31 janeiro 2010

 

A "lógica" do Sr. Bastonário


O corrente Bastonário da Ordem dos Advogados, cujas acções usam preceder o respectivo pensamento (quando não o dispensam), disse numa entrevista a propósito do processo Casa Pia, que “não conhecia os factos” mas que “o processo é político” desde o início. Disse, ainda, para espanto de qualquer criatura com dois neurónios e uma sinapse, que “havia culpados que não estavam lá e estava lá quem não era culpado”. E disse isso, note-se, sempre “sem conhecer os factos”. No seu monomaníaco afã de atingir à tort et à travers as magistraturas não se deu conta, o dr. Pinto, da ilogicidade de tal afirmação: como é que alguém pode conhecer algo que não conhece? Eis a vexata questão epistemológica que o dr. Pinto não esclarece.

Mas eu esclareço. Como todos já entenderam, ao Sr. Bastonário não importam os factos e muito menos a lógica. Ali porque, como qualquer pessoa que se vê progressivamente marginalizada, tende remeter-se a uma solitária e confrangedora atitude solipsista: o Mundo não é o que é; é apenas o que é ditado pelos estados de alma do Sr. Bastonário. Aqui, porque a lógica é, como se sabe, marca de contraste de verdadeiros juristas e o Sr. Bastonário não é Bastonário da Ordem dos Advogados, instituição mártir: ele apenas está Bastonário, pois nunca deixou de ser, nas intervenções e nos modos, jornalista, e jornalista de imprensa sensacionalista.

Quinquilharia populista, cegueira solipsista, furiosa hostilidade para com a judicatura e cepticismo ao ponto de nos fazer lembrar um Pangloss de pernas para o ar, eis os predicados deste bastonato.

30 janeiro 2010

 

A abertura do ano judicial

A abertura do ano judicial no Supremo Tribunal de Justiça já foi no passado dia 27, mas só hoje me é possível tecer um comentário, a propósito da forma como o acontecimento foi interpretado por certos órgãos da comunicação social. Logo no próprio dia, ao ouvir na Rádio e na Televisão, e no dia seguintes, ao ler alguma imprensa escrita, tive o impulso de comentar, mas sem ter oportunidade para isso.
Das notícias que ouvi e li, registei a falta de isenção e objectividade. Sobretudo em relação ao discurso do presidente da República. Este discurso foi interpretado (nos órgãos de comunicação social a que tive acesso), como tendo tecido fortes críticas aos tribunais e à suposta situação da justiça. Os títulos e as frases destacadas davam logo uma noção falsa e tendenciosa do que disse o supremo magistrado da Nação, pois, este ano, o que ele teve em mira, fundamentalmente, foi o poder legislativo e a falta de qualidade das leis produzidas, com particular relevância para a Lei do Divórcio, que, segundo o que afirmou, veio criar ainda mais problemas aos tribunais, em vez de os minorar. Também a reforma levada a cabo no Código de Processo Penal foi realçada no discurso do presidente da República, por causa dos problemas gerados, tanto mais que essa reforma está de novo, passados dois anos, a ser objecto de nova reforma. Nessa linha, o Presidente salientou a necessidade de, na elaboração das leis, se ouvirem os profissionais do sector, como práticos do direito cuja experiência não deve ser menosprezada pelo poder legislativo, coisa que não aconteceu, como toda a gente sabe, nas reformas levadas a cabo em 2007.
Mesmo no caso das execuções pendentes, se citou o seu elevado número, não foi para verberar os tribunais, sabido que o problema das execuções tem sido, sucessivamente, um problema de fracasso de soluções legislativas adoptadas.
Ainda assim, a referência mais explícita aos tribunais e que tem a ver com a proverbial falta de celeridade foi aquela em que o presidente da República aludiu ao facto de nada valer proclamar-se na Constituição o primado da lei, quando essa lei não chega em tempo útil à vida dos cidadãos.
O que é certo é que muitos profissionais da comunicação social preferiram dar relevo, sem fundamento, às duras críticas aos tribunais. Talvez por estarem “formatados” para esse tipo de notícia.
Ainda assim, uma das informações mais objectivas e sérias foi a do “Jornal de Notícias”. Sob o título, em caixa “, Cavaco quer mais rigor na elaboração das leis”, o texto começa desta forma inteiramente correcta: «Na cerimónia de abertura do ano judicial, o presidente da República dirigiu-se essencialmente ao poder legislativo, criticando a fraca qualidade das leis e considerando que esse é “um elemento altamente perturbador do salutar funcionamento” da Justiça”.
Porém, como se vê, esse salutar exemplo de objectividade não é apanágio de todos os órgãos de informação, que preferem “torcer” as coisas à feição de ideias feitas e de esquemas preconcebidos, mais de acordo com a toada do momento. E muito haveria ainda a dizer sobre os critérios tendenciosos da selecção dos discursos, dos discursantes e das passagens seleccionadas.

