31 julho 2006

 

Cinquenta cêntimos para fazer xixi

Bem sei que o tema é baixo-ventral, pesadamente fisiológico e, portanto, impróprio de um blogue culto. Mas não estarão os temas do quotidiano, agora que toda a gente emite opinião sobre assuntos, por assim dizer, de grande envergadura, relegados para um plano menos que secundário, inexistente? Onde está a crítica da vida quotidiana? E, no entanto, é através do quotidiano que se captam, às vezes, os flagrantes da vida autêntica das pessoas, aquela vida que, sendo pequena vida, entronca na grande vida colectiva de um extracto da população e mesmo de todo um povo.
Como se irá ver, esta pequena história (autêntica), que surpreendi no primeiro dia de descontracção de férias, quando readquirimos a sensibilidade para o que se passa à nossa volta, tem a ver com o orçamento – porventura não só com o micro-orçamento de certas pessoas, mas com o grande orçamento do país, aquele que se escreve com maiúsculas.
Duas mulheres dos seus sessenta, sessenta e picos, esperavam, sentadas num banco, o comboio não sei para onde – uma terra nos arredores do Porto. Às tantas, uma delas, com cara de sofrimento, diz:
“Tenho tanta vontade de fazer xixi! Estou mesmo aflita!”.
A outra:
«Vê lá se aguentas. Agora também falta pouco para o comboio.»
«Ai não sei. Estou mesmo à rasca. Podia ir ali à casa de banho, mas são cinquenta cêntimos!»
«Pois são.»
«Vou ver se consigo esperar pelo comboio. Depois faço lá dentro.» Interveio uma outra senhora, que estava de pé a ouvir a conversa:
«Olhe que lá dentro não há casa de banho.»
«Ai não?» - interrogou a aflita, ainda mais aflita.
«Não, não. Os comboios que andam por aqui deixaram de ter casa de banho.»
«Não me diga!»
«Agora só os que vão para longe é que têm casa de banho.»
«Homessa! E então se uma pessoa tiver vontade, faz pelas pernas abaixo?»
«Agora é assim. Eles estão sempre com estas modernices que só prejudicam as pessoas.»
A outra fez uma carranca de sofrimento:
«E eu que estou com tanta vontade!»
A que interveio deitou as mãos à carteira:
«Olhe, parece-me que tenho para aqui cinquenta cêntimos.» Abriu a carteira e sacou a moeda, que fez menção de entregar à que estava aperreada pela vontade de fazer xixi.
«Ai minha senhora, se não se importa, eu vou mesmo aceitar…»
«Pois aceite!»
«É que eu só tenho quinhentos escudinhos - aqui retomou a linguagem da antiga moeda – para comer durante a semana. Cinquenta cêntimos fazem-me muita falta. De maneira que se a senhora não se importa…»
Apanhou a moeda e deitou a correr para a casa de banho.

30 julho 2006

 

As férias dos juízes no tempo de Ramalho Ortigão

Espinho é, com effeito, e por excellencia, além da costa celebre da sardinha, a piscina consagrada da magistratura.
De manha na praia, á hora do banho, de tarde ao longo da estrada da Granja, ou no caminho dos pinhaes circumvizinhos, vêem-se grupos compactos de cavalheiros edosos, de passo lento e commedido, de uma compostura grave, entre modestos e majestosos, os quaes, ao encontrarem-se uns com os outros -grupo que vae e grupo que vem—se saudam reciprocamente, ouvindo-se de parte a parte em variadas vozes e em todos os diversos tons da affabilidade, honesta, não pueril, a palavra:—collega! collega! collega!
São suas excellencias os juizes.
Familiares e gaiteiros chapéos de palha campesina lhes cobrem as cãs venerandas, tantas vezes desgrenhadas nos vendavaes do foro pelo sopro inhospito da oratória tribunicia dizendo o crime nefando. De seus hombros, affeitos ao peso da responsabilidade social e á ondulação majestática da beca, pende — licito jôgo das brizas — a rabona caseira de uma jovial lustrina, ou de um galante porém não jogralesco cheviote. Suas mãos, em vez da rija e inflexível vara da lei, sopesam com mimo o ligeiro bordão de fino e envernizado bambu encastoado em prata; e entre o pollegar e o index da mão esquerda, por meio dos quaes por tantas vezes picaram no ar, como que com invisíveis alfinetes, as delicadas minucias do corpo de delicto, repousa agora, aconchegada, inoffensiva e morna, a tónica pitada de um saudavel e escolhido esternutatorio.
As lides balneares e os fagueiros attractivos dos jogos de vasa e da palestra amena e conceituosa em descerimonioso convívio não os impedem de consagrar em cada dia alguns minutos de reflexivo zelo, entre o almoço e a sesta, durante as horas importunas da môsca, ao exame dos autos dependentes das suas respectivas varas.
A uma esposa de juiz de direito, em pratica de passeio com uma irmã de doutor delegado e outras damas, ouvi dizer:
- Meu marido tem vinte banhos e doze causas despachadas desde que chegou até hoje ... Eu bem lh'o prohibo, porque as canceiras damnificam-lhe a saúde; mas que podemos nós, frágeis mulheres, perante a teimosia d'estes senhores magistrados!
E, articulando estas palavras, os seus antigos dentes sorriam de uma conspícua e orgulhosa amargura, mostrando cada um a sua côr differente, como um vivo mappa das diversas comarcas por ella percorridas n'uma longa e gloriosa carreira juridico-conjugal.

As Farpas (volume I)

27 julho 2006

 

Não conseguindo evitar de falar

Há dias que ando para escrever seja o que for para o blogue, mas não consigo. E não consigo porque há algo dentro de mim que faz uma resistência danada e me impede de escrever. É como se eu não pudesse passar para a frente sem vencer essa resistência. O que me faz obstáculo é o que está a ocorrer no Médio Oriente, mais propriamente a formidável escalada de Israel sobre o Sul do Líbano.
Tenho que escrever sobre isto – repito-me dia a dia. Mas o que vou eu escrever sobre isto? Como exprimir a revolta, a impotência, a hipocrisia internacional, a inércia ou manietação de instituições como o Conselho de Segurança da ONU, os votos piedosos (ou mentirosos) dos Estados, incluindo os da União Europeia, sobre a necessidade de estabelecer condições para a paz na região? Estão todos é à espera, com os Estados Unidos à cabeça, de que Israel prossiga com a escalada de violência e destruição até um ponto em que, satisfeitos, todos possam dizer, “Basta! Já chega!, vamos agora sentar-nos a uma mesa e entabular conversações para a paz”. “Uma paz duradoura no Médio Oriente”, dirão com pompa e circunstância. Primeiro a destruição, depois a ajuda humanitária.
Entretanto, vamos assistindo a este flagelar mortífero de Beirute, a esta destruição de infra-estruturas, a este arrasamento de prédios inteiros, que se esboroam no meio de pó e fumo, a esta mortandade de civis, nos quais se contam muitas crianças, a esta catástrofe humanitária.
«Mais uma semana e pronto!», dizem os representantes do governo dos Estados Unidos, a estabelecer uma moratória para mais uns terríveis dias de massacre. «Precisamos de mais uns dias até conseguirmos os nossos objectivos», dizem os governantes de Israel – um país armado com o mais sofisticado aparato de guerra pelas potências ocidentais, principalmente pelos Estados Unidos e que actuam na região por delegação e com a cobertura destes. E assim se vai abrindo o caminho para o tal estabelecimento de uma paz duradoura, semeando o ódio, que há-de renascer das cinzas de uma forma cada vez mais fundamentalista.
Bem sei que tudo começou com o rapto, pelo Hamas, de um soldado israelita na fronteira de Gaza e de mais dois outros soldados na fronteira com o Líbano, pelo Hezbolah. Mas o que é que causou esta causa? E o que é que deu causa a essa causa, e assim sucessivamente? Talvez seja muito difícil de destrinçar o fio a esta meada. E de certeza que os responsáveis pelas políticas dos sucessivos governos de Israel não serão os mais inocentes.
Os que apontam o dedo às acções terroristas do Hamas e do Hezbolah como tendo iniciado todo este clima de guerra esquecem deliberadamente toda a trama em que essas acções se inserem. E omitem a flagrante e chocante desproporção de forças de um lado e do outro e sobretudo a desproporção da reacção de Israel em relação à causa que a motivou.
É possível que, tanto os mais radicais do Hamas, como os mais extremistas de Hezbolah tenham calculado friamente os efeitos da sua acção e tenham menosprezado as mortes de tantos civis inocentes, mas também tudo parece indiciar que Israel estava só à espera de um pretexto para atacar de uma forma tão sistemática e impiedosa. Assim se ajustam, de um lado e do outro, as vontades dos extremistas e dos terroristas para uma destruição que lhes não pesa nas consciências e que agravará os ódios que perdurarão. É em cima dessa fogueira que se pretende cimentar uma paz duradoura.

26 julho 2006

 

O mundo afinal é... tão simples


«See, the irony is that what they need to do is to get Syria to get Hizbullah to stop doing this s--t, and it’s over».
Presidente dos EUA, George W. Bush, falando com o primeiro ministro britânico Tony Blair durante a reunião do G8. A conversação foi apanhada por um microfone aberto.
(retirado da Newsweek, versão europeia, desta semana, p. 8, data da capa: 31-7-2006).

 

Israel, estado delinquente

A invasão do Líbano, uma incontestável agressão a um país soberano, é apenas mais uma das incontáveis violações do direito internacional que Israel vem acumulando nas últimas quatro décadas. Uma agressão aliás acompanhada sistematicamente por toda a espécie de infracções às "regras da guerra" (o jus in bello), como o uso de armas proibidas (pelo menos, o fósforo branco), ataques deliberados a alvos civis, punições colectivas, embargo à ajuda humanitária e, por fim, como se fosse pouco, ataques mortais a pessoal da Cruz Vermelha Internacional e da ONU!
Israel considera-se acima da lei e do direito. Tem a força das armas, tem a força de ter as "costas quentes", tem a força de não haver a força de uma ordem jurídica internacional que faça cumprir as regras. Israel tem a força de ter força, mas não tem a força da razão e do direito (que pouca força têm nos tempos que correm...).
Israel há décadas que humilha, violenta, expulsa, destrói, esmaga, aniquila os povos seus vizinhos e especialmente o povo palestiniano, cuja única culpa é estar há muito instalado no território que os judeus de Israel querem apenas para si. Se o conceito de "limpeza étnica" tivesse algum sentido, provavelmente não seria melhor aplicado do que à política praticada por Israel, desde a sua fundação em 1947, de expulsão dos árabes residentes no território e da sua "substituição" por judeus vindos de todo o mundo.
Se o conceito de "estado pária" tivesse igualmente sentido possivelmente caberia como uma luva a Israel, o país que mais infringe as leis internacionais e que mais resoluções da ONU se recusou a cumprir.
Mau grado tudo isso, Israel considera que os "outros" é que são terroristas. Mas essa palavra, se tem também algum sentido, parece que assenta a Israel melhor do que a ninguém, pois é Israel que pratica com mais eficácia, rigor, pertinácia, frieza, calculismo e recursos materiais e humanos o terror, através de ataques aéreos indiscriminados, de intencionais destruições de zonas residenciais, de punições familiares e colectivas de presumíveis "imimigos", de assassinatos selectivos dos mesmos, da tortura sistemática de prisioneiros, da prisão massiva e em condições degradantes de adversários. O terrorismo de Israel não é "artesanal", como o dos suicidas bombistas. É de outra dimensão, crueldade e eficácia.

