30 novembro 2010

 

Advocacia, ordem, interesses privados, corporativismo e interesses públicos

Este artigo da advogada Rita Matias escrito no exercício de um corajoso acto de cidadania revela, além de um caso exemplar, problemas no exercício de um dever do Estado que é fundamental para a administração da justiça: o controlo da violação dos deveres éticos e deontológicos dos advogados, e a praxis de órgãos da OA, que, curiosamente, no meio de tanto ruído permanece silenciosa.
A questão fundamental que hoje se impõe ao Estado é se uma associação que parece assumir, essencialmente, uma vocação representativa dos interesses dos profissionais que a integram continua a constituir entidade idónea para exercer os poderes públicos nessa área. E, neste ponto, a significativa vitória e reeleição do bastonário Marinho Pinto não deve ser desligada de um ponto de distinção nuclear relativamente às candidaturas vencidas, de irredutível afirmação de barreiras à admissão na profissão a novos licenciados, nem que seja através de taxas de reprovação de 90% num exame que não tem directa cobertura legal nem qualquer escrutínio externo.
Conhecendo as actuais roturas culturais e diversidades sócio-económicas da advocacia não surpreende, no plano empírico, que a preocupação de uma percentagem muito significativa se centre (1) no fechar da porta da profissão, limitando-a aos que já lá estão (sem quaisquer exames iniciais, avaliações de desempenho ou verificação superveniente de conhecimentos), (2) na defesa e, se possível, ampliação, dos actos reputados pela lei como exclusivos dos advogados (e consequentemente geradores da obrigatoriedade inscrição na Ordem para o respectivo exercício) incluindo muitos distantes do patrocínio forense em sentido estrito e (3) na oposição absoluta a alternativas que envolvam controlo público e externo do exercício de actividades cujos pagamentos são suportados pelo Estado (em particular a defesa oficiosa, apodando-se por exemplo sistemas de defesa pública de vícios de Estados anti-liberais... como os EUA).
Percebe-se o que os move, não se percebe é o desinteresse generalizado relativamente ao que a cedência aos interesses corporativos de parcela (ainda que maioritária) de uma classe profissional implica num dos alicerces fundamentais da administração da justiça: a advocacia.

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23 novembro 2010

 

A Nata dos Países entre nós


Onde se fala da Cimeira e de como subimos aos píncaros do prestígio e da fama mundiais

Refiro-me à Cimeira que teve lugar no nosso país. Ela foi uma oportunidade única de nós nos projectarmos para cima, agora que andamos tão em baixo por causa da crise. Tivemos connosco a nata dos países que lideram o grande projecto da defesa comum transatlântica e que visam encarar de uma nova forma os novos desafios que ameaçam a segurança global, em que o perigo espreita por todos os lados e a ameaça pode surgir do mais obscuro recanto da Terra (ia a dizer, da mais recôndita choça situada nas mais inóspitas montanhas dos confins do nosso planeta). Mas isso é um outro problema, envolvendo uma complexa estratégia e novas formas de encarar a nossa missão civilizadora (os deste lado do Ocidente e de todos aqueles que se queiram agregar ao nosso projecto, cumpridos, evidentemente, determinados requisitos democráticos).
O que eu quero salientar aqui é a nossa honrosa função nesta Cimeira. Como disse, tivemos o privilégio ímpar de sermos os anfitriões dos altíssimos representantes dos países que constituem a nata da mais avançada aliança do mundo. Foi emocionante termos connosco o presidente mais poderoso do nosso planeta, vermo-lo sair do seu robustíssimo carro à prova de todas as balas, vindo especialmente do seu país de origem, e juntar-se ao nosso presidente e ambos apertarem-se as mãos no mais sacudido, demorado e fenomenal shake hands de que há memória.
Tivemos também connosco outras altíssimas personalidades (a Sra. Ângela Merkel em pessoa, alta, loira, avantajada de seu porte e não menos de sua influência, o Sr. Sarkozi, que dizem ser o enfant terrible do país dos Gallos, a cosmopolita Sra. Hillary Clinton, cujo penteado suscitou, parece, alguma especulação entre experts nessa matéria, e também as esposas ou os maridos dessas e de outras personalidades, com destaque para Miss Carla Bruni, os quais tiveram uma recepção à parte e um programa de entretenimento cuidadosamente preparado).
Destaquem-se também, fora da aliança da tal nata de países, mas pretendendo-se atraí-lo a ela, o Sr. Dmitri Medevedov, do grande país dos czares, e o pitoresco Sr. Hamid Karzai, que veio de Cabul com o seu barrete e a sua barbicha grisalha. Gente da mais variada proveniência e da mais variegada cultura, numa bela simbologia de unidade, cujo lema se pretende inscrever no futuro.
Foi bonito, grandioso e soberbo. Para o nosso ego foi uma coisa boa, muito boa, porque provámos que, apesar de pequenos, somos grandes; apesar de pobres e nas “lonas” (perdoe-se-me este termo tão prosaico, mas sugestivo), somos mãos largas e cosmopolitas a receber. Sabemos merecer o nosso passado épico. Só foi pena que os blindados não tivessem chegado a tempo para uma exibição de que tanto se esperava. E que as terríveis manifestações para que os nossos polícias se tinham aturadamente preparado não tivessem verdadeiramente chegado a existir. Mas até nisso somos um povo providencial, porque os tardeiros blindados iriam fazer sua falta.
Laus Deo.