28 janeiro 2010

 

Afonso Costa

A abertura do ano judicial mais parece uma peregrinação ao Muro das Lamentações. Da de ontem retenho apenas a homenagem feita por Alberto Martins a Afonso Costa, seu remoto antecessor no cargo.
Num ano em que, a propósito da comemoração do I Centenário da República, está em curso uma campanha de desacreditação, se não infamação, da obra da República, soube bem ouvir essa singela homenagem, que aliás passou completamente despercebida à comunicação social (quantos jormalistas presentes saberiam quem foi Afonso Costa?).
Homenagem devida ao homem que foi o responsável pela Lei da Separação entre a Igreja e o Estado, pela primeira Lei do Divórcio e outra legislação inovadora no âmbito da família (protecção de filhos ilegítimos, das mães solteiras, etc.). Uma legislação que introduziu a "modernidade" em Portugal.

26 janeiro 2010

 

O impagável Chávez

Hugo Chávez tem caminhado a passos mesurados para o seu socialismo.
Como teórico tem contribuído com inovadoras análises para o desvendamento das manobras do imperialismo americano e da luta sem tréguas que lhe deve ser movida. Por exemplo, para não irmos mais longe: a sua sagacíssima interpretação do recente terramoto do Haiti como produto de uma maquinação imperialista dos Estados Unidos da América. Estes causaram o sismo através de ondas de choque provocadas por bombas atómicas subterrâneas para se instalarem e apropriarem da infausta ilha. E é assim que tentam chegar ao Irão, de que Chávez é fiel aliado, tentando desmoronar a teocracia anti-imperialista. Seria difícil conceber mais ousada e revolucionária interpretação da realidade contemporânea. Absolutamente digna de figurar numa antologia de l´humour noir do século XXI.
Como prático, é de um tacto inexcedível, talvez superior a qualquer dos abencerragens históricos do velho socialismo. Basta lembrar a sua recente medida de calar a “Caracas Television” por cabo, por não ter transmitido o seu discurso de domingo passado. Presume-se que os discursos de Chávez são pérolas que se não podem perder. Nem serão para desperdiçar os seus preciosíssimos ensinamentos. De sorte que desprezá-los é, em primeiro lugar, atentar contra o seu insubstituível papel de guia e timoneiro do povo; em segundo lugar, é atentar contra o próprio povo, de que ele é o imprescindível guia e timoneiro. Em suma, é um duplo atentado que só podia merecer uma resposta: o silenciamento do canal. De mestre. Este homem vai figurar nos anais da História. De certeza.

