29 junho 2010

 

Liberdade de circulação ou o direito de não usar identificador

O direito a circular em vias públicas, pagando ou não uma taxa de utilização.Este é o princípio.
O que preocupa é o non sense de uma argumentação para justificar uma orweliana restrição à liberdade de circulação e deslocação no território nacional, que impõe a aquisição obrigatória de um qualquer dispositivo de identificação do veículo (e a pessoa que o conduz).

22 junho 2010

 

Auto-de-fé

O “Osservatore Romano”, não perdendo os tiques de antanho, faz o auto-de-fé de José Saramago, acusando-o de ser «um homem e um intelectual sem reconhecimento metafísico, ancorado até ao final numa confiança obstinada no materialismo histórico, aliás marxismo”. Qualificando o “Evangelho Segundo Jesus Cristo, de «desafio à memória do cristianismo”, faz o requisitório do escritor nestes termos: “Atada como esteve sempre a sua mente por uma desestabilizadora intenção de tornar banal o sagrado e por um materialismo libertário que quanto mais avançava nos anos mais se radicalizava, Saramago não se deixou nunca abandonar por uma incómoda simplicidade teológica.”
Não conclui pela condenação à fogueira, porque já não valia a pena. O relapso escritor já estava morto e, certamente, teria o castigo merecido, lá onde ninguém escapa à ira divina. Assim deveriam pensar estes censores, herdeiros do espírito inquisitorial e intérpretes obstinados do «sagrado violento». “Caridade para com os mortos”, advertiu um dia o bispo do Porto D. António Ferreira Gomes, querendo impor alguma contenção naqueles que se armavam em censores de Sá Carneiro, recém-falecido, por causa da ligação não legitimada com Snu Abecassiz. Estes inquisidores do “Osservatore Romano” desconhecem, obviamente, aquela atitude de humildade cristã para quem acaba de deixar este mundo.
Tenho a certeza que há, no “Evangelho Segundo Jesus Cristo” muito mais amor e fraternidade, que poderiam ser reclamados por um cristianismo autêntico, do que «nestas mentes atadas por uma desestabilizadora intenção de tornar banal o sagrado”.

21 junho 2010

 

Saramago

Neste momento em que escrevo o corpo de José Saramago está reduzido a um montão de cinzas, aquele corpo débil que nos ficou na retina das últimas imagens e de que ele arrancava forças para emitir declarações que pareciam destinadas a causar ainda maior escândalo em certos auditórios. Quase sempre mal compreendidas e interpretadas numa dimensão demasiado literal, mesmo em meios situados fora da esfera a que aparentemente se destinavam, essas declarações representavam como que o desejo extremo, por isso também exagerado, que acomete certos homens que trilharam rumos singulares, de afirmarem a sua integridade moral e intelectual ante a consciência da sua crescente debilidade física e o avizinhar do fim. É como se eles quisessem transmitir-nos que não se acovardam diante da morte, esse corte abrupto da existência, e o pretendessem esconjurar com uma superlativa negação das forças que suposta ou imaginariamente, dentro de certa tradição cultural que é a nossa, comandam o nosso “destino”.
Saramago chegou ao fim de uma existência que, a muitos títulos, foi abençoada por um conjunção de circunstâncias que fizeram da sua vida um cúmulo de êxitos e uma legenda de felicidade. Claro que a essa “graça dos deuses”, ele soube juntar, de uma forma rara, o seu talento, a sua arte de viver e também uma sábia gestão da sua fortuna.
De origens humildes e começos de vida difíceis, literariamente só ganhou evidência perto dos sessenta anos. Mas, a partir daí, foi um enfunar de velas pelo mar de uma existência longa e luminosa. Os êxitos sucederam-se na construção laboriosa de uma obra de ficção, que profundamente se debruçou sobre os grandes temas da condição humana, quer efabulando situações do nosso passado histórico, quer focando questões do nosso tempo actual ou de todos os tempos, muitas vezes de uma forma alegórica e sem os espartilhos de um esquematismo ideológico ou o normativismo de qualquer corrente estética. Rapidamente galgou fronteiras, tornando-se um escritor universal e sendo o único escritor português (e de língua portuguesa) a conquistar o prémio Nobel, para o qual também soube dispor as coisas convenientemente.
Do ponto de vista da sua vida privada e íntima, os fados não lhe foram menos generosos. O seu último grande amor com Pilar del Rio foi quase uma história de encantar, um amor apaixonado, feliz, duradouro e que lhe serviu de viático na própria morte. Um amor que parece ter saído de uma das suas mais belas histórias de ficção.
Folheei os jornais de sábado enquanto viajava de comboio – horas e horas a ler jornais sobre Saramago: o “Público”, que substituiu as 12 páginas que tem dedicado ao Mundial de Futebol por uma homenagem ao escritor; O “Jornal de Notícias”, que lhe dedicou um caderno; o “Expresso”, com vários depoimentos; o “El País”, com várias páginas de artigos, depoimentos, testemunhos, incluindo do primeiro-ministro Zapatero e do presidente do PP, numa comovente homenagem que o mais prestigioso periódico do país vizinho entendeu fazer-lhe. Saramago, para além do mais, conseguiu o mais perfeito casamento entre Portugal e a Espanha. Uniu os dois países no mesmo afecto, que a sua união com Pilar del Rio simbolizava da forma mais carnal e harmoniosa e que as páginas dos periódicos de cá e de lá obsessivamente mostram em imagens que correram mundo, por entre artigos e depoimentos que enaltecem a grande arte do escritor.