Jonathan Swift (1665 – 1745)


22 novembro 2010

 

Levar a Constituição a sério

A ideia de Obama de fazer julgar os prisioneiros de Guantánamo (não todos, mas a grande maioria) pelos tribunais comuns sofreu o primeiro revés.
Como aqui já referi a 8 de Outubro passado, a ideia era de "experimentar" os tribunais comuns: se eles se mostrassem "sensíveis" aos problemas da "segurança dos EUA", a ideia seria esplêndida, por dar ao mundo uma lição de respeito pelo direito, caso contrário péssima, pois não pode haver complacência com os acusados de terrorismo, estes têm de ser condenados, ponto final.
Ora logo o primeiro julgamento foi um fiasco para a estratégia obamaniana. É certo que o arguido vai ser condenado; mas não pelas imputações mais graves (homicídio, etc.).
E isto tudo porquê? Porque logo havia de aparecer um juiz a complicar as coisas, rejeitando a audição de uma testemunha, a testemunha decisiva, cuja identidade fora obtida sob "coacção". Este desmancha-prazeres, chamado Lewis Kaplan, teve até a lata de dizer: "A Constituição é a rocha na qual a nossa nação se apoia. Não a devemos seguir apenas quando nos for conveniente, mas também quando o medo e o perigo acenam noutra direcção".
A minha modesta homenagem a este juiz, que foi fiel ao direito quando era mais fácil, popular e compensador agir em sentido oposto.

 

Interpretação da lei, actos normativos e autoridade

Depois deste luminoso comunicado do Verão, o mesmo tema volta a permitir uma nova e mais inequívoca revelação, agora pré natalícia, sobre o artigo 112.º da Constituição ou a interpretação que recebe no Terreiro do Paço. Não percebi bem se o preceito constitucional terá sido revogado, clarificado ou completado, em particular o n.º 5, «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos», mas o facto é que ministeriais comunicados pretendem eficácia externa transmitindo «uma interpretação actualista, é certo», que sublinha-se, para quem ainda tivesse dúvidas apesar do tom prescritivo do comunicado, é a única admissível, pois o preceito sobre o qual incide «só pode ser interpretado» nos termos determinados no comunicado, apesar de ter como objecto processos que, segundo o seu comando, serão tramitados, até ao seu arquivamento, exclusivamente nos tribunais.
Se o leitor pensa que os ditos tribunais têm algo a ver com a emanação desses novos actos normativos está enganado, já que a autoridade para os comunicados interpretativos da lei pertence, à luz do luminoso comunicado, ao Ministério da Justiça, em coordenação com a Ordem dos Notários, com a Ordem dos Advogados e com a Câmara dos Solicitadores.

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21 novembro 2010

 

Crise financeira, bancos, ética and so on…

«O que podemos fazer contra isto?», pergunta o narrador no final do magnífico «Inside Job» (traduzido por «A verdade da crise»).
Ver o documentário. Discuti-lo publicamente. Nos jornais, nas televisões, pelos comentadores de serviço, nas Universidades.
Outros, mais radicais, incitam à retirada no dinheiro dos bancos…
O que se demonstra é que cada vez sabemos melhor de que é que falamos quando falamos de ética e responsabilidade bancária.