25 janeiro 2010

 

A liberdade de expressão contra a democracia

O ST dos EUA (pela mão da sua maioria conservadora, e numa decisão de 5-4) acaba de proferir uma sentença de consequências "devastadoras" para a democracia. Na verdade, ao declarar inconstitucionais as normas da legislação sobre financiamento das campanhas eleitorais (Bipartisan Campaign Reforma Act, de 2002) que proibiam as contribuições de empresas (e sindicatos...) para campanhas de promoção da eleição, ou da derrota, de candidatos a cargos públicos, o ST abriu completamente as portas à manipulação do eleitorado pelos grandes interesses económicos. (Não se trata de financiamento dos partidos ou das próprias candidaturas, mas de campanhas concorrentes, que intervêm em defesa, ou contra, determinado candidato, fenómeno pouco conhecido na Europa, mas corrente do outro lado do Atlântico...)
O cúmulo da hipocrisia reside em que este atentado à democracia é fundamentado no direito à liberdade de expressão, consagrado na I Emenda à Constituição!!!
Obama viu o perigo e não mediu as palavras para qualificar a sentença como "devastadora para o interesse público". E prometeu reagir promovendo legislação em sentido contrário. Mas enquanto se mantiver a actual maioria "liberal" no ST pouca esperança haverá de regulamentação da "liberdade de expressão" das grandes "corporations"...

19 janeiro 2010

 

Regresso ao passado no Chile

É no mínimo inquietante, mas também intrigante, que o Chile, após 20 anos de governos do centro-esquerda após a reinstauração da democracia, eleja agora um homem de direita, que, embora não tenha estado, ao que parece, organicamente ligado à ditadura militar, nunca a combateu nem sequer a repudiou.
É inquietante porque os demónios do passado não estarão ainda completamente extintos. Prova disso é o aparecimento de fotos de Pinochet nas manifestações de apoio ao presidente eleito.
E intrigante porque a presidente cessante, de esquerda moderada, e antiga resistente, tinha uma popularidade de 80%, que a reelegeria facilmente se pudesse candidatar-se...
Contradições e mistérios de um país que Isabel Allende retratou de forma admirável em "O meu país inventado".
Valha-nos que Michelle Bachelet teve ainda tempo de inaugurar o Mudeu da Resistência que perpetua a memória dos crimes da ditadura. Chegará para exorcizar os tais demónios? Certamente que não...
Claro que no vencedor não votou só a direita clássica, moderada ou totalitária. Votou muita gente que vê nele o típico representante do "homem de sucesso" dos tempos de hoje, o milionário que consta da lista dos mais ricos do mundo, que tem um canal de TV e mais não sei quantos meios de manipular a opinião pública, uma espécie de Berlusconi do Pacífico. E esse é o maior perigo, a existência de uma vasta faixa de eleitorado que desconhece o passado e se vê apenas no sucesso mediático como modelo de vida, e que fica prisioneiro de mitos e indiferente a ideias ou programas.

 

"Relevantes serviços"? Quais?

Eu ainda não estou em mim! Quero acreditar que é tudo uma "encenação"... Porque, se for de facto verdade, é mau de mais!
Na verdade condecorar um ex-PM que se distinguiu pela sua incompetência, e por isso foi demitido poucos meses depois de nomeado, após inúmeras trapalhadas e trapalhices que suscitavam a gargalhada nacional diariamente, chamar a isso "serviços relevantes" só se compreende (se for verdade, repito) como exercício superior de humor negro, que ficará para a história gravado em letras... negras, bem negras.

 