19 junho 2010

 

CPI da PT/TVI: o fim

Inglório. O relatório é inóquo. As declarações de voto é que dizem o que os membros da comissão pensam. Como nos romances de Henry James, não há narrador, não há verdade objectiva, há só os diversos pontos de vista das diversas personagens. O pano correu, o teatro acabou.
Convirá agora distribuir um exemplar da Constituição por todos os deputados (nisto não convém poupar), para que a conheçam melhor (para já, é ler o art. 34º, nº 4... e também o art. 111º, nº 1).

 

Saramago: levantado do chão

Levantado do chão, pelo seu prório esforço e pelo seu talento. Inventou uma galeria inesquecível de mulheres, regaço e amparo dos homens. Reflectiu em ficção, com paixão e amargura, sobre o destino português e sobre o destino do mundo. Ainda teve tempo para se relacionar ficcionalmente com a morte, dormir com ela e até convencê-la a suspender a sua actividade por um dia.
Uma vida cheia.

17 junho 2010

 

Cem mulheres à procura de um homem

Não é anedota, é mesmo verdade. Cem mulheres portuguesas, muito patriotas e muito tementes a Deus, desiludidas com Cavaco, que pactuou com o inimigo, querem um candidato a PR que seja fiel aos "valores da família". Pensaram em Bagão Félix, mas este deu-lhes com os pés. Agora andam à procura de outro homem, que tarda em aparecer. Que tempos tão difíceis! O défice não é só no orçamento.
Mas por que terá de ser um homem? Não pode avançar uma delas?

 

Um espectro percorre a Europa

Um espectro percorre a Europa, embora já não o mesmo que a agitou em 1848. Agora é o espectro da xenofobia, da mixofobia (como diz Bauman), da intolerância para com os imigrantes, as minorias étnicas e religiosas, os pobres em geral.
É uma espécie de dominó em cascata desde Março. Nas eleições regionais em Itália, legislativas na Hungria, presidenciais na Áustria, legislativas na Holanda e na Bélgica, a extrema-direita cresce, cresce sempre, começa a ameaçar bloquear o sistema político se não participar do poder. Não é um fenómeno de alguma região periférica da Europa: é no seu coração que ele prolifera.
Já não é só a Europa-fortaleza, a rejeição de novos imigrantes. É a marginalização e criminalização daqueles que já cá moram há muito, punindo-os pela sua cultura, pela sua religião, pelo seu modo de vestir.
E mais ainda: a segregação já não se dirige apenas contra os outros, contra os "de fora"; começa a ser contra os "de dentro", os "iguais". Iguais, mas pobres. A rica "Padânia" que quer separar-se do resto de Itália e a rica Flandres que rejeita a pobre Valónia são uma primeira manifestação de "apartheid" interno que não sabemos onde chegará.
Uma Europa em estilhaços, sem ideário nem rumo certo, conduzida por uns senhores (e uma senhora) que, com mentalidade de mercieiros, passam a vida a falar do défice e das despesas, do corte das despesas...
Acordarão um dia em cima de um vulcão (e não vai ser o da Islândia...).