 

A Cimeira da NATO

Os senhores da guerra já se foram embora. A NATO fez definitivamente as pazes com a Rússia. E, em vez de tirar daí as devidas consequências – a sua autodissolução – aprovou um novo conceito estratégico, arrogando-se o direito de intervir em qualquer parte do mundo, contra “novos inimigos”.
Mas um dos grandes inimigos da paz é certamente esta aliança agressiva que não reconhece limitações políticas nem jurídicas aos seus “interesses”, que espalha a destruição e a morte nos países que invade (o povo asfegão é a mais recente vítima), que mais não é do que o cão de fila do capitalismo mais agressivo, o da fase da globalização.
Mas o mundo está cada vez mais complexo e multipolar. Embora a superioridade da NATO, em termos estritamente militares, seja total, nem tudo pode ser decidido pelas armas. A emergência efectiva de novas grandes potências vai dificultar estratégias puramente militares na resolução dos conflitos. Os senhores da guerra vão ter menos espaço de manobra.
Mas estes dias foram de gozo ilimitado para os nossos “atlantistas”. Encheram, em exclusivo, os canais de televisão, em comentários, em debates, dentro daquele critério de democrático unanimismo que caracteriza a nossa televisão (todos os canais) quando são tratados certos temas, como aconteceu com a guerra no Iraque, com o Afeganistão, enfim quando estão envolvidos os “States”.
Entretanto, encerrada a cimeira, como estamos nós, portugueses? Ainda existe crise? Então as “agências de rating”, uma das mais nobres instituições do capitalismo vigente, não nos vão tratar melhor? O Obama e a Merkel não lhes podem dar uma palavrinha? Não merecemos? Não nos portámos bem?
E já agora: alguém sabe alguma coisa sobre o paradeiro dos “blindados” da PSP?

19 novembro 2010

 

NATO: para que serve?

A NATO era um dos actores da Guerra Fria. Ganhou a dita guerra sem disparar um tiro contra o opositor. Tinha obtido o seu objectivo e por isso devia celebrar condignamente a vitória e arrumar as botas.
Mas não, continuou. E começou então a disparar, contra a Sérvia, nomeadamente. Conseguiu uma vitória militar e política, destruindo a ex-Jugoslávia, que não lhe era grata. E criou dois estados inverosímeis, que agora só dão despesa e preocupações: a Bósnia e o Kosovo.
Mas as ambições da NATO eram mais vastas: ser um actor global. Aos EUA convém-lhes. Eles comandam militarmente, e politicamente às vezes há problemas, mas as coisas vão-se resolvendo. Seguiu-se o Afeganistão. O osso revelou-se duro de roer. A NATO só gosta de andar no ar, despejar bombas mais ou menos cirúrgicas, com poucos danos colaterais, se possível, se não for, paciência. Cá em baixo, a nível do solo, a coisa fia mais fino. O melhor é mesmo delegar a guerra terrestre nos indígenas.
Mas o mais importante é a "segurança global". Disso sim, a NATO gosta. É preciso assegurar as matérias primas e os mercados, é preciso manter a ordem económico-financeira globalizada. Infelizmente, nunca os países desenvolvidos conseguiram prescindir da exibição e uso da força militar. Os "inimigos" deveriam reconhecer a superioridade moral, científica e económica do "Ocidente". Deveriam pura e simplesmnente submeter-se e até agradecer a lição. Mas, ingratamente, muitos deles continuam a resistir. E aparecem até alguns, outrora respeitadores, a quererem imitá-los, como o Brasil e outros países meio índios.
Por isso, a NATO mantém-se necessariamente como braço armado da economia e da finança global, obviamente com legitimidade para intervir em qualquer parte do mundo. Não para ocupar territórios (que despesa que isso dá!), não para ensinar a democracia (os ingratos não a querem) mas apenas para manutenção da ordem.
Sem a NATO que seria de todos nós? Podemos nós internamente viver sem polícia? Poderia o mundo viver sem polícia?

 

As guerras e as gravatas, segundo Gonçalo M. Tavares

Os homens juntam-se como se fossem
muito abundantes, e juntos avançam
para aprovar uma lei no parlamento
ou uma guerra entre os aviões do
ar e os animais frágeis de um país sem força aérea.
Até as guerras foram conquistadas pela boa
educação: são aprovadas em reuniões onde a
falta de gravata é um facto que ninguém esquece.

Gonçalo M. Tavares, "Uma Viagem às Índias", Canto IV, 23

 

O discurso da poupança...ou a poupança no discurso!

«O ministro das Obras Públicas, António Mendonça, e o secretário de Estado, Paulo Campos, repetiram ontem o mesmo discurso a abrir e a fechar o 20º Congresso das Comunicações, noticiou o Expresso online.