 

Processo penal, lei da droga, droga de lei

Anuncia-se a finalização dos trabalhos preparatórios de revisão do processo penal. Já o mesmo sucedera quanto ao Código Penal. A generalidade das medidas hoje anunciadas parece razoável. A elevação do "patamar" mínimo da prisão preventiva para 5 anos de prisão até me espanta. Será que vai passar, nestes tempos punitivos?
Mas o grande problema da justiça penal chama-se DL 15/93, a famigerada "lei da droga". É a lei mais aplicada nos tribunais criminais e tentar meter a cabeça na areia não adianta (e escalda a cabeça). Quando haverá coragem para "atacar" a sua revisão global?

 

Ouvi dizer que eras terrorista


O New York Times de hoje dá conta de um projecto de lei que visa o estabelecimento de regras de julgamentos dos suspeitos de terrorismo que se encontram retidos pelos EUA.
O "rascunho" terá chegado àquele jornal por mão amiga, mas a corresponder esta versão anónima à versão oficial, avançam-se como regras:
1. «The 32-page bill preserves the idea of using military commissions to prosecute terror suspects (...) The draft measure describes court-martial procedure as “not practicable in trying enemy combatants” because doing so would “require the government to share classified information” and would exclude “hearsay evidence determined to be probative and reliable.”»: as comissões continuam o seu trabalho. Tudo em nome da eficiência, da segurança nacional, dos seus segredos e do ouvir dizer.
2. «(...) that no matter how it is gathered, evidence “shall be admissible if the military judge” determines it has “probative value"»: boa, concordo plenamente. Que raio se na guerra e no amor vale tudo, porque não!
3. «Hearsay statements, meaning something a witness has heard but does not know to be true, would be allowed»: pois bem, onde há fumo há fogo, e quando se fala é porque deve ser verdade. Mesmo que não seja! Pois uma afirmação de tantas vezes repetida, ascende ao estatuto de verídica.
4. «The bill would also bar “statements obtained by the use of torture” from being introduced as evidence, but evidence obtained during interrogations where coercion was used would be admissible unless a military judge found it “unreliable.” »: esta é a minha preferida. Deixa-se entrar pela janela o que não se deixa entrar pela porta. Tortura! Isso é que não! Mas uma coerçãozita, nunca fez mal a ninguém...
Uma questão que (ainda?) está em cima da mesa será a de saber se as Convenções de Genebra serão aplicáveis.
Questiono-me: será que leram as decisões do Supremo Tribunal!

25 julho 2006

 

Um presidente para o STJ, precisa-se

A propósito das próximas eleições para presidente do STJ, tema que o Mouraz Lopes trouxe à colação, gostaria de dizer algumas coisas.
O cargo de presidente do STJ é uma alta figura do Estado, aliás a 4ª, mas a sua relevância não deriva dessa posição, que é meramente protocolar, mas do facto de, por um lado, ser a "figura de topo" do sistema judicial e de, nessa medida, ser de alguma forma o interlocutor junto dos restantes órgãos de soberania; e ainda de ser o presidente do Conselho Superior da Magistratura, órgão executivo da maior relevância na administração judiciária.
Este conjunto de factores recomendariam que o cargo estivesse dotado de forte legitimidade institucional. Mas não é o caso. O presidente do STJ é eleito pelos seus pares, escassas dezenas de juízes-conselheiros. São todos elegíveis e, não havendo candidaturas oficiais, nem portanto programas nem debates, a tendência é para os "interessados" veicularem a sua "aspiração" por formas pouco transparentes e de fazerem "campanha" não na base de programas de acção ou, ao menos, de ideias, mas sim de amizades, confiança pessoal, proximidades geográficas ou mesmo clubísticas, e mais raramente de afinidades ideológicas, o que descaracteriza e dificulta a racionalidade da escolha. A escassez do colégio eleitoral proporciona ainda eleições "à tangente", por vezes quase aleatórias ou casuais.
Tudo isto serve para dizer que o quadro legislativo de eleição de presidente do STJ tem de mudar.
Mas enquanto não muda seria desejável que os eleitores/elegíveis façam um esforço para tornar o próximo processo eleitoral o mais transparente possível, pois com isso só terá a ganhar, em credibilidade, em legitimidade e poder de intervenção institucional, o próximo presidente.

 

Hipocrisia


Hipocrisia significa "fingimento de qualidades, princípios, ideias ou sentimentos que não se possuem". A sua origem etimológica é, porém, a de desempenho de um papel no teatro.
Vêm estas palavras a propósito de um interessante artigo de Ernesto Garzon Valdés sobre privacidade e publicidade e que discorre sobre as relações sociais e a sua interacção nos vários âmbitos, esferas e papéis por nós desempenhados.
Nele pode ler-se, em traços largos, que são três as esferas em que nos movemos: íntima, privada e pública. A íntima caracteriza-se pela sua total opacidade, a pública pela transparência total e a privada pela relativa transparência ou, noutra perspectiva, a relativa opacidade .
Quando ingressamos no público levamos connosco a couraça da intimidade e o manto da privacidade, o que cria situações ambíguas e até paradoxais. Acertadamente, refere-se que é pouco cortês chamar a atenção para os nossos próprios êxitos ou expressar insegurança pessoal, temor perante a morte ou sentimentos veementes sobre pessoas presentes, excepto num contexto de intimidade, onde é possível tratar estes temas e espraiar-se a seu respeito*. Concluindo-se, assim, que este passo de saída do âmbito do privado para o público se caracteriza por uma redução da veracidade e justamente porque existe uma certa divergência entre o que sustentamos em privado e o que proclamamos em público é que se produz o fenómeno da hipocrisia.
Mas e será isto censurável? Deveremos todos nós impor-nos uma franqueza tal e sinceridade pública, de forma a que o nosso papel público funcione tal qual espelho do nosso privado?
Exemplificando: qual de nós em público se atreve afirmar-se racista, machista, feminista ou anti-semita? Ou quem, a não ser que queira ser indelicado, responde de forma veraz à pergunta "Como tens passado?" E quantos, por vezes, em privado não produziram já afirmações que contradizem aquela moral social, o politicamente correcto e as elementares regras de cortesia.
Pois é. Hipocrisia.
Hipocrisia na medida em que são vários os nossos papéis sociais e são estas as regras do jogo social que permitem o avanço com êxito no público.
Transpondo estas considerações para o judiciário a questão que se impõe é a de em que medida a hipocrisia não deverá ser cultivada. Dito de outra forma, as ideias, valores e pensamentos mais íntimos, podem ou não transparecer nas decisões que se tomam e na forma como se desempenha o papel de "operador judiciário".
Estas palavras não devem, porém, ser entendidas como a defesa da representação do papel de Iago, pois não nos podemos esquecer que este era o antagonista...
* tradução livre do original

20 julho 2006

 