O terramoto do Haiti

O terramoto do Haiti traz-nos, cada dia, desde há praticamente uma semana, imagens dolorosas de uma catástrofe de grandes dimensões a que não podemos ser insensíveis, não obstante a distância a que ocorreu a tragédia e a banalização do trágico proporcionada pelos grandes meios audiovisuais à escala global, em que diariamente nos confrontamos com situações de desastre, de guerra, de cataclismo, de flagelo e de sofrimento extremo. Rapidamente nos esquecemos delas, na sucessão vertiginosa dos acontecimentos, que não deixam rasto e que são imediatamente consumíveis como realidade virtual. Porém, neste caso, as imagens de destruição, de aflição e de desespero, diariamente se nos revelando o impiedoso rompimento de toda a rede de ligações em que assenta a vida colectiva e afectiva de um povo – por sinal, um dos mais carenciados do Mundo – interpelam-nos, desde logo pela aflitiva impotência (ou ineficiência?) no debelar das consequências. E interpelam-nos, sobretudo, pela questão essencial do sentido inerente à condição humana. Como escreveu recentemente, num dos seus últimos livros, o filósofo Slavoj Zizek (A Monstruosidade de Cristo, título retirado de uma frase de Hegel) «a resistência ao sentido é decisiva quando nos confrontamos com catástrofes potenciais ou actuais, da Sida e dos desastres ecológicos ao Holocausto (…)». Uma haitiana questionava, em desespero: «Porquê nós? Porquê os haitianos? Por que nos escolheu Deus a nós?» perguntas que nunca otiveram resposta, desde, pelo menos, o Job da Bíblia.
Estes acontecimentos despertam em nós tanto os sentimentos mais abnegados de solidariedade, como revelam o que há de mais sórdido na natureza humana (Ver o egoísmo manifestado a propósito da distribuição de alimentos, a lei do mais forte imposta sobre os fracos da forma mais brutal, os gangs que actuam a coberto do caos reinante, as pilhagens, as agressões, os homicídios, os ajustes de contas). Como não lembrar os romances alegóricos de Albert Camus, nomeadadmente A Peste (autor esquecido das novas gerações e sobre a morte do qual passam agora 50 anos) e de José Saramago (Ensaio sobre a Cegueira, este último, apresentando uma perspectiva nada optimista sobre a natureza humana em geral, não obstante a proveniência ideológica do autor)?
A condição humana em toda a sua precariedade e aleatoriedade, esplendor e miséria.

18 janeiro 2010

 

A Lei de Política Criminal de regresso

Penso que já pouca gente se lembraria dela, da Lei de Política Criminal, a qual, como seria de esperar, tem primado pela irrelevância.
Mas agora a AR resolveu recuperá-la: pela Resolução nº 2/2010, de 6-1, recomenda ao Governo várias alterações à Lei nº 38/2009, a última Lei de Política Criminal, publicada em 20 de Julho e vigente desde 1 de Setembro! Que dizer de tão súbita mudança de opinião? Que os deputados se precipitaram há 6 meses, quando aprovaram a Lei, ou é agora que estão a ver mal as coisas?
E que dizem agora? Primeiro, que é preciso reduzir o catálogo dos crimes prioritários. Têm razão: quando quase tudo é prioritário, nada é prioritário. É óbvio. Mas como não viram isso antes?
Depois, dizem que é preciso eliminar as directivas que condicionam o MP na promoção da aplicação da prisão preventiva e da pena de prisão efectiva. Ou seja, quando nos últimos anos andaram a apregoar as virtudes das medidas e das penas alternativas, acusando os magistrados de abusarem da prisão preventiva e da pena de prisão, agora é a inversão completa: prender é a palavra de ordem. Guinadas súbitas para a esquerda e para a direita, quem se entende?
Dizem depois que se deve eliminar o art. 20º da Lei "pois que o regime da detenção deve estar exclusivamente regulado no CPP". Opinião sábia. Mas não sabiam já? E por quê recomendar esta medida ao Governo, se é a AR que legisla em matéria de processo penal?
Finalmente os deputados querem um artigo que estimule o MP a promover nos crimes de corrupção medidas "premiais". Veremos se daqui a seis meses o MP não estará a ser obrigado a fazer o contrário...

 

O Professor Bitaites e a liberdade de expressão

Segundo parece, o país, o nosso, está órfão. Falta-lhe o Prof., o seu guia intelectual e espiritual, o verdadeiro educador de todo o povo.
Impediram-no de falar na RTP num programa em que o prof. (o único, o autêntico prof.) debitava os seus bitaites a troco de uma determinada maquia, numa promiscuidade notória e inquietante entre as diversas "personae" (heterónimos, digamos pessoanamente) que assume: comentarista "desinteressado", jurista competente, candidato eventual a presidente de um partido, a primeiro-ministro, a PR (tudo isto a partir de um programa pago pelos tais contribuintes do costume), num jogo de máscaras de ambiguidade deplorável.
Ver no saudável fim de tão lastimável programa de entretenimento um atentado à liberdade de expressão é um sintoma da interpretação degradada que certos direitos e liberdades vão sofrendo.
E já agora por que não dar início a um verdadeiro programa pluralista, transgredindo as fronteiras do bloco central e procurando alargar o leque de opiniões a outras gentes? Não seria assim que se cultivaria a liberdade de expressão?