Comparando as intervenções, chega-se à conclusão de que António Mendonça repetiu o conteúdo de quase todo o discurso proferido pelo secretário de Estado Paulo Campos. O secretário de Estado tinha discursado no 20º Congresso das Comunicações na parte da manhã.

Questionado por aquele jornal, o Ministério argumentou haver "partes comuns do discurso em relação aos resultados obtidos, à caracterização da agenda digital e aos objectivos para o futuro. São esses os números reais e é essa a mensagem do Governo."

 

PARA SEMPRE


O ministro das Finanças, questionado sobre o assunto, veio agora afirmar que os cortes salariais da função pública são para sempre. Assim mesmo: PARA SEMPRE! “Os cortes”, disse ele, “definem um novo nível salarial e iremos evoluir a partir daí.” Todos os dias deparamos com afirmações novas e surpreendentes de quem tem a responsabilidade governativa. Novas e frequentemente contraditórias. O que se diz hoje é amanhã desmentido com a maior sem cerimónia. Amanhã? Se calhar logo no minuto seguinte, como já tem acontecido. Os próprios governantes transmitem uma imagem de insegurança, de barco à deriva, sem rumo definido. Não há só uma crise económica, social e política. Há também uma enorme crise de valores, cuja marca dominante é a sua extrema volatilidade. Há uma enorme crise de confiança. Actualmente, não se pode confiar em nada, nem em ninguém. É isso que toda a gente sente e é por isso que toda a gente procura precaver-se agora das incertezas do dia seguinte.
Todos os valores que se foram laboriosamente forjando ao longo destes anos à sombra da Constituição da República estão a ser rapidamente destruídos. O princípio da confiança no Estado de direito democrático; o princípio da proibição do retrocesso; o princípio da não retroactividade da lei fiscal; o princípio da igualdade; o principio da proporcionalidade; os famosos direitos adquiridos. Todos esses valores, que se tinham por firmes, estão a ser espezinhados, como se pertencessem já a um passado morto. É o dobre a finados da Constituição.
Nesta vaga destruidora, é a própria jurisprudência do Tribunal Constitucional que vai por água abaixo. Se quiser adaptar-se a esta onda avassaladora, o Tribunal Constitucional terá de criar uma nova jurisprudência, em muitos casos ao contrário da que foi elaborando ao longo destas últimas décadas. É também o princípio da confiança nos tribunais que assim se esboroa. Tudo volta atrás, a uma espécie de grau zero. É o mito de Sísifo despido da sua veste mitológica para encarnar na realidade portuguesa. O nosso destino é escalar a montanha, para depois retroceder em velocidade acelerada, sem respeito por tudo aquilo que se foi adquirindo, escarnecendo das expectativas legítimas que se foram criando. Descer de nível até ao grau zero e “evoluir a partir daí”. Para sempre, diz o nosso ministro das Finanças. Mas o que é para sempre? O que significa “para sempre” num homem cuja função apela ao rigor? Se fosse para sempre, então não havia mais evolução e o que o ministro afirma é contraditório nos seus próprios termos. Ou seja, a confusão parece ser tão grande, que já não é só o contradizer-se de uma dia para o outro, ou o contradizer-se no minuto seguinte, mas o contradizer-se no próprio momento em que se fala. Afirma-se e nega-se uma coisa na mesma proposição.
Para sempre! Como é que um ministro diz “isto é para sempre”? Tenciona ficar no governo por tempo indefinido? O que ele determina prevalece para além dele mesmo, pelos tempos fora? E onde está a democracia? Também é um valor que já não vale nada? E o que dirá o ainda existente Tribunal Constitucional de uma medida restritiva de direitos fundamentais que passa a valer “para sempre”?

18 novembro 2010

 

O folhetim dos blindados da PSP

Em Setembro encomendaram-se cinco carros blindados para os combates de rua a travar com desordeiros e terroristas durante a Cimeira da NATO.
Mas os carros começaram a atrasar-se, sem se saber por quê. Certo é que dos cinco só dois poderiam chegar a tempo. Mas parece que nem esses chegarão. E se chegarem será sem blindagem, que terão perdido pelo caminho. A PSP vai ter que combater com os meios "clássicos", em posição de clara desigualdade com os desordeiros e terroristas.
De qualquer forma, os carros, quando chegarem serão úteis. Já não para combater os manifestantes anti-NATO, mas para intervenção nos "bairros problemáticos".
Não será mal pensado, pois é seguro que vai haver mais problemas nesses bairros...
E o Estado, já que não tem dinheiro para distribuir rendimentos mínimos, poderá distribuir abundantemente bordoada (e a baixo custo).