Reforma do Ministerio Fiscal

A propósito deste post de Eduardo Maia Costa é interessante comparar com o que se está a passar na vizinha Espanha. Tão mais interessante quando a reforma que está a suceder em Espanha tem como pano de fundo "la opción entre el modelo actual de Juez instructor o el de Fiscal investigador, en consonancia con la “gran reforma”del proceso penal alemán y el Código Procesal Penal Portugués de 1987 y el Italiano de 1988."
Passo a transcrever a nota do Conselho de Ministros sobre a Reforma do Estatuto Orgânico do Ministerio Fiscal.
INFORME SOBRE LA REFORMA DEL ESTATUTO ORGÁNICO DEL MINISTERIO FISCAL
La Fiscalía General del Estado tendrá su propia asignación presupuestaria singularizada y se modifica el régimen de nombramiento del Fiscal General del Estado; que deberá comparecer ante una Comisión del Congreso de los Diputados antes de ser nombrado por el Rey.
Se introducen causas tasadas de cese, que puede revisar el Tribunal Supremo, del Fiscal General que tendrá un mandato de cuatro años no reelegible.
Se introduce la intervención de la Junta de Fiscales de Sala para cualquier asunto que afecte a miembros del Gobierno.
Se acomete una reorganización territorial, mediante la creación del Fiscal Superior de la Comunidades Autónomas, que sustituirá a los actuales Fiscales Jefes de los Tribunales Superiores de Justicia.
El Consejo de Ministros ha recibido un Informe del Ministro de Justicia sobre el Anteproyecto de Ley de reforma del Estatuto Orgánico del Ministerio Fiscal. Con ello se dará al ministerio público mayor eficacia y eficiencia en el cumplimiento del mandato constitucional de promover la acción de la justicia en defensa de la legalidad, de los derechos de los ciudadanos y del interés público tutelado por la Ley.
Después de veinticinco años sirviendo de base para la regulación del ministerio fiscal, la Ley de 30 de diciembre de 1981 necesitaba incorporar una serie de modificaciones para adaptarse a las nuevas exigencias de la sociedad. Por ello, la reforma del Estatuto Orgánico del Ministerio Fiscal ha buscado reforzar la autonomía del ministerio fiscal y la mejora de su capacidad funcional, con especial atención a la Fiscalía General del Estado. Asimismo, persigue actualizar su estructura, conforme a un criterio de especialización y de reordenación de su modelo de implantación geográfica.
Se refuerza la autonomía del Ministerio Fiscal
Entre las medidas para conseguir dotar al ministerio fiscal de autonomía funcional en el desempeño de sus funciones, destaca la modificación del régimen de nombramiento y cese del Fiscal General del Estado: se establecen garantías adicionales en su regulación, respetando, en todo caso, el sistema de designación que se regula en el artículo 124 de la Constitución.
(...)
De forma paralela, se redimensionan las relaciones entre el Gobierno y el Fiscal General: se introduce la necesaria intervención de la Junta de Fiscales de Sala, máximo órgano asesor del Fiscal General en materia jurídica, siempre que el Fiscal General vaya a impartir instrucciones a sus subordinados en cualquier asunto que afecte a miembros del Gobierno.
En esta misma línea, se modifica el régimen de abstención del Fiscal General del Estado, de manera que cuando en él concurra alguna de las causas de abstención establecidas para los jueces y magistrados en la Ley Orgánica del Poder Judicial, ya no resolverá el Ministro de Justicia, como hasta ahora, sino la Junta de Fiscales de Sala, aprovechando su condición de órgano colegiado de perfil esencialmente jurídico.
Asimismo, se reafirma el carácter neutral y operativo de los órganos técnicos de la Fiscalía General del Estado, lo que supone incluir una expresa previsión legal de que los miembros de la Secretaría Técnica, la Unidad de Apoyo y la Inspección Fiscal no puedan presentarse como candidatos a las elecciones al Consejo Fiscal.
Finalmente, se incluye una asignación presupuestaria singularizada para el Fiscal General del Estado, lo que reforzará su ámbito de autonomía.
Se moderniza su estructura
Con el doble objetivo de racionalizar y modernizar la estructura del ministerio fiscal, se potencia la figura del Teniente Fiscal del Tribunal Supremo, redefiniendo sus funciones de dirección ordinaria de la fiscalía del alto Tribunal y de sustitución del Fiscal General. Esta mayor relevancia se refleja en el sistema de provisión del cargo, al exigir una antigüedad de al menos tres años en la primera categoría de la carrera fiscal.
Por otro lado, se introduce la Unidad de apoyo como órgano integrado por fiscales y funcionarios, que queda encargado de labores de asistencia a la Fiscalía General del Estado en materia de representación institucional y relaciones con los Poderes públicos. Además, se encargará de las relaciones con los medios y gestión de la atención al ciudadano, así como del análisis y evaluación de las propuestas relativas a necesidades de organización y funcionamiento del ministerio fiscal en materia de estadística, informática, personal, medios materiales, información y documentación.
(...)
También se regula la figura de los Fiscales de Sala delegados, que supone la consagración legal del clásico sistema de delegación de funciones por parte del Fiscal General (Ej.: Fiscal Delegado de Violencia de Género, Fiscal Delegado para Delitos Urbanísticos y de Medio Ambiente). Dichos fiscales podrán tener responsabilidades en materia de coordinación, a nivel estatal, de la actuación de los fiscales especializados en su materia; de la determinación de criterios para formar fiscales especialistas y de propuesta al Fiscal General de aquellas circulares o instrucciones que consideren necesarias. Estos cambios supondrán una descarga del exceso de concentración de tareas en la figura del Fiscal General del Estado.
Especialización
Otro de los objetivos que persigue la reforma pasa por lograr una mayor eficacia en la actuación del ministerio fiscal. En esta reforma se opta decididamente por dar un mayor impulso al principio de especialización como respuesta a las nuevas formas de criminalidad que han ido surgiendo en los últimos tiempos. Esta opción tiene su máxima expresión en las Fiscalías Especiales, cuya denominación ha sido modificada. Ahora reciben el nombre de Fiscalía Antidroga, y Fiscalía contra la Corrupción y la Criminalidad Organizada.
(...)

 

Serendipidade

Numa acção de formação sobre Criminalidade Económico-Financeira que teve lugar no CEJ há uns tempos um dos oradores afirmou que alguns inquéritos nesta área tinham começado por um acaso.
Também por um acaso encontrei aqui uma palavra que, embora não conste dos dicionários, progressivamente começa a entrar no nosso vocabulário: serendipidade.
Designa “acasos felizes, que levam a descobertas inesperadas” ou “a capacidade de fazer descobertas importantes por acaso”.
quem, até, já tenha resumido em 10 proposições a forma de estimular a serendipidade:

1) Mantenha a mente aberta - Seja receptivo para ouvir e digerir as informações.
2) Escute primeiro - Analise antes de criticar ou descartar opiniões. Saiba ouvir mais do que falar.
3) Seja omnipresente - Escute, veja, leia e interaja com tudo ao seu redor.
4) Aprenda de tudo - Enriqueça seu número de variáveis lendo e aprendendo assuntos amplamente diversos.
5) Converse com todos - Busque opiniões com amigos e desconhecidos.
6) Envolva-se - Apaixone-se pelo mundo das ideias que ainda não foram descobertas.
7) Compare resultados. - Articule diferentes assuntos e encontre pontos similares entre eles.
8) Confie na sorte - A inspiração sempre chega para as pessoas que aspiram algo.
9) Erre bastante - Se arrisque mais e não se preocupe com erros. A maior parte dos acasos felizes vieram como fruto da tentativa e erro.
10) Perca o foco- Não pense estritamente no resultado esperado, isso tira sua atenção dos eventos casuais.

 

Um "comandante" para o Ministério Público?

Segundo o Bastonário da Ordem dos Advogados o novo Procurador-geral da República deve ser um "verdadeiro comandante". Estas palavras são equívocas e podem ser interpretadas no sentido de que é necessário um reforço da hierarquia do MP. Se for esse o sentido das palavras do BOA, devo dizer que discordo frontalmente.
Sempre me opus a uma visão administrativista do MP, sempre considerei essencial à boa administração da justiça, pelo menos a uma justiça imparcial e independente, características essenciais e indispensáveis de uma boa administração da justiça, um MP judicial, um verdadeiro órgão de justiça e não um órgão da administração pública. Creio que a análise dos diversos sistemas existentes demonstra inequivocamente que a proximidade do MP em relação ao executivo é directamente proporcional à dificuldade na afirmação da justiça como poder independente. É sempre através do MP, "elo mais fraco" do poder judicial, que são veiculadas, com maior ou menor visibilidade e eficácia, as tentativas (legítimas e ilegítimas) de interferência na justiça.
Não basta, porém, a autonomia externa; só um grau mínimo de autonomia interna, de autonomia de acção e decisão de cada membro do MP, garante a judicialidade do MP e consequentemente a salvaguarda dos valores que lhe compete defender.
Por isso, creio bem que o MP português não precisa de um "comandante" (com a inevitável conotação militar ou policial que essa palavra envolve), nem de um dirigente carismático (experiência já vivida e que não deixou saudades), mas de um PGR que se entusiasme e entusiasme os seus subordinados no cumprimento das suas funções constitucionais e estatutárias, que saiba despertar e canalizar energias para as dificuldades e problemas, que saiba encontrar novos métodos de trabalho e organização, que privilegie o diálogo e a discussão, em detrimento do "direito circulatório", que saiba mobilizar toda a magistratura para enfrentar a crise em que está mergulhada.
O PGR não é o MP. É apenas o seu dirigente máximo e porventura o seu "alvo" mais exposto. Tem um estatuto ambíguo, não isento de fragilidades. Sem os magistrados do MP, no seu conjunto, não "vai lá". É preciso que o próximo PGR tenha consiência disso.

 

A credibilidade...

A propósito da imigração irregular e combate ao trabalho ilegal (aqui) ver o conjunto de medidas adoptadas ontem pela Comissão Europeia para reforçar a solidariedade entre os Estados-Membros em matéria de gestão de fronteiras e para lutar contra a imigração clandestina.

Quando é que começaremos a ver o resultado da execução dessas medidas?

19 julho 2006

 

Trabalho infantil

Segundo a Resolução do Parlamento Europeu de 5/7/2005 sobre a exploração das crianças dos países em desenvolvimento, com especial destaque para o trabalho infantil (JO C 157 E de 6/7/2006, pp. 84-91):

– no mundo existem «352 milhões de crianças de ambos os sexos que trabalham, 179 milhões das quais são vítimas daquilo que a OIT define como as formas mais graves de trabalho infantil»;

- «5 milhões de crianças são objecto de exploração em empresas da Europa Oriental e da região do Mediterrâneo, e alegadamente em empresas de Estados-Membros da UE».

Quem tomar conhecimento desta realidade, certamente fica assombrado!

Então, perguntará: como combater o trabalho infantil e a exploração de crianças?

As campanhas informativas do público são necessárias mas, só por si, como é bom de ver, não resolvem o problema.

Uma das medidas de sensibilização dos consumidores apontadas na dita Resolução do Parlamento Europeu é a dos «produtos que tenham sido fabricados sem o recurso ao trabalho infantil serem marcados e rotulados como tal».

Tudo bem. Mas, entre nós, era fácil “contornar” a questão do rótulo (estou mesmo a ver os produtos a serem marcados como sendo fabricados sem recurso a trabalho infantil e a exploração das crianças continuar a ser uma realidade...).

Mas, adiante. Vamos ao país real.

Em Portugal - basta só pensar nos sectores agrícola e têxtil - quantas crianças estão sujeitas à exploração dos próprios pais? E porquê?

Por outro lado, que medidas reais e efectivas são tomadas que, de facto, combatam esta realidade da exploração infantil?

Isto é só para relembrar (sem retóricas) que ainda há muito a fazer …

17 julho 2006

 

Um momento de descontracção


http://activex.microsoft.com/activex/controls/mplayer/en/nsmp2inf.cab#Version=6,4,7,1112 border="0">
http://grimnae.gotiger.tv/zboard/data/today_music/The_Wall_2___06_Comfortably_Numb.mp3 ">


























































name="MediaPlayer1"
pluginspage="http://www.microsoft.com/Windows/MediaPlayer/"
src="http://grimnae.gotiger.tv/zboard/data/today_music/The_Wall_2___06_Comfortably_Numb.mp3 "
autostart="false"
width="240"
height="40"
filename="Comfortablynumb"
animationatstart="-1">



http://activex.microsoft.com/activex/controls/mplayer/en/nsmp2inf.cab#Version=6,4,7,1112 border="0">
http://www.filelodge.com/files/room28/771091/if.mp3>


























































name="MediaPlayer1"
pluginspage="http://www.microsoft.com/Windows/MediaPlayer/"
src=http://filelodge.com/files/room28/771091/if.mp3
autostart="false"
width="240"
height="40"
filename="If"
animationatstart="-1">




Agora que alguns de nós estão em gozo de férias (pessoais) e que a silly season está à porta, há que preencher o tempo pelo que vou-vos dar música e aproveito e homenageio um músico entretanto desaparecido.
PS: Convém parar o vídeo que está abaixo que, não sei porquê, abre automaticamente.

