Boss” ou uma “Armani”, compradas nos antecipados saldos que já começaram, ainda o ano velho não tinha chegado ao fim, a aparecer nas lojas.
Não compartilha comigo desta pequena felicidade íntima, senhor Blogue?

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)