 

O direito à greve - Há cem anos (e 18 dias) na I.ª República

Portaria de 31 de Outubro :

Attendendo a que a Republica, em harmonia com as ideias, expressas no seu programa e largamente affirmadas, acceita, como principio, o direito à greve, assumpto este que, todavia, carece de ser profundamente ponderado;
Attendendo a que os mais altos sentimentos de justiça e solidariedade social animamo Governo Provisorio da Republica Portugueza, sendo sua opinião assente que os assumptos rvconomico-sociaes devem merecer o mais aturado estudo;
Hei por bem determinar que, até as Côrtes Constituintes darem a sua resolução sobre tão importante objecto, seja constituida pelos cidadãos Pedro Muralha, typographo; Alfredo Ladeira, constructor civil; Sebastiao Eugenio, corticeiro; José de Almeida, caixeiro, Emilio Costa, publicista; Alfredo de Brito, industrial; José Pinheiro de Bello, commerciante; Francisco de Almeida Grandella, commerciante e industrial; e Estevam de Vasconcellos, medico, uma commissao encarregada de receber todas e quaesquer reclamações que as pendencias e dissenções entre patrões e assalariados possam suggerir, procurando essa mesma commissãp harmonizar todos os interesses legitimos, e propondo ao Governo quaesquér providencias ou medidas que, com tal intuito, convenha pôrem-se em execução.
Dado nos Paços do Governo da Republica em 11 de outubro de 1910. - O ministro do interior Antonio José Almeida.


A portaria tinha como título: Acceita, como principio, o direito à greve, e nomeia uma commissão para estudar e propôr ao governo quaesquer providências que convenha pôrem-se em execução.

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16 novembro 2010

 

5º aniversário do Sine Die

Passou há poucos dias o 5º aniversário do nosso blogue.
Como todas ou quase todas as iniciativas deste tipo, a realização ficou aquém do projecto, que era talvez muito ambicioso. Mas ao fim de cinco anos o Sine Die agarrou um público fiel, pequeno, é certo, mas fiel e seleccionado, o que muito nos honra.
Nunca aliás o Sine Die procurou grandes audiências, nem pretende envolver-se nessas lógicas mediáticas. Escrevemos, parafraseando Stendhal, “to the happy few”. A esses agradecemos e procuraremos manter connosco.
Sabemos que há porém alguns que vêm aqui espreitar à procura apenas de motivos para notícias escandalosas. Houve sempre gente que gostou de espreitar pelo buraco da fechadura. Isso é lá com eles. Esse voyeurismo não nos preocupa, não limitará a nossa liberdade de expressão. Sabemos bem a reserva que devemos guardar quanto a certas matérias. Temo-lo feito sempre. Não precisamos que no-lo lembrem.

 

Desmotivação

Fiquei pasmado, como toda a gente, creio, com um despacho de um juiz que decidiu reduzir o seu “horário de trabalho” diário em duas horas devido à redução da remuneração no próximo ano. É que os juízes, como todos os magistrados como outras categorias profissionais, não têm horário de trabalho, o que significa que têm que assegurar o serviço a seu cargo, ainda que com algum sacrifício, enfim o sacrifício exigível. A invocação de “horário de trabalho” pelo dito magistrado mostra à saciedade que ele errou a profissão, que não passa de um burocrata mascarado de magistrado.
Mas, para além desse caso patológico, ouço falar de uma certa “desmotivação” por parte de muitos magistrados, desmotivação para manter o normal e habitual ritmo de trabalho. E isso espanta-me. É que os magistrados não trabalham para o Governo, nem sequer para o Estado. Eles trabalham directamente para os cidadãos, para o Povo. É precisamente isso que, no fundo, os distingue dos funcionários públicos.
É certo que é o Estado que lhes paga. E por isso é com o Estado (com o Governo, com a AR) que devem negociar o seu estatuto remuneratório e é “contra” ele que devem desenvolver as formas de luta admissíveis. Mas formas de luta assumidas frontalmente, não encapotadamente.
Reduzir o volume de trabalho, em retaliação contra o Estado, é afinal lesar os cidadãos, já penalizados pelos mesmos motivos.
Resumindo: motivação sempre a máxima, quer para trabalhar, quer para lutar pelos direitos estatutários e profissionais.