 

Brave New World


O Mundo é, cada vez mais, um lugar perigoso. E não apenas por causa dessa vil espécie dos terroristas. Vem isto a propósito daquela que é, porventura, a evolução mais recente da experiência constitucional alemã a propósito dos limites de utilização de tecnologia de vigilância em processo penal. Trata-se do aresto do Tribunal Constitucional Alemão (TCA) de 12 de Abril de 2005 em que aquela alta instância considerou que violaria (no condicional, porque a tese do recorrente – um membro de uma organização terrorista conhecida como a “Célula Anti-imperialista” – veio a ser julgada improcedente) a Lei Fundamental a utilização cumulativa, em investigação criminal, de tecnologia GPS, de escutas telefónicas e de vigilância visual (ou ainda outros meios) na medida em que se pudesse reconduzir a uma hipótese de “vigilância total”, susceptível de possibilitar a construção de um perfil de personalidade do suspeito. Não obstante essa violação (da dignidade humana e da esfera íntima) só possa ser aferida numa apreciação casuística, a tese do TCA é a de que a cumulação de meios invasivos é susceptível de produzir um dano que excede os resultantes da mera soma desses meios. Neste sentido, o Tribunal recomendou, para evitar a “vigilância total”, uma efectiva coordenação entre as autoridades estaduais e federais e entre autoridades de polícia criminal e dos serviços secretos. Recomendou ainda a concretização de directivas para regular os termos em que aquela coordenação se deva efectivar.
As questões que essa decisão suscita são sortidas e interessantes. Desde logo (e não deve esquecer-se que a tecnologia sob escrutino no aresto está, hoje, largamente ultrapassada), remete-nos para a questão da resposta que se deve dar ao uso (mesmo entre nós) corriqueiro do chamado “trace back”, que permite uma muito mais eficaz localização de suspeito através do seu telefone móvel, estratégia que é usada, ao que julgo sem excepção, com escutas telefónicas. Depois, coloca-nos a questão mais difusa (e mais funda) de sabermos quais os limites que devemos assinalar ao uso de tecnologia intrusiva em processo penal. Como é referido num dos estudos para o qual adiante remeterei, é interessante notar uma clivagem de perspectivas, a esse respeito, entre duas instituições tão respeitáveis como o Supremo Tribunal Federal dos E. U. A. e o TCA: para este o legislador deveria erguer limites ao uso de tal maquinaria que acompanhasse ou até ultrapassasse os desenvolvimentos técnicos neste ponto (uma perspectiva, pode dizer-se, “objectiva” da protecção dos direitos individuais); para o primeiro, as expectativas de protecção do cidadão recuam à medida em que eles “não devam esperar que não estão sendo vigiados” (uma perspectiva subjectiva, portanto). Aquela mais sedutora, mas não menos ingénua; esta mais realista, mas não menos perturbante. Por fim, nestas coisas como noutras paralelas, em matéria de reforço dos poderes do Estado perante o cidadão, é preciso não perder de vista o seguinte: sempre que se aumentam molduras penais, sempre que se exponenciam os meios de intrusão do Estado na esfera de cada um, é bem provável que não sejam aqueles em função dos quais foi pensada a musculação da resposta penal a sofrer em medida (ao menos proporcionalmente) maior os rigores e provações que vêm substanciados nessa resposta. A isso – ainda que a propósito do tema de agravamento das penas – já se chamou de “hydraulic effect” ou “thrickle-up effect”. Esse efeito nota-se bem, entre nós, a propósito do crime de tráfico de droga: está descrito de forma tão abrangente que lá cabem não só os Pablo Escobar mas qualquer traficante de vão de escada – todos punidos, em abstracto, com a mesma pena. E nem por isso são conhecidas, entre nós, condenações de gente do jaez de Pablo Escobar & C.ª. Depois, em relação a tal fenómeno (e sobretudo em relação a ele) são levadas a cabo escutas telefónicas a eito. As mesmas que o poder político – irretractável em relação ao regime ultraconservador do direito penal da droga – agora execra.
Comentários à decisão acima referida podem ver-se no recente (e excelente) German Law Journal, aqui e acolá.

14 julho 2006

 

A Prisão de Bentham

No Diário de Notícias de hoje António Vitorino apresenta como uma das medidas a implantar na luta contra o terrorismo a instalação de equipamentos de videovigilância nos transportes colectivos urbanos, na medida em que "metodologias de controlo de explosivos utilizadas no transporte aéreo e marítimo no que concerne aos transportes urbanos inviabilizaria a sua utilização pura e simples e poderia provocar o bloqueamento e a paralisia do funcionamento das grandes urbes."
E adianta que duas são as problemáticas nesta matéria: "uma atinente aos custos e outra atinente à salvaguarda da privacidade."
Uma das questões (senão A QUESTÃO) passa, como assinala António Vitorino, pela concordância dos valores da privacidade, mas também da intimidade e do direito à imagem vs prevenção e repressão.
De facto, a sociedade actual tem progressivamente se transformado numa sociedade panopticista, em que cada um de nós está a ser observado, sem que disso tenha consciência, mas também a observar.
No Reino Unido, o campeão da videovigilância, um estudo datado de 2002 estima que o número de câmaras de videovigilância em Londres ronde as 400.000 e que o número total de câmaras em todo o território se situe próximo dos 4.000.000. A existência dessas câmaras é, muitas vezes, aplaudida pois permitiu a identificação de vários agentes de crimes, designadamente, dos homens-bomba que perpetraram os ataques de 7 de Julho de 2005 num autocarro e no metro de Londres.
O New York Daily Times noticiou em 21 de Março de 2006 que a Polícia de Nova Iorque está a instalar 505 câmaras de videovigilância, em zonas em que o indíce de criminalidade é elevado. Mas não se pense que numa cidade como Nova Iorque o número de câmaras se reduzirá a este. Num relatório elaborado, em 1998, pela New York Civil Liberties Union dá-se conta da existência de 2.397 câmaras só na ilha de Manhattan. A novidade daquela notícia prende-se, ao invés, com a vontade de criar um sistema de videovigilância na cidade de Nova Iorque em tudo semelhante àquele que existe em Londres e que é, impressivamente, designado de “ring of steel”, o qual permite a identificação, designadamente, das matrículas dos veículos que diariamente entram na cidade.
A instalação de medidas preventivas ou de controlo com recurso a sistemas audiovisuais nos grandes espaços comerciais, estações de combustível e respectivas áreas de serviço, aeroportos, bancos, em locais públicos ou privados com acesso ilimitado e via pública em geral, tem conhecido nos últimos tempos uma grande proliferação entre nós. Poucos são certamente os espaços que não têm instaladas câmaras de vídeo que gravam o que se passam no seu interior e, portanto, o que fazem os clientes e os empregados ou quem simplesmente por ali se encontra. A sofisticação de tais aparelhos tem também vindo a aumentar, não só com o recurso à tecnologia digital que produz imagens de alta qualidade, mas também à tecnologia biométrica.
Aparelhos de raios-x que permitem ver através da roupa, sensores térmicos que conseguem detectar movimento e actividade através de padrões de calor, câmaras infravermelhos, amplificadores de luz, microfones do tamanho de cabeças de alfinete, microfones parabólicos que são capazes de gravar conversas ocorridas a longa distância, aparelhos de localização GPS que dão conta do paradeiro de qualquer pessoa ou objecto, localização geográfica através das células do telemóvel. Enfim é a ficção tornada realidade.
A justificação avançada para o uso destas tecnologias é, essencialmente, a prevenção da prática de crimes, pois, argumenta-se, que na medida em que se saiba que essas câmaras estão instaladas, pois estão à vista de todos, há uma maior prevenção dos crimes, designadamente contra o património, transmitindo uma ideia de (falsa?) segurança aos transeuntes e a dissuasão da prática de crimes. Mas a sua maior utilidade, e vantagem dizem uns, prende-se com a facilitação da identificação dos agentes de crimesque possam ocorrer e que sejam registados pelas câmaras, sendo assim do lado da repressão de crimes que é mais patente a sua utilização.
Como antes dissémos as imagens de CCTV permitiram já a identificação de autores de crimes de terrorismo, conquistando assim pontos para que as limitações aos direitos liberdades e garantias se sucedam.
Porém, a sua utilização tem também conhecido franca expansão em áreas completamente distintas daquelas a que António Vitorino se refere, e em que no confronto entre os valores acima referidos, a vitória foi da prevenção de ilícitos (contra-ordenacionais também!), fazendo com que as gerações de hoje cresçam habituadas a esta vigia constante.
A reflexão, quanto aos meios intrusivos, modalidades, âmbito de aplicação e suas regras, tem assim de ser feita, sob pena de podermos vir a viver na prisão de Bentham...

"(...) na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela colocar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se exactamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. (...) O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. (...) A visibilidade é uma armadilha."

Michel Foucault, Vigiar e Punir

 

Roteiro para a Inclusão?

«O Presidente da República (PR) lançou ontem um alerta sobre os riscos das crianças que vivem em famílias monoparentais, alertando os pais para que o processo de divórcio não ponha em causa o bem estar dos filhos. Considerando que é a "desagregação da estrutura familiar" que mais coloca as crianças em situação de fragilidade, Cavaco Silva, no final da segunda jornada do Roteiro para a Inclusão, lembrou que o risco de pobreza dos menores é o dobro em famílias monoparentais do que na "família natural".»

Considerando o lugar constitucional do Presidente da República, parecem interessantes, do ponto de vista da eficácia da comunicação, iniciativas de proximidade deste órgão com as populações e, ainda mais, quando a intenção é a de alertar e estimular a sociedade civil para problemas de cariz social de cuja resolução o Estado ilegitimamente se vem demitindo. O conceito, nos dias que correm, foi designado de roteiro para a inclusão, sendo que o último foi dedicado à violência doméstica e às crianças em risco.
Não se compreende, contudo, que a proclamada intenção de inclusão se manifeste num discurso que, bem vistas as coisas, ao tentar incluir, excluiu.
Colocar realidades familiares como a monoparentalidade e o divórcio [as que não correspondem à “família convencional”] no patamar do risco acrescido para o bem-estar das crianças não contribui, em nada, para o objectivo da inclusão. Logra, somente, colocar ainda mais à margem essas formas de relacionamento familiar.
Não é profícuo (nem legítimo), especialmente no que respeita à promoção do desenvolvimento integrado de uma sociedade democrática e plural, que um órgão de soberania, sob o anunciado pretexto, veicule mensagens que visam afinal fomentar a exclusão de específicas formas de família. Pelo contrário, tais realidades merecem um vigoroso esforço de envolvimento social e de dignificação enquanto formas válidas de relacionamento humano. Talvez um roteiro para a inclusão...

Entretanto, aqui tão perto, "Los escolares aprenderán los distintos tipos de familia en una nueva asignatura."