15 janeiro 2010

 

O brilho de um bastão revelado entre férias, originalidades, forças de bloqueio e dificuldades… constitucionais

aqui foi destacada a originalidade de «mandar os processos para férias entre 15 e 31 de Julho, mantendo os tribunais "em funcionamento"». Maia Costa no seu texto também lembrou que o «O Bastonário vigente já "assumiu" a "vitória" como sua», autoria que certamente justifica que o brilho hermenêutico da construção salvadora de faces e interesses plúrimos escape a mentes menos clarividentes do que a do generoso distribuidor de bastonadas, e, agora, de originalidades legislativas.
Com efeito, o jurista que Marinho Pinto também será, com a sua proverbial modéstia, decidiu partilhar com o povo que o «teor do projecto que está em cima da mesa coincide com o que a Ordem propôs ao Governo» (artigo de 6-1 do JN lido aqui), e enquanto brilhante legislador relativamente às reservas suscitadas por alguns, reagiu: «’Gostam muito de colocar dificuldades’, observa o bastonário dos advogados. Para si, é ‘claríssimo’ que a suspensão de prazos, por via do CPC, aplica-se a todo o tipo de processos».
Como se sabe, uma das dificuldades com que, por vezes, iluminados fazedores do direito (e facilitadores em nome da ordem) chocam é a dos textos constitucionais compressores da generosa regeneração pela lei nova.
Daí que, para evitar quaisquer perdigotos advenientes de espirros de bastão em punho, seja avisado não colocar perguntas sobre a perfeição da obra de um marinho de águas profundas e salgadas, nomeadamente se a novel prescrição de «mandar os processos para férias entre 15 e 31 de Julho, mantendo os tribunais "em funcionamento"» aplicando-se ao processo penal, além da virtude inerente à inovação conceptual, encerra uma nova categoria jurídico-constitucional que regula a contagem dos prazos em processo penal mas não constitui nem uma regra relativa ao processo penal nem uma norma de organização dos tribunais, não integrando as reservas da alíneas c) e p) do art. 165.º da Constituição e podendo consequentemente ser aprovada por decreto-lei de acordo com o projecto marinho. Será uma espécie de norma estatutária da Ordem dos Advogados a que esses profissionais bem como todos os outros, incluindo os tribunais, se têm de se curvar sob pena de serem remetidos por sua excelência o bastonário legislador facilitista para o grupo dos que «Gostam muito de colocar dificuldades».

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14 janeiro 2010

 

O recuo de Lula

Lula parece disposto a recuar, depois da ofensiva militar contra a "Comissão de Verdade", que teria como missão investigar os crimes praticados pelas autoridades durante a ditadura militar de 1964-1985, de forma a alargar a competência da dita comissão aos "crimes" praticados pelas guerrilhas...
Seria (ou será) meter no mesmo saco agressores e agredidos, ofensores e defendentes, carrascos e vítimas.
Seria como investigar os crimes dos nazis e ao mesmo tempo os dos movimentos de resistência que por toda a Europa pegaram em armas contra os ocupantes. Porque os resistentes usaram as armas, mataram alemães, não só SS, mas soldados "inocentes"...
Será que Lula vai mesmo capitular?