 

redução de salários e independência

Segundo notícias hoje publicadas,o BCE diz que «para que fique assegurada a independência do Banco de Portugal, uma exigência dos tratados europeus, seria necessário que a decisão de reduzir os salários dos seus funcionários fosse feita em estrita cooperação entre a administração do banco e o Governo, algo que ainda não aconteceu. Essa ausência de cooperação, a manter-se, "significaria um sério incumprimento do princípio de independência dos bancos centrais".
Para além disso, o BCE alerta ainda que a redução salarial prevista para o banco central pelo Governo, associada a um congelamento de progressões, pode ter efeitos muito negativos na gestão de recursos humanos da instituição. "Dificulta directamente a capacidade do Banco de Portugal para empregar e mesmo reter pessoal qualificado, ao mesmo tempo que priva os órgãos do banco dos seus poderes de organização interna e de controlo sobre o pessoal, ou pelo menos limita-os significativamente", afirmam os responsáveis do BCE».
Então e os Tribunais não têm que ser independentes e não deve também ser assegurada a independência aos juizes?
Provavelmente serão menos relevantes, numa concepção economicista da sociedade....e, além disso, os juízes dos Tribunais Superiores, por exemplo, podem sempre ser substituidos por alguém do aparelho....

12 novembro 2010

 

Os mercados internacionais


Será mesmo uma fatalidade a dependência da dívida pública dos mercados internacionais? Há quem entenda que não. Frédéric Lordon, num artigo no Le Monde Diplomatique de Maio deste ano (“E se começássemos a desglobalização financeira?") ensaia uma tentativa de o demonstrar. Exemplifica com o caso japonês. Pergunta ele: «Como poderá entender-se que o detentor da maior dívida pública do mundo, ainda por cima atormentado por uma aparentemente mais degradada solvabilidade (se tomarmos o seu rácio do PIB como a sua medida sumária) esteja a ser tão ignorado pelos investidores internacionais? A resposta simplicíssima é esta: porque os investidores internacionais não são os subscritores da dívida pública japonesa. Esta é detida, a mais de 95% pelas poupanças nacionais. O Japão, exactamente ao contrário dos Estados Unidos, exibe uma avultada taxa de poupança das famílias que é largamente suficiente para cobrir as necessidades de financiamento do Estado e, além disso, das empresas. Mais ainda, os mercados não são solicitados pela dívida pública japonesa – que passa muito bem sem eles -, nem têm a possibilidade, consequentemente, de submeter a política económica do Japão às suas regras absurdas. Para que os mercados possam ingerir nesta matéria, é preciso que tenham o instrumento para o fazer, a saber, os títulos da dívida. Sem detenção não há ingerência.»
Depois de considerar os mecanismos de uma orientação prioritária da poupança nacional para títulos da dívida pública, escreve a dado passo:
«(…) a desglobalização do financiamento dos défices teria sobretudo um imenso mérito, cujo sentido se tornou totalmente estranho ao entendimento dos economistas (ortodoxos): um mérito político e democrático. Renacionalizar a questão do financiamento equivale a libertá-la de um terço dos investidores internacionais e a reintegrá-la inteiramente no contrato social nacional, restituindo ao corpo político a capacidade de arbitrar os conflitos que a questão necessariamente suscita. Como bem mostraram Bruno Tinel e Frank Van de Velde, o conflito geracional oportunamente avançado, em tom lamuriento, da «dívida que vamos legar aos nossos filhos» serve sobretudo para mascarar o conflito fundamental, e perfeitamente contemporâneo, que existe entre os menos ricos que com os seus impostos pagam o serviço da dívida e os mais ricos que detêm os títulos da mesma.»

10 novembro 2010

 