 

Um domingo sangrento há 38 anos

Finalmente, o governo inglês reconheceu, com base num novo inquérito, que em (London)Derry no dia 30 de Janeiro de 1972 o exército massacrou 14 pessoas desarmadas.
A luta contra o IRA foi conduzida pelos sucessivos governos ingleses por meios sujos, recorrendo a toda a espécie de arbitrariedades e violências, entre as quais a tortura de prisioneiros, a invenção de provas para os condenar pesadamente, o fabrico de inquéritos notoriamente falsos para justificar as ilegalidades e arbitrariedades.
Tudo isto aconteceu numa democracia. Também em França, outra democracia, aconteceu o mesmo, mais ou menos o mesmo, quando da guerra da Argélia.
A lição é que mesmo em democracia não se está ao abrigo do abuso de poder, da violência estatal arbitrária, da manipulação da verdade por parte das autoridades para justificar abusos e arbitrariedades.
Às vezes a verdade chega 38 anos depois, outras vezes possivelmente nem chega.
Mas outra lição se pode retirar: lutar pela verdade, não propriamente pela vingança mas pela crueza da verdade, ainda que tardia, valerá sempre a pena, ainda que os resultados sejam incertos.
Claro que este inquérito e esta verdade só se tornou possível porque o conflito está hoje muito esbatido na Irlanda do Norte.
Ainda assim, a verdade é sempre a verdade. Só sobre ela pode assentar a paz, a paz duradoura.

 

Corporativismo e esparguete à bolonhesa



Mesmo quem não deixa escorrer saliva pelos cantos da boca sempre que fala ou grita corporativismo sabe que uma das manifestações mais repugnantes do dito cujo é a criação artificial de obstáculos de acesso a uma profissão / função social por quem acedeu a ela sem ter que prestar quaisquer provas específicas usando para o efeito poderes públicos atribuídos pelo Estado à corporação. Assim, parece-me que dizer que uma taxa de reprovação no acesso à profissão de 90% se deve a Bolonha, sem indicar o critério de excelência dos julgadores, nem a forma como os mesmo foram seleccionados cheira mal, a um prato indigesto tipo esparguete à bolonhesa com calda de tomate bolorenta e massa demasiado cozida.

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Falando de coisas sérias, cozinha

Parece que afinal ainda existirá um programa de cozinha que vale a pena ser visto (em que canal?), além dos argumentos positivos aqui desenvolvidos, e expostos, tenho de confiar no juízo de quem atribui a pertinente adjectivação à cozinha contemporânea de múltiplos clones de «parvenus de gastronomia que têm falta de mundo, de comunicação e de aprendizagem — e de cozinha » e tão entusiasmada deixa «uma burguesia exibicionista, que é mais ou menos passiva em matéria de gosto, com bolsa mas sem estômago, e sem disponibilidade».