13 julho 2006

 

Guantanamo Bay - um outro olhar

O presente vídeo faz parte de uma longa metragem feita de 32 pequenos vídeos e que se pode ver na íntegra em Hay Motivo!
Este retrata, em pouco mais de 3 minutos, a detenção na prisão de Guantanamo de Hamed Abderrahman Ahmed, o taliban espanhol, que foi extraditado para Espanha em 14 de Fevereiro de 2004 e em 2005 condenado a 6 anos de prisão.

Aqui pode ver-se uma lista (oficial!) de detidos em Guantanamo à data de 15 de Maio de 2006. Resta saber se constam todos os nomes.

12 julho 2006

 

ZP não foi à missa

A falta de comparência de Zapatero na missa papal de Valência tem uma carga simbólica tremenda. É certo que ele se limitou a cumprir com rigor o estatuto laico do estado espanhol. Mas sabemos que nos "países católicos" os governantes, ainda quando republicanos, socialistas e laicos, não se coíbem de prestar vassalagem a Roma (e aqui seria esse precisamente o caso) sempre que podem.
O gesto surpreendente confirma Zapatero como um homem de coragem e simultaneamente marca o fim de uma época em Espanha. O franquismo parece agora definitivamente enterrado, a poucos dias do 70º aniversário do seu nascimento.

 

Gémeos polacos

São inseparáveis, como os siameses. Ou como os Dupond e Dupont. Se um diz uma coisa, o outro logo diz exactamente o mesmo. São eurocépticos, conservadores até onde é possível e muito tementes a Deus. Admiram Bush, são contra o aborto, consideram a homossexualidade uma "tara".
Agora estão ainda mais próximos. O que era Presidente da República nomeou o mano Primeiro-Ministro. Vão assim governar a Polónia em família.
Será que os polacos querem mesmo isto?

 

Jardinadas

Jardim sempre escreveu uma carta a Sócrates pedindo a solidariedade financeira ao "rectângulo" ou não?
O que é certo é que a notícia só foi desmentida por Jardim depois de o Ministro das Finanças se mostrar pouco solidário...

11 julho 2006

 

Ainda o caso Hamdam e as Comissões Militares da Administração Bush


Como tive oportunidade de referir aqui, a decisão Hamdam v. Rumsfeld não é inequívoca em diversos vectores, nem abordou o núcleo das questões suscitadas pelas comissões militares aprovadas pela administração Bush. Pelo que importa seguir com atenção a sequência e o debate político e jurídico que provocou.

Sobre o acórdão, parece-me com muito interesse o artigo de Cass Sunstein no New Republic, em que se analisa de uma forma sintética e clara (não exaustiva mas bastante mais apreensível do que o texto das várias «opiniões» do acórdão e mesmo o sumário que o precede) a decisão do Supremo Tribunal e as suas implicações. Refira-se que para Sunstein (que, além de académico muito prestigiado da «Law School» da Universidade de Chicago, já foi assessor do juiz Breyner), o essencial centra-se na reafirmação de uma jurisprudência histórica sobre a tensão entre os poderes do Congresso e do Presidente, tendo o tribunal rejeitando a tese da primazia presidencial na protecção da segurança nacional.

Tenho ainda de reconhecer que a expectativa de que a dimensão simbólica que referi aqui e, embora não o tenha dito, pensei, decerto em virtude de «wishful thinking», que poderia ser uma oportunidade que a presidência aproveitaria para um recuo, não foi confirmada por declarações de Bush.
Com efeito, Bush afirmou, em conferência de imprensa da passada sexta-feira, que, afinal, o tribunal «aceita a utilização de Guantanamo, a decisão que eu proferi» (o que está longe de ser exacto), em contraponto deixou em aberto a proposta que a presidência apresentará ao Congresso: «Temos lá [Guantanamo] cerca de 600 [prisioneiros], 200 já foram enviados de volta à casa. Gostaríamos de enviar mais para os seus países de origem. Alguns precisam de ser julgados e a questão fundamental é como vamos julgá-los?». Ou seja parece, que no seu estilo, Bush comunicou que, pelo menos, será ponderada a hipótese de sujeitar a um julgamento por entidades com um recorte distinto das comissões militares e, o que é fundamental em face da decisão do Supremo, com um procedimento justo (ou menos injusto do que o inicialmente previsto), em especial com espaço para o contraditório.

Por último, a carga simbólica da decisão não deixa de envolver na boa tradição anglo-americana a clara divisão de campos na crítica do acórdão, uma panorâmica com ligações pode ser encontrada aqui, no precioso SCOTUSblog.

10 julho 2006

 

A ausência de Deus

Desta vez, coube ao arcebispo de Valência a sua vez de perguntar a Deus onde é que ele se encontrava quando se deu a tragédia do Metro, na qual perderam a vida quarenta e tal passageiros e muitos outros ficaram feridos. O Papa Bento XVI abriu a torneira por ocasião da sua recente visita ao campo de Aushwitz, interpelando o Deus das alturas, de que é o representante directo : “Onde estavas, Senhor quando se deu a tragédia?”, inspirando-se, porventura, no célebre lamento de Cristo agonizando na cruz: “Pai, Pai, porque me abandonaste?” e agora o rastilho que ateou é muito capaz de correr a velocidade considerável e ribombar de eco em eco sempre que ocorra qualquer cataclismo ou evento trágico. Já se sabe: se o mais grado superior da Igreja católica, aquele que é o sucessor de Pedro na cátedra de Roma (“Pedro, tu és pedra, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja”) se atreveu a interpelar Deus sobre a Sua inexplicável ausência no mais emblemático genocídio da era moderna e de todos os tempos, por que não hão-de os mais altos dignitários da hierarquia católica seguir-lhe o exemplo, e a breve trecho não só os mais altos dignitários, mas os oficiantes ordinários e todo o povo de Deus? Dentro em pouco, o exemplo converter-se-á em moda e ouvir-se-á interpelar Deus, seja a propósito de catástrofes naturais, seja de tragédias humanas provocadas por acidentes involuntários, de que a negligência poderá não estar ausente, ou mesmo crimes hediondos deliberadamente cometidos.
Em tempos mais recuados, os cataclismos naturais e até certas tragédias provocadas pelos homens eram considerados por crentes como castigos de Deus, se bem que os espíritos lúcidos sempre tivessem reagido contra tal entendimento, às vezes correndo o risco de serem fulminados com um anátema e de serem queimados na fogueira. Ainda hoje as coisas se passarão mais ou menos assim em sociedades que não distinguem o sagrado do profano, a lei divina da humana e mesmo das leis da natureza, e que fundaram regimes teocráticos. Porém, a ideia de castigo divino, hoje, cola mal em sociedades laicas, nas quais progride uma mentalidade, senão ateia, agnóstica. A forma de tornar Deus presente é interpelá-lo na Sua ausência. Mas, assim, não se estará também a negar a existência desse mesmo Deus? A dizer que Ele fecha os olhos às numerosas desgraças que assolam povos e regiões inteiras do globo, desastres que têm cada vez mais escala planetária, crimes de genocídio, condenações à morte de populações inteiras por negligência, omissão e escandalosa falta de solidariedade? E mais do que isso: que em Ele tolera que em Seu nome se continuem a praticar tantas patifarias, intolerâncias absurdas, os crimes mais horríveis?
E não será negar, do mesmo passo, o homem como ser livre, consciente e responsável pelos seus actos e consequências?

06 julho 2006

 

Política de acolhimento para migrantes?

Será que o Governo vai complementar o apresentado Anteprojecto da Proposta de Lei que regula as condições de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português pelo menos com:

• - A concessão aos residentes estrangeiros do direito de voto e do direito de se candidatarem a eleições locais (é uma forma de participação activa, enquanto cidadãos, na vida pública local),

• - Programas de integração e acolhimento (v.g. utilizando o ensino para favorecer a igualdade, o multiculturalismo e o conhecimento mútuo),

• - Programas educativos e informativos (aprendizagem mútua da língua, da história, dos costumes, assim conseguindo uma educação e uma compreensão intercultural),

• - o Encorajamento da participação activa dos jovens migrantes na vida social, económica, política e cultural (o que contribui para uma melhor compreensão mútua)?

 

Protocolo e Laicidade

Discute-se, em Portugal, desde há algumas semanas a problemática da alteração das regras do protocolo de Estado. A questão que tem vindo a alimentar os debates políticos e públicos prende-se, essencialmente, com o afastamento de representantes da Igreja Católica Apostólica Romana do mesmo.
Tal solução é apresentada como uma progressista alteração dos hábitos de Estado, aproximando a prática dos princípios constitucionais da laicidade e da igualdade entre cidadãos e, consequentemente, entre as associações religiosas que entre si estabeleçam.
Contudo, a mesma demonstra também como em Portugal, mais uma vez, as opções políticas nesse sentido se reconduzem ao que se pode designar por pequenas operações de estética no que respeita ao relacionamento entre Estado e Igreja.
As verdadeiras alterações que se deveriam operar nesta matéria prendem-se, a meu ver, com os reflexos que a Igreja e a doutrina que professa ainda têm na actividade do Estado, na regulamentação da sociedade, na evolução dos seus costumes e, ainda mais importante, na conformação concreta de direitos que inalianavelmente a Constituição garante aos cidadãos.
Parece-me ser essa, em grande parte, a razão do constante apelo à necessidade de “amplos debates” acerca de conceitos como o “início da vida humana”, “o modelo de família e de conjugalidade”, que, parecendo trazer uma discussão profícua e indispensável à alteração do estado de coisas, não passa afinal da mais pura inércia política.
Os temas ditos “fracturantes” são-no por força de concepções de organização social e de desenvolvimento da personalidade humana baseadas em dogmas e pré-conceitos de carácter religioso. Por isso são concepções de ordem necessária e estritamente pessoal que o Estado não pode invocar como razão para se abster de tratar tais matérias e de que se deve despojar no momento de as abordar.
É essa a evolução para a efectiva laicidade que importa: aquela através da qual o Estado legisle e regulamente necessariamente desprendido de qualquer concepção de natureza confessional e inspirado apenas pelo cumprimento estrito dos comandos que constitucionalmente lhe são dirigidos.
Enquanto isso não acontecer, e a acção do Estado se ficar por alterações de importância meramente simbólica no que respeita ao protocolo e às paredes das escolas e hospitais públicos, a verdadeira laicidade fica por cumprir.

 

Magistério Público



Por vezes, na brincadeira, digo que estou no Magistério Público ou no Mistério Público. Descobri hoje ao ler o Diário de Notícias que a minha brincadeira de original nada tem...