13 janeiro 2010

 

A reforma da reforma

Já aqui escrevi vários artigos sobre o que pensava da reforma de 2007 dos Códigos Penal e de Processo Penal: a forma quase instantânea como foram postas em vigor, propositadamente, para evitar críticas de certos sectores, nomeadamente das “corporações judiciárias”; as remodelações desastradas de última hora; as ostensivas quebras da sistematicidade e da filosofia dos códigos; a adopção de soluções inspiradas sobretudo no processo Casa Pia e, pior do que isso: o espírito de révanche que se notava em muitas dessas soluções; o deliberado arredamento de profissionais do sector, nomeadamente magistrados, não os ouvindo e fazendo ouvidos moucos a muitas das suas críticas, a pretexto de não lhes competir fazer leis, mas apenas executá-las.
As consequências desastrosas da aplicação de muitas das normas inovadoras tornou-se logo patente e, em alguns casos, ainda se tentou imputar aos tribunais o insucesso das reformas, atribuindo-as a boicote, numa espécie de reedição da famosa cabala. Todavia, a táctica não resultou, tão patente era a origem da perversão de onde aquelas promanavam, à parte algumas notórias interpretações erráticas, que também as houve.
Os problemas que surgiram à volta de questões fundamentais, como as escutas telefónicas, o segredo de justiça, as medidas de coacção, com destaque para a prisão preventiva, a disciplina dos recursos, a investigação de processos complexos, sem se ter em conta as deficiências estruturais do sistema de justiça português, foram mais que muitos, dando azo a indefinições, soluções contraditórias e perplexidades ante o que parecia constituir, em muitos casos, pura leviandade legislativa em face da ingente responsabilidade de realizar as finalidades impostergáveis do processo penal.
Tentou-se, à pressa, acudir com soluções casuísticas aos rombos que o embate da realidade ia provocando na já frágil embarcação da justiça, como sucedeu com a famigerada lei das armas, mas estava à vista de todos que o caso não ia com remendos postos de afogadilho. As críticas aceradas de algumas das mais autorizadas vozes nas áreas que foram objecto de reforma começaram a chover impiedosamente. Mais dia menos dia, seria preciso reformar a reforma, de um modo sistemático, e foi o que aconteceu.
Eis então aí a reforma da reforma de 2007. Uma reforma que não é tão minimalista como isso, abrangendo variadíssimos pontos críticos.
A questão é que nós passamos o tempo a fazer leis e reformas, umas complicando o sistema, outras aparentemente para descomplicar. E assim vai a justiça, tão descredibilizada e tão mal vista. A ponto de Manuel Alegre, que se está a lançar na corrida à presidência, ter dito em entrevista ao “Expresso” que, na questão da justiça, era preciso «dar um murro na mesa». O ponto é saber em que mesa dar o murro.

07 janeiro 2010

 

Tribunais abertos, processos em férias

O Governa prepara-se para aprovar uma medida legislativa original: mandar os processos para férias entre 15 e 31 de Julho, mantendo os tribunais "em funcionamento".
Trata-se evidentemente de satisfazer uma reivindicação dos advogados (da "corporação" dos advogados, melhor dizendo), que só tarde e a más horas perceberam que eram eles os grandes perdedores da redução das férias judiciais. O Bastonário vigente já "assumiu" a "vitória" como sua e não se esquecerá de a invocar quando for caso disso (eleições, etc.).
Recordam-se certamente que a revolucionária medida de redução das férias dos tribunais foi anunciada pelo PM no discurso de vitória da sua primeira vitória como medida moralizadora da vida pública e foi imenso o gáudio "popular" veiculado pela corporação da comunicação social: finalmente os magistrados iam ser metidos na linhaça, finalmente os tribunais iam produzir.
O MJ de então tentou justificar "cientificamente" a medida, dizendo que tinha um estudo que provava que com a redução das férias a produtividade dos tribunais ia subir em 15% (ou 20%, já não sei bem).
O certo é que esse estudo/prognóstico nunca foi divulgado. E, aplicada a lei, nunca nenhum estudo, ou sequer estimativa, foi feito sobre a questão. O aumento da produtividade entrou no mais completo esquecimento. Aliás, o que interessava, para o PM, era o efeito espectacular do anúncio da medida moralizadora/punitiva, oferecida à plebe como exemplo da mão firme do novo Governo.
Agora a produtividade é pura e simplesmenta mandada às malvas. Aqui para nós, sem problemas: a produtividade não vai ser certamente piorar... como certamente não melhorou antes.
E o Governo, esse, mantém-se firme, não recua : as férias dos tribunais mantêm-se idênticas; os processos é que entram no gozo de (merecidas) férias.
São as subtilezas legislativas do modo moderno da governar.