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16 junho 2010

 

Equidade

Fala-se de equidade a propósito dos sacrifícios exigidos pela crise. Finalmente, de todos vão ser exigidos esforços para a debelar. Ricos e pobres, todos participam com o seu quinhão de sacrifício. As medidas tocam a todos, é o que se diz. É o que dizem os responsáveis. No entanto, há uma grande porção de portugueses (talvez a maior fatia) que tem de cortar em bens essenciais: despesas de saúde; despesas de alimentação, ensino, educação. A saúde desses portugueses vai tornar-se mais débil; a sua alimentação vai ficar abaixo das carências mínimas; os estudos vão ter de ficar pelo caminho e a educação vai ser um encargo difícil de suportar.
Outros portugueses vão sofrer diminuições nos seus orçamentos e vão ter de cortar em despesas, mas que não atingem bens essenciais. Quando muito, vão ter que fazer outras opções, porventura menos ambiciosas, mas, ainda assim, satisfatórias. Outros ainda vão também contribuir com a sua quota-parte, mas não precisarão de fazer cortes em quaisquer bens essenciais, nem de fazer outras opções de vida, nem sequer – pasme-se! – de sacrificar os seus gastos em bens supérfluos e de luxo. Estes portugueses constituem uma minoria escassa, mas, no conjunto, terão, provavelmente, os principais meios de fortuna.
Isto é a tal equidade na repartição dos sacrifícios que a crise exige – uma crise que não veio do ar, nem do céu, nem foi gerada por qualquer força obscura, mas proveio de políticas concretas, de concretas escolhas económicas e da opção por determinados valores e interesses, de que se mantiveram arredados os que verdadeiramente suportam as consequências (a não ser, provavelmente. pela vaga participação em eleições periódicas) e de que auferiram os principais benefícios aqueles que para ela contribuíram e agora pouco ou nada sentem os catastróficos efeitos.
Os responsáveis da UE claro que aprovam e aplaudem as medidas que, assim, atingem os sacrificados de sempre e, mais do que isso: vão avisando que é preciso medidas mais duras em 2011. As receitas já se sabe quais são: desemprego, diminuição dos salários, quebra das prestações sociais, maior precarização das relações laborais, ou seja, aquilo que eufemísticamente se chama “flexibilização do mercado de trabalho” e que tem vindo, de degrau em degrau, a anular todos os direitos fundamentais nessa área, com a orquestração de um coro de cinismo que todos os dias trauteia o estribilho do passadismo dos “direitos adquiridos”.
Essa é a exemplar equidade na distribuição dos sacrifícios por todos. sem excepção.

13 junho 2010

 

Furto sem premeditação

Parece desenhar-se uma certa "pré-compreensão" de que o furto "sem premeditação" não é coisa muito grave. O furto ditado por um impulso súbito, dificilmente controlável, seria, assim, até certo ponto, "compreensível".
Eu aceitaria esta tese quando, a esse súbito e incontrolável impulso, se seguisse, de imediato, ou no mais curto prazo possível, a devolução da coisa furtada ao seu proprietário.
Mas, sem devolução, não há falta de premeditação que possa valer a quem sofre de incontroláveis impulsos apropriativos.

 

Uma tomada de posse com convidado especial

Das notícias da semana, certamente a mais interessante foi a da tomada de posse do novo Governador do Banco de Portugal. Não pela pessoa do eleito, perfeitamente enquadrado no perfil tecnocrata requerido para o efeito. Não pelo discurso que proferiu, que correspoondeu ao tal perfil, sobretudo quando exigiu "contenção salarial". Também não pelas individualidades presentes, a alta aristocracia da banca.
Mas, sim, pela presença de um certo indivíduo, ex-presidente de um banco, é certo, mas recentemente condenado pelo próprio BP numa coima de um milhão de euros e na inibição de exercer actividade financeira durante nove anos, decisão da qual recorreu, estando pendente o recurso.
Como foi ele lá parar? A cerimónia seria de entrada livre ao povo em geral? Entrou então como "popular"? Ou foi convidado? Convidam-se os arguidos com processos pendentes?