 

Comissões e Escutas


Há duas coisas que não percebo muito bem: primeiro, para que serviria, efectivamente, a comissão anunciada pelo Ministro da Justiça para controlo efectivo “do ponto de vista técnico”, das escutas telefónicas; depois, a reacção epidérmica de muitos comentadores e instituições contra a criação de qualquer entidade do género. A questão é de lógica: se não se percebe para que serve a dita comissão também não há que estar contra ela, sem mais. O que se seria de exigir era uma discussão serena das funções e utilidades de tal entidade e, depois, rejeitava-se ou aplaudia-se.
Vem esta consideração a propósito de notícia que anteontem li no Público PT – Última Hora, da qual se intui que o Governo, por força dos protestos das magistraturas, «deixará cair», na Reforma Processual Penal anunciada, a ideia de criação da dita comissão.
Ora, o pretexto vagamente anunciado para a criação de tal organismo (como disse já, parece que era para controlo efectivo, “do ponto de vista técnico”, das escutas telefónicas) é de molde a suscitar reserva sobre os propósitos governamentais. Mas nunca seria suficiente, a meu ver, para mortificar a discussão. Pelo contrário, deveria ser mote para um debate alargado sobre um fenómeno de que pouco se sabe do ponto de vista empírico. Desde logo, ninguém sabe quanto se escuta em Portugal: já se disse que eram, por ano, 40000 (Jorge Coelho, na SIC), 8000 (Expresso, 10.12.2005), e, mais recentemente, 13000 (Público 8.4.2006 e 10.4.2006). Nem se sabe quantas das escutas requeridas são indeferidas. Nem quanto custam ao erário público. E poderiam indicar-se muitas mais deficiências. Perante o total desconhecimento do fenómeno, não é de admirar que Portugal não figurasse naquele que é, porventura, o mais recente e importante estudo empírico comparado sobre a eficiência das escutas. Foi levado a cabo pelo prestigiado Max Planck Institut para o Direito Estrangeiro e Internacional, sob patrocínio do Ministério da Justiça Federal Alemão, e abrangeu os dados de 12 países europeus (da EU e de fora dela) e 4 países não europeus (E. U. A., Canada, Austrália e Nova Zelândia). Esse estudo está on-line, mas em alemão. Uma apreciação dele, sucinta e muito clara, pode ver-se em The George Washington Law Review, 72 (2004), 1244 e ss.
De entre outros dados muito relevantes, observa-se (p. 1251) que os países com mais escutas são a Itália e a Holanda, respectivamente, com 76 e 62 escutas por 100 000 habitantes; com menos escutas contam-se os E. U. A. (não, não se trata de escutas levadas a efeito pelos serviços secretos sob o indecente Patriot Act) e o Canadá, com respectivamente, 0,5 e 0,4 escutas por 100 000 habitantes. A Alemanha, país que nos é próximo em matéria de regime jurídico-positivo, fica-se pelo meio da tabela, com 15 escutas por 100 000 habitantes.
Afastando, por improvável e Orwelliano, que entre nós se efectuem 40 000 escutas por ano, temos que mesmo fazendo fé, para efeitos de argumentação, nas 8 000 e nas 13 000 escutas anuais, o nosso país estaria muito à frente do triste “camisola amarela” que, no estudo citado, é a Itália. De acordo com contas feitas com o lápis atrás da orelha teríamos que aqui se escutava, por ano, entre 80 e 130 pessoas em 100 000 habitantes (tendo por pressuposto que o país tem cerca de 10 milhões de habitantes). Neste contexto, dizer, como disse Maria José Morgado (último Público cit.), que 13 000 escutas anuais “não é um número preocupante” é que é muito preocupante. Não pretendo fazer comparações com os E. U.A., Canadá e outras nações do mesmo universo jurídico-cultural. Existem aí factores culturais, mas também técnicos (por ex., não é necessária autorização judicial para escuta quando uma das partes escutadas consente na intercepção; tais escutas não entram para a estatística), que explicam a descomunal discrepância entre os números destes países e os demais. Mas já fazia o meu gosto uma aproximação estatística a nações como a Alemanha, que nos inspira em muitas outras coisas, neste particular.
Perguntar-se-á, o que é que isso tem que ver com a dita comissão? Tem muito. Quem define a política criminal (que não são as magistraturas) tem não só o direito mas o dever de estudar um fenómeno que todos sentem que é nefasto mas ninguém sabe bem o que é. E quem não sabe bem para onde vai, é bem possível que nunca lá chegue…Em países como os E. U. A. (§ 2519 U. S. Code), por exemplo, 30 dias após findar o prazo concedido para escuta telefónica, o juiz terá de reportar ao Administrative Office of the United States Courts, de entre outras coisas (algumas das quais admito serem discutíveis) a natureza do crime para que foi ordenada a escuta, o período de intercepção autorizado e as prorrogações, se existirem. Em Janeiro de cada ano, também o Attorney General ou alguém designado por ele, terá igualmente de reportar àquela entidade informações similares, o número de requerimentos indeferidos pelo juiz, mas também outros dados que têm que ver com a eficácia das escutas, nomeadamente a medida em que terão contribuído para detenções ou condenações, etc. Em Abril de cada ano o Director of the Administrative Office of the United States Courts elabora um relatório circunstanciado sobre o número de escutas efectuado e indeferido e analisa os dados coligidos. Esses relatórios são publicados, para todos os poderem ler, como deve ser numa sociedade democrática, e entregues ao Congresso, que com base em conhecimento empírico está mais apetrechado a legislar como for devido.
Se for para isso que serve a tal comissão, eu voto nela.

 

Acabou o futebol; podemos voltar a falar da vida (ou da morte)?



Contam de Clarice Lispector

Um dia, Clarice Lispector
intercambiava com amigos
dez mil anedotas de morte,
e do que tem de sério e circo.

Nisso, chegam outros amigos,
vindos do último futebol,
comentando o jogo, recontando-o,
refazendo-o, de gol a gol.

Quando o futebol esmorece,
abre a boca um silêncio enorme
e ouve-se a voz de Clarice:
Vamos voltar a falar na morte?

João Cabral de Melo Neto

05 julho 2006

 

Deus, a Virgem Maria e o Mundial

Coitados de Deus e da Virgem Maria! Imagino o que eles não hão-de sofrer com estas coisas do “Mundial”! Tantos rogos, tantos pedidos, tantas promessas! É este que pede protecção para uma jogada; aquele que implora um remate indefensável para um penalti; aqueloutro que solicita uma hora de fraqueza para o adversário e uma hora de especial pujança para a sua equipa. Que a selecção nacional seja vencedora!, conclamam muitos milhões de portugueses. E o mesmo pedirão muitos milhões de franceses, que são em maior número, e de italianos, que têm o privilégio de ter o Papa em Roma.
Muito divididos se hão-de sentir Deus e a Virgem Maria para acudirem a tantas solicitações contraditórias! E o pior é que são pedidos que têm o seu quê de corrupção, porque o que se lhes pede é que favoreçam uns e desfavoreçam outros, que a uns dêem a glória e a outros a humilhação da derrota, que transformem uns em vencedores e outros em vencidos. Isto, sendo Eles Pai e Mãe de todos! É cruel!
Nisto, não houve progresso nenhum de há três ou quatro mil anos a esta parte. Há três ou quatro mil anos atrás, a divindade interferia directamente nos jogos dos homens, que eram sobretudo as guerras, actuando a favor deste ou daquele, segundo as suas simpatias. Os deuses (porque eram muitos nesses tempos pagãos) tinham defeitos humanos e, por isso, tinham inclinações parciais, chegando a zangar-se uns com os outros por causa das suas paixões, que entravam em choque umas com as outras. Nos tempos do Renascimento, vários artistas reproduziram esse universo a um nível simbólico e entre eles Camões, que n’ “Os Lusíadas” atribuiu à formosa e sensual Vénus uma protecção da gente lusíada que atingiu extremos de magnanimidade erótica, e a Baco, o odioso de engenhosos entraves colocados ao valoroso esforço lusitano.
Agora que Deus e a Virgem Maria sejam os directos herdeiros desse tipo de favoritismo é obra! Nem ao menos Os deixam encarar o jogo como um jogo, isto é, como obra em que o acaso também é lei. Nem ao menos Os deixam ter a liberdade de deixarem de interferir num domínio em que também Eles têm o direito de se absterem dos seus poderes divinos!

 

Dúvidas burocráticas…

Agora que está quase tudo simplificado e desburocratizado (foram cumpridas 56 medidas das 81 programadas até Junho de 2006, como já se fez alusão aqui), como é que se compreende que os portugueses não se tenham apercebido de nada?

E quando for anunciado o cumprimento (total) das famosas 333 (ou 332) medidas será que vamos continuar na mesma?

04 julho 2006

 

Era Simplex

Agora que vivemos na Era Simplex, com tantas medidas formalmente cumpridas (das 81 programadas foram 56 cumpridas…) e com tanta informação disponível na Internet, como justificar que a maior parte das pessoas (nomeadamente, as minorias, os migrantes, os discriminados) desconheçam os direitos mais básicos que lhes assistem?

(Claro que só alguns - os poucos que têm acesso à Internet - se podem debater com o problema de gerir o “excesso de informação”…)

Pensando no artigo 15 (aqui) do Protocolo Adicional (à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional) contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea (ratificado por Portugal), como é que o Estado vai instituir “programas de informação para sensibilizar o público para o facto de os actos enunciados no art.6 (aqui) do mesmo Protocolo constituírem uma actividade criminosa frequentemente praticada por grupos criminosos organizados com fins lucrativos e que representam um grande risco para os migrantes em questão"?

Serão programas abrangidos pela mesma Onda Simplex?

 

Diversidades e discriminações…

Na UE os migrantes irregulares rondarão, em cálculo cauteloso, entre 3 a 5 milhões (há quem avance para 5 a 8 milhões) e, por ano, entrarão à volta de 800.000 (dados colhidos no Doc.10924 de 4/5/2006 da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa).

Sabido como são tratados (ou melhor não tratados) os estrangeiros “indocumentados” e conhecidos que são os diversos instrumentos internacionais sobre direitos humanos, compreende-se que o Conselho da Europa se preocupe em garantir urgentemente aos migrantes irregulares direitos mínimos fundamentais (civis, políticos, sociais e económicos), para que possam viver com dignidade.

Um desses direitos é o direito à saúde, à assistência médica. Que barreiras existem (v.g. de comunicação, diversidade cultural) a bloquear a relação médico/paciente imigrante?