O processo Casa Pia - Parte II

O processo “Casa Pia” entrou agora numa nova fase: a dos recursos para o Tribunal da Relação e uma nova frente nos meios de comunicação social. Esta última tende a sobrepor-se e a ofuscar a primeira, ou não fosse este um processo que, desde sempre, jogou forte no campo mediático. O seu objectivo é criar um clima propício à adopção de certas teses, principalmente as que são favoráveis a quem sempre apostou na comunicação social como meio privilegiado de fazer prevalecer os seus pontos de vista ou, simplesmente, enfraquecer a decisão na opinião pública pela divulgação de erros, falhas e contradições, redundando em nulidades. Primeiro, foi um deslize; depois, parece que mais outro e a seguir outros virão. Claro que tudo isto aparece logo nas primeiras páginas dos jornais, nos noticiários da rádio e nos telejornais das televisões. Nesse aspecto, a comunicação social faz bem o seu serviço, dando o devido destaque ao que se lhe afigura ser uma notícia de primeiro plano, ao mesmo nível dos juros da dívida soberana. Ao fim e ao cabo, é tudo uma questão de soberania.
Não é nada estranho que no processo, com os meios processuais próprios, respeitando a independência dos tribunais, os interessados se insurjam contra decisões que achem injustas ou que julguem enfermar de certos vícios, que as podem comprometer em maior ou menor medida. O que é estranho é que tenham necessidade de vir para a comunicação social defender os seus pontos de vista e até dar sugestões de como os tribunais superiores podem tornear as deficiências que eles apontam a essas decisões.

08 novembro 2010

 

Toxicodependência: cortar num lado para gastar noutro?

Cortar no orçamento do IDT não me parece boa ideia. A estratégia de "proximidade" relativamente aos toxicodependentes tem tido resultados muito positivos e até foi elogiada "lá fora". Interrompê-la ou enfraquecê-la, em tempos que se anunciam difíceis para toda a gente e sobretudo para os mais fragilizados socialmente, como em geral são os dependentes de drogas, é obviamente negativo. É abandonar um pouco essas pessoas, é empurrá-las um pouco pela escada abaixo.
Os cortes no Orçamento do Estado têm de ser racionais, não podem ser feitos por contabilistas interessados apenas em obter um determinado resultado meramente contabilístico.
Cortar no orçamento do IDT pode vir a ser desequilibrar, por exemplo, o orçamento do Serviço Nacional de Saúde, ou o das polícias e dos tribunais...
Percebem isto ou não os (contabilistas) que fazem o Orçamento?

06 novembro 2010

 

O Outro descafeinado

Ainda de Slavov Zizek, do mesmo artigo –“Barbárie com rosto humano”, traduzo:
No mercado actual encontramos uma ampla gama de produtos privados da sua componente nociva: café sem cafeína, manteiga sem gordura, cerveja sem álcool. Que dizer do sexo virtual; da doutrina da guerra sem vítimas (no nosso campo, claro) de Colin Powel, que é uma guerra sem guerra; da redefinição actual da política como arte de administração técnica, que é uma política sem política? Tudo isso nos conduz ao tolerante multiculturalismo liberal, que é uma experiência do Outro privado da sua outridade: um Outro descafeinado (…)
Indo um pouco mais atrás para captar o fio da meada:
O Outro comporta-se bem sempre que a sua presença não seja molesta, sempre que não seja realmente um Outro. Na realidade, o meu dever de tolerância para com o outro significa que não devo acercar-me demasiado dele, meter-me no seu espaço. Na sociedade capitalista tardia o direito humano que se vai tornando cada vez mais essencial é o direito a não ser acossado: a manter-se a uma distância prudente dos demais.

05 novembro 2010

 

A crise como forma de vida

Slavov Zizek é um dos pensadores actuais, situado no campo da esquerda, mais lidos e respeitados. Tem uma cultura verdadeiramente espantosa e uma forma de abordar os assuntos profundamente original, encadeando-os numa multiplicidade de perspectivas, por vezes quase labiríntica, que vai da filosofia à política, da economia à sociologia, dos autores clássicos aos mais modernos, da literatura ao cinema, da situação mais comezinha à mais elaborada abstracção, da posição materialista mais radical à especulação quase metafísica, mas apresentando um sistema coerente que alicerça todo o edifício e confere unidade à sua forma de exposição, na aparência tão divagante.
No passado dia 23 de Outubro, um artigo seu de opinião, intitulado “Barbárie com rosto humano” apareceu traduzido no El País.
Pela flagrante actualidade, dele extracto esta passagem:
Após décadas de Estado de bem-estar – ou da sua promessa – quando os cortes financeiros se limitavam a breves períodos e se aplicavam na perspectiva de que as coisas voltariam rapidamente à normalidade, entramos agora numa nova época em que a crise, ou melhor dito, estado de emergência económica que recorre a toda a sorte de medidas de austeridade, é permanente e se converte numa constante, em pura e simples forma de vida. Depois da desintegração dos regimes comunistas em 1990, entramos numa nova era em que a forma predominante de exercício estatal se converteu numa despolitizada administração técnica que se dedica a coordenar os interesses.