05 janeiro 2010

 

Segurança sem limites

Fico à espera da reacção dos liberais portugueses, aqueles que acham que o Estado tem demasiada informação sobre os cidadãos, que são contra os "chips" nos carros, que até consideram uma agressão às liberdades a existência de um bilhete de identidade obrigatório, às "novas tecnologias" (scanner corporal) na fiscalização de passageiros nos aeroportos, que são manifestamente intrusivas da intimidade corporal das pessoas.
A segurança justifica tudo? Só nos aeroportos? Porquê?

 

Casamentos homossexuais: algumas notas

1. Este súbito amor dos promotores do referendo pelo povo e o desprezo pela democracia representativa não enganam ninguém.
A consulta da vontade do "povo" é um mero expediente para atrasar, ou arrasar, se possível, a vontade da maioria parlamentar.
O mecanismo do referendo tem vindo a servir de instumento à expressão dos sentimentos mais retrógrados nas sociedades desenvolvidas, como acontece na Suíça, com danos irreparáveis para o ordenamento jurídico democrático.
O referendo não é um instrumento da democracia participativa, antes da democracia plebiscitária, com todos os perigos que ela comporta para o Estado de Direito.
2. Alguns dizem que casamento sem direito à adopção é inconstitucional, por ser discriminatório. Não acho. O cerne da união conjugal é a vida em comum, não a procriação, ou a criação de filhos. Esse é o conceito do casamento tradicional, não o conceito de casamento numa sociedade aberta e livre.
A negação da adopção aos cônjuges homossexuais não introduz qualquer discriminação, pois não lhe recusa nenhuma componente essencial do casamento. Trata-se de uma mera opção do legislador.
3. Este tema, agora tão fracturante, daqui a um ano não levantará quaisquer ondas. Tal como aconteceu com a despenalização da IVG...

 

África do Sul

Um país em que o casamento se encontra se encontra liberto de conceitos histórica e culturalmente comprometidos com os cânones tradicionais na Europa.

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03 janeiro 2010

 

O ser e o dever-ser

A União Humanitária dos Doentes com Cancro assinalou os dois anos da Lei do Tabaco com a defesa da proibição de fumar em todos os restaurantes e similares, bares, discotecas e casinos, “sem qualquer excepção”. Fundamenta que – pasme-se – “não existe nenhum argumento científico para que os estabelecimentos de restauração e bebidas – incluindo os que possuam salas ou espaços de dança – beneficiem de um estatuto de excepção face ao restante comércio, serviços e locais de trabalho, onde já proibido fumar”. E continua o responsável da UHDC que “se está provado cientificamente que fumar prejudica gravemente a saúde de quem fuma e a dos que o rodeiam, não pode haver nenhum argumento para justificar que um fumador possa fumar junto de um não fumador” (DN, de 2/1/2010; itálico meu).

Esta breve notícia prendeu-me a atenção porque na ocasião terminava a leitura da recente (2009) edição portuguesa da obra mais famosa de F. Hayek, O Caminho para a Servidão (1944), que num dos capítulos (o 13.º) trata a questão da relação entre ciência e moral. Ora, se se pode bem compreender que quem se vê afectado por uma desgraça como um cancro tenha uma visão algo radicalizada da luta às causas respectivas, isso não implica que se deva perder de vista o essencial. E o essencial é o de que devemos fugir a sete pés da tentação – crescente, hoje, e a deixar uma sensação de déjà vu – de pretender que “a ciência pode fazer um juízo ético sobre o comportamento humano”. Não é mais do que isto o que está em causa quando se ensaia, sem mais, extrair uma imposição normativa (moral, ética, jurídica) de uma constatação empírica, quando se cai na esparrela de pretender extrair o dever-ser do ser. Numa tal visão das coisas, a liberdade não tem pura e simplesmente lugar.