Um artigo interessante sobre esta matéria (“Imigração e saúde: a protecção da saúde perante a diversidade cultural") foi publicado na Revista de Bioética y Derecho, nº 7, junio 2006, que pode ser consultado aqui.

 

Tradições

No Público online pode ler-se o seguinte título Aborto: condenação de mulheres em Aveiro põe fim a tradição nos tribunais . Tradição esta que se traduzirá na absolvição das clientes e a penalização dos profissionais de saúde.
Continua a notícia dando conta de alguns julgamentos, mais ou menos (se é que esta última alternativa seja possível tendo em conta o tema) mediáticos, e dos respectivos resultados em termos de condenações e absolvições. Mais aprofundadamente: as absolvições das clientes ocorreram quando houve falta de provas da prática de um crime e que a condenação de uma cliente ocorreu em face da evidência da prova, tendo em conta a sua confissão.
Ora, independentemente da posição que se perfilhe sobre a criminalização do aborto, não se vê em que medida a decisão hoje proferida pelo Tribunal de Aveiro põe em causa a tradição nos Tribunais.
Pois ao que se saiba não foram alteradas as regras processuais penais quando seja feita prova de factos descritos num despacho de acusação ou pronúncia e se é possível qualquer outra alternativa a um Tribunal que não a condenação quando tais factos (ainda) consubstanciem crime.
Mas este postar não passa de um preciosismo meu, porque todos sabemos que raramente os títulos das notícias correspondem ao seu corpo e que têm uma função meramente apelativa. E se isto é uma verdade (quase adquirida) para os títulos, começa a ser também para o seu lead, aquele que tem a função de sintetizar a notícia, que, convenhamos, no caso alvo de comentário foge e em muito à sua função.
Caso para dizer: também no jornalismo "a tradição já não é o que era!"

 

«Fast track»: a nulificação da Justiça


97,1%. É esta, de acordo com os últimos (2003) números disponibilizados pelo excelente Sourcebook of Criminal Justice Statistics Online (tabela 5.34), a percentagem assombrosa das condenações que, ao nível federal, nos E. U. A., resultaram de declarações de culpa, estas obtidas, como se sabe, na sequência de negociação. No que respeita a certos crimes, todas as condenações resultaram de negociação.
A imagem (em que a cinematografia norte-americana ainda insiste tanto) de dois contendores em frenética defesa do seu “caso” perante um painel de 12 cidadãos jaz definitivamente no sótão das antiguidades judiciárias. O modelo “adversary” – ou o modelo “Perry Mason”, como alguém, caricaturando-o, o chamou –, se alguma vez existiu, desapareceu de todo. Hoje, já ninguém é julgado na América (pronto, é um exagero: 2,9% dos condenados foram julgados): ou não se é acusado ou se é tão só sujeito a pena. Ou, pior ainda, agora é possível não ser formalmente acusado (ao menos sob controlo do grand jury), não ser julgado e ainda assim ser condenado em pena!
Refiro-me aos chamados early disposition programs (vulgo, fast track programs). O conceito é simples, como se espera das coisas eficientes: o arguido prescinde de tudo – da formalização da acusação em indictment, de conhecer os meios probatórios do MP, dos relatórios para determinação de pena, do direito ao recurso –, declara-se culpado logo na primeira audiência posterior à detenção (initial appearance) e consente na aplicação imediata da pena; em troca, literalmente em troca, o MP acorda em recomendar ao juiz uma pena atenuada até 4 “níveis” abaixo da prevista nas Fed. Sent. Guid.; o juiz, por seu turno, como um diligente notário, aplica a pena.
É claro que esta espécie bargaining elevada à quinta casa não é para todos. Ela surgiu nos anos 90 do séc. passado e aplica-se, apenas, em alguns estados e tão só onde ocorra aprovação do Attorney General ou do U. S. District Attorney com competência na área do tribunal competente para aplicar a pena. Esses estados são os que fazem fronteira com o México (Texas, Arizona, Novo México, Califórnia) e, como está bom de ver, isso ocorre em função de uma circunstância excepcional: a massificação da criminalidade relacionada com a droga e com emigração ilegal naquela fronteira, por onde entram, por ano, quase 1000000 de emigrantes ilegais. Posto isto, logo ensaiarão alguns que a medida está justificada: não se pode combater uma infecção com aspirinas.
A questão, mais uma vez, não está nos fins. Está nos meios ou na proporção deles. E, em termos muito enxutos, aqueles instrumentos processuais não só introduzem, de direito, um elemento de desigualdade na aplicação da lei penal (aplicação discriminatória dela dentro do território nacional ou até mesmo dentro do território do respectivo Estado da União), como, de facto, estão dirigidos ao controlo social, através do aparelho repressivo do Estado, de uma específica etnia. A isso acresce, em função da nulificação das garantias de defesa do arguido, que a condenação de inocentes não é, longe disso, coisa que se possa ter por remota. Por último, tratando-se do último grito da moda em matéria de negociação da declaração de culpa, os fast track programs tendem, como acontece com tudo o que está na moda, ultrapassada a fase da exclusividade, a “democratizar-se” no seu uso. Não são poucos os observadores que já veicularam esse receio.
Trata-se, pois, daquela tecnologia processual penal que me faz pensar na utilidade primeira do estudo de experiências estrangeiras: não é a de encontrar aquilo que queremos. Bem antes disso, do que se trata é de saber o que não queremos.

 

Custo-benefício e Santa Casa - uma dúvida impertinente


Uma das vantagens do período de futebolândia é a circunstância de a televisão, para além de lugar pouco recomendável, ter reforçado os antídotos de protecção para os incautos como este postador que cada vez a liga com menos frequência (nunca antes, a par de tão poucos jogos de futebol, se programaram tantas palestras em que se proporciona tempo de antena a especialistas residentes no café televisivo para comentarem assuntos fundamentais como as unhas dos jogadores ou o tipo de toque de apito dos árbitros, enquanto nas reportagens de rua, que preenchem os noticiários, são exibidos vários exemplares que mostram o grau de evolução do Homo sapiens). Daí que, só ontem me tenha apercebido de um anúncio a publicitar a acção benemérita da Santa Casa que, ao que me foi dito, tem sido repetido incessantemente em vários canais. Diga-se que se trata de um anúncio cheio de modernidade, sinal dos tempos arejados...
Sendo certo quem suporta os custos, a Santa Casa, é também evidente que se os custos forem elevados haverá quem tenha benefícios (o dinheiro vai para algum lado), daí a impertinência da minha dúvida: Foi ponderada, à luz da racionalidade gestionária que conforma a generalidade das administrações, a relação entre custos e benefícios tendo por referência as atribuições estatutárias da Santa Casa?
Ao reler este postal apercebo-me que a dúvida, além de impertinente, revela falta de misericórdia: havendo tanta miséria no mundo da publicidade e da comunicação é óbvio que se justifica a mãozinha amiga de uma Santa Casa.

03 julho 2006

 

(Ex-)Rebelde, mas (sobretudo) realista

É quase comovente: Joschka Fischer, o antigo jovem rebelde, o antigo deputado verde que arrastou uma árvore afectada pela poluição para o Bundestag, o ex-ministro do Ambiente do estado de Hessen que tomou posse de calças de ganga e sapatilhas, o ex-ministro federal dos Negócios Estrangeiros, vai agora, reformado da política, dar umas aulazitas na Universidade de Princeton (como irá vestido e calçado?).
Enfim, não é tão bom como o emprego que Gerard Schroeder arranjou (mas esse nunca se meteu em rebeldias, sempre foi muito atilado), mas também não é nada para deitar fora e tem um outro prestígio intelectual.
O mais interessante, porém, é a moral da história (com letra pequena): mesmo os jovens rebeldes, se tiverem bom coração e alma pura, voltam ao bom caminho. Tem sido este o percurso de tantos e tantos e tantos jovens rebeldes por todo o lado. E também em Portugal. Exemplo máximo entre nós é certamente o Presidente da Comissão Europeia: umas rapaziadas aos 18 anos, precisamente devido à generosidade do seu coração, não o impediram de tornar-se um homem realista, um dirigente nacional e internacional, depois de renegado o passado (embora algumas vezes lembrado com uma nota de ternura talvez ainda juvenil).
Aliás, a vida portuguesa actual está cheia destes ex-jovens rebeldes: pontificam na política, na comunicação social, na cultura e até no "mundo empresarial". Hoje praticam e pregam o "realismo". Para eles, em resumo, o mundo não está tão mal como o pintam (os maus) e não vale a pena "mexer-lhe" que pode ficar pior (para eles). Máxima "ética" desta gente: cada um que trate da vidinha.
E quem sabe tratar da vida safa-se: veja-se o caso de J. Fischer, esse exemplo de (rebelde) realista.

 

Interpretação constitucional, política e escrutínio - ainda a propósito da jurisprudência do Supremo Tribunal dos EUA

Na sequência de dois outros postais (aqui e aqui), sobre decisões do Supremo Tribunal dos EUA proferidas nos últimos 15 dias período em que foram publicitadas várias outras decisões muito interessantes sobre diferentes matérias, queria destacar o acórdão United States v. Gonzalez-Lopez (26-6-06), também sobre processo penal, em que a maioria foi formada pelos 4 juízes considerados mais «liberais» e o juiz Scalia (que foi o relator). Este alinhamento atípico parece-me marcado pela circunstância de Antonin Scalia (considerado um dos juízes mais «conservadores» ou mais à «direita») ter adoptado na análise do problema constitucional concreto uma leitura aparentemente de raiz mais técnico-jurídica (ou mais compreensível à luz de uma interpretação «interna» no sentido empregue aqui). Com efeito, Scalia à casuística ponderação de valores em função dos fins da norma terá preferido a pré-definição de categorias abstractas em que existe menor margem de avaliação judicial da concreta funcionalidade do princípio constitucional. No fundo, tal metodologia restringe a dimensão política de uma actividade judicial de ponderação de valores, cujo carácter político (encoberto em discursos mais ou menos alinhavados em argumentário jurídico) conjugado com o défice de legitimação democrática, é criticada por Habermas (de reconhecidos galões liberais) ao analisar os modelos de decisão do Supremo Tribunal dos EUA e do Tribunal Constitucional alemão em face da sua teoria procedimental.
Independentemente da tese perfilhada, sobre se o «balancing» ou a «concordância prática» é uma actividade materialmente política ou essencialmente uma autónoma actividade lógico-jurídica (diga-se, de passagem, que não me parece nada convincente a resposta de Alexy a Habermas, ao invocar a este respeito uma destrinça entre lógica geométrica e aritmética), a identificação da marca política da actividade «judicial» de fiscalização da constitucionalidade é facilitada no caso dos EUA. Não só pelos modelos retóricos aí adoptados, mas também pelo maior escrutínio externo que se expressa na ampla literatura crítica e na atenção aos dados empíricos, que levam a que aí a opinião não seja contraposta a conhecimento.
Trata-se de mais um sinal democrático, o levantamento, tratamento e divulgação de dados objectivos, quer mais específicos sobre temáticas determinadas, quer genéricos como as estatísticas da formação de maiorias num período de dez anos em que o corpo de nove juízes do Supremo Tribunal se mateve inalterado (análise publicada na Harvard Law Review), ou mesmo as tabelas disponibilizadas relativas a um período muito curto como os alinhamentos dos juízes na nova formação, em que Roberts Jr. e Alito substituíram respectivamente Rehnquist e Sandra O’Connor (tabela relativa «apenas» aos 45 casos decididos por maioria depois do falecimento do antigo presidente Rehnquist).