 

Condenados com novas oportunidades

Os condenados deste nosso país têm agora um novo grau de recurso. É mesmo um hiper-recurso, porque apreciado por milhões de pessoas.
É certo que os condenados já tinham à sua mão os recursos ordinários.
E, depois de transitada a condenação, podiam interpor recurso de revisão para o STJ.
Mas tal não era suficiente para assegurar uma boa justiça.
Por isso a SIC, desinteressadamente, ou melhor, apenas com a intenção de melhorar o nível da nossa justiça, veio criar o tal hiper-recurso, que repõe irrevogavelmente a verdade.
Ainda há pouco um recurso de revisão vindo do tribunal de Bragança esbarrara na intransigência do STJ em enfrentar a verdade.
Em boa hora a SIC recebeu o recurso do condenado, analisou o caso com a profundidade que a caracteriza e proferiu decisão absolutória, como era justo.
Enfim, o programa "novas oportunidades" chegou à justiça.

03 novembro 2010

 

A tanga

A intervenção do PSD, ontem, na Assembleia da República, mostra que este partido leu e assimilou alguns dos textos de humor negro do escritor irlandês Jonathan Swift, pois subverteu em seu proveito, com uma habilidade (dir-se-ia até: perversidade) inigualável alguns dados da política dos últimos anos. Na verdade, essa de deixar passar o orçamento, que tem a mão do próprio PSD, para que Sócrates responda (perante o eleitorado, claro!) pelos seus actos de má gestão e de desgoverno é da mais refinada arteirice. Por outro lado, considerar que a situação em que nos encontramos é da exclusiva responsabilidade do PS só pode ser atribuído à amnésia que costuma atacar os partidos que se revezam no poder. Basta ler o recente livro de Carlos Moreno, juiz do Tribunal de Contas jubilado sobre a forma como o Estado tem gasto o nosso dinheiro nos últimos decénios para se ter uma ideia da responsabilidade dos partidos que nos têm governado. É claro que, quando o PS está no governo, acusa o PSD de ter deixado o país «de tanga»; quando é o PSD a ascender à governação, acusa o PS de ter deixado o país «de tanga», e assim os principais partidos que nos governam há dezenas de anos vão rodando no poder ao som da mesma música: a tanga. Uma música originalíssima inventada para o nosso fado político.
Como escreveu Vasco Pulido Valente no “Público” de sábado passado, este é o dobre a finados de uma política em que têm campeado os dois partidos.

01 novembro 2010

 

"Justiça: reflexões fora do lugar-comum" de António Henriques Gaspar

Se há sector da vida social em que o debate público se encontra completamente contaminado pela ignorância e pelo baixo nível intelectual (para não dizer ético) é certamente o da justiça.
O discurso mediático não ultrapassa a mais tosca "cassete", diariamente passada e repassada à exaustão, variando apenas o "escândalo" a explorar.
O discurso político, geralmente capturado por militantes exaltados de um jacobinismo antijudicial primário, aproveita todas as oportunidades para deslegitimar politicamente o poder judicial.
O discurso dito científico limita-se agora a indagar a "percepção" dos "cidadãos" apanhados na rua à pressa sobre a qualidade do "serviço justiça", recolhendo a resposta já programada.
É uma lástima completa este debate sobre a justiça, limitado à reprodução de lugares comuns que, de repetidos intensivamente, se tornaram verdades incontestáveis e imutáveis.
Lutar contra lugares-comuns, contra "verdades" consolidadas por acumulação de sedimentos, não é fácil.
Porém, foi isso que tentou António Henriques Gaspar, vice-presidente do STJ, e membro deste blogue com "mandato suspenso", com o livro "Justiça: reflexões fora do lugar-comum", editado pela Coimbra Editora. É uma colectânea de intervenções públicas, umas institucionais, outras apresentadas em fóruns científicos, todas elas revestidas de um rigor, um nível e uma honestidades intelectuais que contrastam com a indigência intelectual e ética dos oficiantes habituais na matéria. Aborda os temas actuais com que a justiça se confronta, a nível nacional e europeu.
E fá-lo de uma perspectiva cívica, como contribuição para um debate público sério e responsável.
Este é o livro de alguém que, situado no coração do "sistema", publicamente propõe e critica ideias, confiante de que esse é o caminho para lutar contra a obscuridade e a irracionalidade que o lugar-comum constitui.
O desafio que lança terá resposta ao mesmo nível?

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