 

O Observatório




O El País de 29/12/2009 deu conta de um conflito (que já chegou aos tribunais) entre um juiz de um Tribunal de Família e uma membro do Consejo General del Poder Judicial e presidente do Observatório contra la Violencia Doméstica e de Género na sequência de declarações do referido juiz sobre a Ley Integral contra la Violencia de Género (em boa medida emulada, recentemente, pelo legislador indígena), em termos de a considerar “inspirada na ditadura”, no “feminismo radical” e de encerrar “efeitos perversos” como as denúncias caluniosas. A dita presidente do “Observatório” respondeu, por entre catilinárias, que da análise [pelo dito “Observatório”] de 530 casos de “violência machista” apenas em um se verificaram indícios de denúncia caluniosa. E de resto, prosseguiu, “os juízes espanhóis, no seu conjunto, levam a cabo a erradicação de um flagelo social, como a violência de género”. O conflito concreto, só por si, não tem qualquer interesse. O pano de fundo é o que importa.

Desde logo, a dita lógica da erradicação, diz muito sobre o radicalismo desses “Observatórios” e das leis em relação às quais se erigem em uma espécie de guardiães: numa sociedade democrática e por meios próprios de um Estado de Direito, não é possível erradicar qualquer fenómeno criminal, seja o da violência de género, seja da criminalidade rodoviária, seja o que for. Tão só é possível manter a criminalidade em níveis socialmente toleráveis. Não porque não seja desejável erradicar o crime; mas pela singela razão de que erradicá-lo implica que tal sociedade e Estado já não se possam dizer democráticos e sujeitos ao império da Lei. É a velha história da tensão entre liberdade e segurança.

Por outro lado, só quem não opera nas irregularidades do terreno, só quem se passeia apenas pelas “alturas” dos “Observatórios” e discorre de acordo com a lógica lisa própria dessa perspectiva “de cima” é que ainda não entendeu, ou não quer entender, que o actual estado das coisas tende a substituir o fenómeno da inadmissível violência fáctica do género masculino sobre o feminino por uma não menos edificante violência legal sobre o género masculino. É preciso, pois, dizê-lo com todas as letras: a actual regulação legal daquele fenómeno criminal dá efectivamente azo a “efeitos perversos” e nomeadamente às denúncias caluniosas. Não julgo ser necessário especificá-los (aqueles efeitos), pois qualquer profissional do foro já se terá confrontado com o problema e isso sucederá cada vez mais.

Objectar que o “Observatório”, o espanhol ou outro qualquer, só vislumbrou um caso de denúncia caluniosa ou é um exercício de ignorância ou de hipocrisia. É que a mais das consabidas dificuldades em provar um crime dessa natureza, o rasto processual dele é, em geral, pouco mais do que nulo. É algo que um magistrado ou um advogado facilmente intuem, mas que pertence, não raro, ao domínio do informal, não do formal. Depois, “Observatórios” como os ditos, não servem (até por razões de nomenclatura!), para apurar injustiças na aplicação da lei. Servem para identificar desvios à correcção política e actuar em conformidade. Servem, pois, para garantir que o caldo ideológico de que se nutre a lei (admitamo-lo: um certo histerismo e radicalismo feminista que, por desgraça, preterintencionalmente degrada a mulher na sua autonomia) é efectivamente tido em conta na aplicação dela. A sua função é mais própria de uma organização activista (parcial por definição) do que de um órgão de Estado (a que se exige imparcialidade).

Entre nós, ao contrário do que sucedeu em Espanha, não se foi ao ponto de criar Tribunais de Violência sobre a Mulher (!), que fazem corar de vergonha muitos colegas nuestros hermanos. No entanto, o tempo, esse implacável esmorecedor de paixões, encarregar-se-á, também aqui, de por a nu o que de muito perverso vai em tão boas intenções.

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