 

A I República, de novo

Interpelado expressamente pelo Paulo Dá Mesquita, venho exercer o meu direito de resposta e, de certa forma, exercer de novo o meu direito à indignação (não em relação ao meu interlocutor, evidentemente).
Efectivamente, a "tese" exposta naquela crónica pelo VPV é, digamos, uma súmula, retocada e "actualizada" (com a referência aos grupos "terroristas", quem sabe se ligados à Al-Qaida, que teriam dominado o poder na I República), de "O Poder e o Povo", que salvo erro serviu de tese de doutoramento em Oxford.
Não estou obviamente em condições de "refutar", do ponto de vista historiográfico, o livro. Refuto-o, sim, frontalmente, do ponto de vista ideológico, que assumidamente adopta uma perspectiva "revisionista" da história. Ou seja, à perspectiva republicana clássica, jacobina, VPV opõe uma perspectiva conservadora, anti-revolucionária. São duas "narrativas", nenhuma delas necessariamente melhor que a outra. Em qualquer caso, a tese de que a I República constituiu apenas um "estado de coisas", que a violência e a desordem era co-natural ao regime, coincidem ponto por ponto com a versão salazarista que eu tive de aprender na escola e que felizmente o Dá Mesquita já não foi obrigado a engolir.
Para rematar, direi que, em meu entender, não sendo historiador, a I República se integrou num ciclo de convulsões sociais e políticas que começou antes (1890-1891) e só terminou em 1931, com a revolução da Madeira, a última resistência à ditadura. A partir daí efectivamente acabaram as "desordens", mas para nosso mal! E daquele período de quarenta anos de convulsões a I República foi certamente um período decisivo para "actualizar" o País, para eliminar ancestralidades obsoletas, para abrir novos caminhos, muitos dos quais nem o Estado Novo fechou.

07 junho 2010

 

Historiadores e leitores


Caro Maia Costa, não tenho dúvidas em concordar que a afirmação transcrita de Vasco Pulido Valente se apresenta simplista e redutora, mas relativizo a sua importância, pois encontro na frase mais o comentador / provocador do que o historiador. Este último, no Poder e o Povo, editado pela primeira vez em 1976, sustenta de forma mais exaustiva a tese, então relativamente original, de que «na luta pelo poder, o PRP destruíra o genuíno liberalismo da Monarquia» – livro que me parece fundamental para compreender a Iª República, tal como a A “República Velha” (1910-1917), publicado em 1997, mesmo que não se acompanhe as asserções conclusivas que pontuam várias partes dessas obras.

Por outro lado, no artigo que suscitou o texto de VPV aparecem escritas várias opiniões sobre a abordagem de Rui Ramos ao Estado Novo (cuja caracterização formulada por Manuel Lucena no sentido de que se trata de uma boa «introdução a uma época» acompanho, para o bem e para o mal) de historiadores encartados que, a serem deslocadas da polémica e a serem lidas como expressão da densidade e rigor conceptual dos mesmos (conclusão que não me parece que deva ser extraída dessas frases, dada a intensidade do debate e a dimensão jornaleira dos prós e contras envolventes do artigo) me pareceriam muito mais significativas sobre uma condição deprimente da nossa historiografia contemporânea, nomeadamente:
«Creio que, neste momento, os historiadores de esquerda, que sempre foram acusados de instrumentalizar, são mais cuidadosos a trabalhar […]»
«Parece que o Estado Novo é benévolo, não fascista, apenas autoritário, o que é uma leitura desculpabilizante do regime».

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Por outras palavras, minhas.