 

Os humores da política criminal norte-americana: também a propósito da separação de poderes



Ocorreu-me a oportunidade deste apontamento na sequência de alguns “posts” do Dr. Mouraz Lopes, que vem abordando recentes desenvolvimentos gauleses em matéria de separação de poderes, que não podem, e não devem, deixar quem quer que seja sossegado com o constatado devir das coisas.
Ora, também nos E. U. A. se assiste a um encarniçado conflito entre poder judicial e poder executivo, em termos de se saber qual deles tem o papel preponderante – imagine-se – em matéria de determinação da pena a aplicar em processo penal. Como geralmente sucede, na América as coisas – as boas e as más – são sempre em grande. Não há meias tintas nem flacidez decisória. O mal, ou mais propriamente aquilo que quem tem o poder considera mal, é para se cortar. E logo pela raiz.
Vem isto a propósito do recente aresto United States v. Booker (2005) que, do ponto de vista macroscópico da política criminal, pode considerar-se o mais relevante dos últimos anos. Nele, decidiu o Supreme Court que as Federal Sentencing Guidelines não são obrigatórias para os juízes federais, mas constituem meras recomendações. Perguntar-se-á: onde está a transcendente relevância de tal decisão e qual o seu sentido último? Está em que ela é susceptível de estribar (ao menos) expectativa sobre a devolução do poder de sentenciar ao juiz, poder este que desde meados do séc. XIX e, de forma ainda mais evidente, desde a entrada em vigor das Fed. Sent. Guid.(1987) vem sendo transferido para o Ministério Público (designo-o assim, na experiência norte-americana, por mera comodidade), através do aumento, sem parança, da importância do sistema de negociação da declaração de culpa (vulgo, plea bargaining). O que quer dizer, que a relevância da decisão não pode ser apreendida sem se chamar à colação a evolução da política criminal norte-americana, em matéria de aplicação de penas, dos últimos 20/30 anos, para não ir mais longe.
Com efeito, no início dos anos 80 do século passado (o XX.º), quando já estava “em ponto de rebuçado” a descrença no ideal de reabilitação do delinquente, o Congresso decidiu criar uma nova entidade legislativa ao nível federal (a United States Sentencing Comission) e, coisa curiosa, criou-a no âmbito do poder judicial (!), como se lhe alterando a etiqueta lhe transmutasse a natureza. Nessa Comissão foram delegados poderes legislativos (o que, contra voto de vencido do justice Scalia, não foi considerado inconstitucional, por violação da doutrina da não delegação de poderes, em Mistretta v. United States, 1989), em termos de ela definir penas aplicáveis aos crimes federais, factores a levar em conta na medida da pena, atenuações, agravações, etc. A ideia foi substituir um sistema de indeterminate sentences (simpático para com o ideal da reabilitação), por um sistema de penalidades entre si muito apertadas (primeiro as guidelines, depois as mandatory minimum sentences), mais conformes os ventos político-criminais então na moda. Fê-lo, porém, de modo tal que o poder de determinar a pena se transferiu do juiz para o MP (órgão do “executive branch of Governement”), através do sistema de negociações, ao ponto de um influente autor vir dizer, muito recentemente, que os “prosecutors” são os “key sentencing decisionmakers”. Posto isto (e, de acordo com o que se vem opinando, em resposta a isso), o Supreme Court prolatou, Booker v. United States, que, ao considerar que as Fed. Sent. Guid. constituem meras recomendações dirigidas ao juiz (elas, não obstante a designação, eram obrigatórias para os juízes federais), em boa medida restabeleceu o status quo ante, isto é, ao menos nominalmente, devolveu o poder de sentenciar ao juiz.
Já se fala em “Post-Booker Era”, mas se tal decisão constitui um ponto de chegada ou um ponto de partida, só daqui a alguns anos pode avaliar-se.

02 julho 2006

 

Monty Python, Argumentação, Discussão e Direito - Que lógica?



The Argument Clinic

M: Ah. I'd like to have an argument, please.
R: Certainly sir. Have you been here before?
M: No, I haven't, this is my first time.
R: I see. Well, do you want to have just one argument, or were you thinking of taking a course?
M: Well, what is the cost?
R: Well, It's one pound for a five minute argument, but only eight pounds for a course of ten.
M: Well, I think it would be best if I perhaps started off with just the one and then see how it goes.
R: Fine. Well, I'll see who's free at the moment.
Pause
R: Mr. DeBakey's free, but he's a little bit conciliatory. Ahh yes, Try Mr. Barnard; room 12.
M: Thank you.
(...)
(Walk down the corridor)
M: (Knock)
A: Come in.
M: Ah, Is this the right room for an argument?
A: I told you once.
M: No you haven't.
A: Yes I have.
M: When?
A: Just now.
M: No you didn't.
A: Yes I did.
M: You didn't
A: I did!
M: You didn't!
A: I'm telling you I did!
M: You did not!!
A: Oh, I'm sorry, just one moment. Is this a five minute argument or the full half hour?
M: Oh, just the five minutes.
A: Ah, thank you. Anyway, I did.
M: You most certainly did not.
A: Look, let's get this thing clear; I quite definitely told you.
M: No you did not.
A: Yes I did.
M: No you didn't.
A: Yes I did.
M: No you didn't.
A: Yes I did.
M: No you didn't.
A: Yes I did.
M: You didn't.
A: Did.
M: Oh look, this isn't an argument.
A: Yes it is.
M: No it isn't. It's just contradiction.
A: No it isn't.
M: It is!
A: It is not.
M: Look, you just contradicted me.
A: I did not.
M: Oh you did!!
A: No, no, no.
M: You did just then.
A: Nonsense!
M: Oh, this is futile!
A: No it isn't.
M: I came here for a good argument.
A: No you didn't; no, you came here for an argument.
M: An argument isn't just contradiction.
A: It can be.
M: No it can't. An argument is a connected series of statements intended to establish a proposition.
A: No it isn't.
M: Yes it is! It's not just contradiction.
A: Look, if I argue with you, I must take up a contrary position.
M: Yes, but that's not just saying 'No it isn't.'
A: Yes it is!M: No it isn't!
A: Yes it is!
M: Argument is an intellectual process. Contradiction is just the automatic gainsaying of any statement the other person makes.
(short pause)
A: No it isn't.
M: It is.
A: Not at all.
M: Now look.
A: (Rings bell) Good Morning.
M: What?
A: That's it. Good morning.
M: I was just getting interested.
A: Sorry, the five minutes is up.
M: That was never five minutes!
A: I'm afraid it was.
M: It wasn't.
Pause
A: I'm sorry, but I'm not allowed to argue anymore.
M: What?!
A: If you want me to go on arguing, you'll have to pay for another five minutes.
M: Yes, but that was never five minutes, just now. Oh come on!
A: (Hums)
M: Look, this is ridiculous.
A: I'm sorry, but I'm not allowed to argue unless you've paid!
M: Oh, all right. (pays money)
A: Thank you. short pause
M: Well?
A: Well what?
M: That wasn't really five minutes, just now.
A: I told you, I'm not allowed to argue unless you've paid.
M: I just paid!
A: No you didn't.
M: I DID!
A: No you didn't.
M: Look, I don't want to argue about that.
A: Well, you didn't pay.
M: Aha. If I didn't pay, why are you arguing? I Got you!
A: No you haven't.
M: Yes I have. If you're arguing, I must have paid.
A: Not necessarily. I could be arguing in my spare time.
M: Oh I've had enough of this.
A: No you haven't.
M: Oh Shut up.
Monty Python's Flying Circus
Vem este Sketch dos Monty Python a propósito de um livro intitulado El Derecho como Argumentación, de Manuel Atienza, e do seu resumo que se pode ler na íntegra aqui.
Do texto de Francisco Laporta destaco as seguintes passagens:
"Tras explorar con él muchos de los intrincados problemas y encrucijadas que nos aguardan en los diferentes mundos argumentativos, el lector puede experimentar una sensación que, si yo no me equivoco, constituye la intención del autor al proponer esta obra: la realidad del derecho, que tantas veces ha sido pensada como un mundo estático y compacto, como esa suerte de trama disecada de normas que suele presentarnos la dogmática jurídica, cobra un inesperado y rico dinamismo, y aparece ante el lector como una práctica en continuo movimiento cuya razón de ser no es otra que su capacidad para enfrentar y resolver problemas incesantemente. El orden jurídico se muestra así sobre todo como derecho en acto, como derecho en acción, como un conjunto de instituciones y normas en constante intercambio con la realidad social mediante los instrumentos complejos de la argumentación sobre problemas, como un mecanismo institucional que se define fundamentalmente por sus resortes de reacción ante la conflictiva naturaleza del mundo social."
"Los jueces españoles, cada vez más heroicamente, pero también cada vez con más prisas y ligereza, parecen predestinados a la sola e ingrata tarea de quitarse papeles de encima. Hasta se piensa en juzgarlos mediante baremos de "rendimiento": cuantas más sentencias pongan más "rendirán" y más podrán cobrar. Pero, claro, esto no tiene nada que ver con el libro que comento. Porque este libro presupone siempre la existencia de un aparato institucional de justicia que permite al juez hacer eso que nuestra expresión popular denota tan sabiamente: pararse a pensar. Al mostrar sin proponérselo la enorme distancia que hemos de salvar entre lo que se debe pedir a un órgano de la justicia y la situación en que estamos, el libro de Manuel Atienza puede prestar también indirectamente un valioso servicio ulterior: advertirnos de que nunca tendremos un orden jurídico que satisfaga las exigencias de una "empresa racional" si quienes lo sirven no pueden siquiera pensar en justificar sus decisiones mediante prácticas argumentativas serias."

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)