Saiu finalmente o livro de crónicas de Manuel António Pina, Por outras palavras & mais crónicas de jornal, editado pela “Modo de Ler” – uma editora com a marca inconfundível de José da Cruz Santos. A antologia, abrangendo 244 crónicas, das muitas que ele tem vindo a publicar diariamente no "Jornal de Notícias", com apreço generalizado de uma infinidade de leitores de Norte a Sul de Portugal, e outras que publicou na revista “Visão”, foi organizada por Sousa Dias, que anteriormente já havia reunido em volume uma série de entrevistas do escritor, com o título Dito em voz alta, da editora “Pé de Página”.
Ficamos, assim, a dispor de um objecto manuseável onde podemos, em qualquer momento, desfrutar do prazer de revisitar muitos dos textos que tínhamos saboreado em parcos minutos, em pequenos intervalos da lufa-lufa diária, e em que tínhamos ido buscar a centelha que nos deu o génio para o dia, o golpe de asa que nos fez voar ou a palavra justa para a nossa indignação.
Com esta publicação antológica, Sousa Dias resgatou essas memoráveis crónicas do destino volátil próprio das folhas de jornal. Porque elas valem «pelo seu sopro literário, por vezes mesmo poético, imediatamente sensível. É esse sopro, essa respiração formal, que cria uma autonomia do texto da crónica em relação ao seu conteúdo referencial actual, isto é, uma auto-referencialidade da linguagem que torna a crónica inactual, interessante por si mesma, pelo “prazer do texto” de que falava Barthes, independentemente do seu assunto.» (Do prefácio de Sousa Dias). Isto, sem esquecer o formidável poder crítico que nelas se contém, que, na maior parte dos casos, é também um jogo da linguagem, desembocando em fulgurantes golpes de ironia e de humor, que, em meia dúzia de linhas, arrasam por completo o objecto eleito pelo cronista para seu alvo. Nesse sentido, Manuel António Pina é também um dos mais acerados críticos que campeiam na nossa imprensa actual e, por isso mesmo, temido por muitos, que gostariam de o destronar ou, pelo menos, de lhe amaciar o tom por mil e uma formas mais ou menos insidiosas, ao mesmo tempo que admirado por muitíssimos outros, a quem ele empresta a mão, sempre certeira no manejo da palavra. Palavra que é sempre, desde há milénios, o nosso pobre instrumento de busca de um sentido para a vida. Di-lo Manuel António Pina, no seu estilo inconfundível, logo na crónica que abre o livro:
«Provavelmente está tudo dito. Mesmo o sentimento da ociosidade e da inutilidade das palavras é uma sensação infinitamente cansada. E, no entanto, temos que dizer tudo de novo todos os dias, de juntar os pedaços dispersos do mundo e, com eles, descobrir para nós um lugar do nosso tamanho ou, ao menos, uma forma de sentido para aquilo que chamamos vida.»

 

O país da bola



E não se poderia suspender sine die o direito fundamental à transmissão televisiva da histeria futeboleira? Não haverá maneira de acabarmos com esta monomanía da bola, de nos livrarmos das omnipresentes cornetas, bandeirinhas e boçalidade? É para isto, para esta televisão pública, que pagamos impostos e com eficácia retroactiva? É uma “emergência” e é pelo “bem comum”!

06 junho 2010

 

A I República vista por V(P)V

V(P)V: "a I República não precisa que a diabolizem. Um 'estado de coisas' (porque não se pode chamar ao que então existia um verdadeiro regime) em que se matavam cidadãos pelas ruas na maior e mais santa impunidade (incluindo um primeiro-ministro) e em que vários grupos terroristas ['avant la lettre', acrescento eu] muitas vezes mandavam de facto no Governo...".
Note-se que se trata de um historiador encartado.
Estará a nossa historiografia a este nível?

 

Hanin Zoabi: uma deputada árabe israelita

Hanin Zoabi é uma deputada árabe israelita que estava no navio Mavi Marmara. Depois de libertada, regressou ao Knesset e subiu à tribuna, onde contou a sua versão dos acontecimentos, aliás como testemunha presencial. Foi interrompida pelos "colegas" judeus com a acusação de "traidora". Vai ser pedida a perda da imunidade parlamentar. Foi aconselhada a ir para Gaza.
Episódios da democracia israelita.

 

Poderá Israel mudar?

O ataque ao navio "Mavi Marmara" é inquestionavelmente uma brutal violação do direito internacional, mas não se trata de um acto isolado, nem de um acto impensado de um governo de extrema-direita (que de facto é).
A rebeldia perante a ordem jurídica internacional, e simultaneamente o uso desproporcionado de meios militares, está inscrita na prática política israelita desde pelo menos 1956, quando Israel invadiu o Canal do Suez, acentuando-se exponencialmente a partir da Guerra de 1967, como se sabe. O rapto de Eichmann, em Buenos Aires, em 1959, com ofensa grosseira da soberania de um estado democrático, acção directamente autorizada por David Ben Gurion, o "patriarca", marcou um estilo inconfundível de "acção directa", de que o assassinato em Dubai, em Janeiro deste ano, de um dirigente do Hamás constitui o último marco mais relevante. Golda Meir caucionou igualmente o mesmo tipo de actuação ao ordenar a perseguição do "comando de Munique".
Não foi, pois, a actual geração rasca de dirigentes (que efectivamente o são) que inventou o "modo de ser e actuar" israelita em termos de "segurança". Esse "estilo" foi inaugurado pela geração fundadora, e a permanente "compreensão" de grande parte da comunidade internacional, primeiro, do "Ocidente", depois, sempre na base da reparação do Holocausto, permitiu o actual estado de rebelião absoluta perante a ordem internacional e as mais elementares regras da convivência entre países e povos.
Poderá Israel algum dia mudar? Essa é indiscutivelmente a vontade dos israelitas mais lúcidos, mas que agora são uma minoria.
Mas creio bem que, independetemente da genuína vontade de mudar de alguns sectores, essa vontade, ainda que viesse a ser maioritária, dificilmente se concretizaria. Israel tem o "pecado original" de ser um estado étnico, o "estado dos judeus". E, enquanto assim for, nem os vizinhos o aceitam, nem Israel evolui para um estado "normal".

05 junho 2010

 

Diz que é o Estado em estado de necessidade

Uma primeira observação é o de que há aqui uma certa confusão. Se o princípio da retroactividade (e não o da não retroactividade) não tem “valor absoluto”, então seguir-se-ia, na retórica ministerial, pugnar pela não retroactividade. Mas, confusões à parte, temos então que parece ter sido descoberto um patamar jurídico-normativo supra-constitucional, que é o do “bem público” e o da “emergência”. A Constituição que se amanhe, que é o Governo quem decide o que é o “bem público” e a “emergência” e, ao fazê-lo, decide se a Constituição se aplica ou não. Parece, pois, despontar uma moda bem perniciosa, esta de suspender partes da Lei Fundamental sob alegação de vacuidades (primeiro, a “descoberta da verdade” no caso das escutas, agora o “bem comum” e a “emergência”). Se passa para os contribuintes é bem provável que alguém venha invocar razões “pessoais” e de “emergência” contra o dever de pagar impostos.

04 junho 2010

 

Aproveitamento escolar "per saltum"

Diz que é uma espécie de "incentivo".

 

Suspensão da Constituição, competência e rigor


Nisto, não sei o que mais surpreende. Se a súbita sinceridade de quem acabou de aterrar em Portugal e tem de resolver subitamente os problemas financeiros que outros lhe deixaram de herança (nomeadamente um antigo secretário de Estado das finanças entre 1995/99, e ministro das ditas entre 2005/2009), e apresenta um plano consistente e inequívoco sobre o que se vai seguir, corta com anteriores dissociações entre deduções fiscais e aumento de impostos, assumindo que afinal a redução das deduções terá algo a ver com carga tributária, se a competência de quem domina os dados do presente que conformam o futuro, tem uma capacidade de previsão superior, actua de acordo com o máximo ”realismo e rigor”, pelo que, decerto, é tão competente que já assegurou a inércia de eventuais forças de bloqueio que impeçam a suspensão da Constituição (só más línguas podem pensar na asserção inversa).

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02 junho 2010

 

A aliança judaico-cristã

Israel julga-se acima do direito e da moral. Ri-se na cara da ONU e da comunidade internacional de condenações e meros protestos. Julga-se impune. Sabe que tem por detrás o amigo americano. Este já começa a ficar cansado, mas a aliança judaico-cristã entranhou-se de tal forma na ideologia e na prática política dos EUA que dá pouca margem a qualquer desvio. Em todo o caso, Obama tem a palavra. Vai ser, mais uma vez, de submissão a Israel?

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