30 novembro 2006

 

José Esteves: confissão total

José Esteves prepara-se para uma confissão total dos seus crimes. Para além do hediondo delito já confessado, vai finalmente dizer toda a verdade sobre o seu longo e inesperadamente pesado cadastro.
Começando pelas suas ligações à Al-Qaida, de que é o representante (i)legal em Portugal (ele tem conseguido esconder que é muçulmano), e o seu conluio, ainda que indirecto, com o atentado às Torres Gémeas, seguir-se-á uma impressionante série de revelações que vão alterar profundamente a história das últimas décadas.
Com efeito, José Esteves vai confessar que foi ele que pôs a bomba no avião de Samora Machel, que entregou a pistola ao assassino de Amílcar Cabral e, mais incrível ainda, que esteve por detrás do assassinato dos dois Kennedy, sendo ele o terceiro homem nunca identificado que participou no atentado contra o John.
Recuando mais na sua funda memória, admitirá ter participado durante a Guerra Fria e mesmo durante a 2ª Guerra Mundial em inúmeras sabotagens em navios e aeronaves, de acordo com as encomendas. Indo mais atrás, teimará que foi ele que preparou o célebre atentado de Sarajevo que deu origem à 1ª Guerra Mundial.
Mas sem dúvida de que a revelação mais sensacional é esta: foi ele que afundou o "Titanic"! Não através de uma bomba, como se poderia à primeira vista pensar. A história do embate com o iceberg é verdadeira. Mas foi ele que desviou o iceberg e o fez ir contra o navio!
Os historiadores têm muito trabalho pela frente. É toda a história do sec. XX e deste nosso desgraçado sec. XXI que fica em causa.

 

Instalações de consumo apoiado para a recuperação

O nome é arrevezado, mas pretende ser aquilo que os jornalistas insistem em chamar "salas de chuto", nome impróprio uma vez que não são recintos para praticar futebol.
Certo é que ontem a Câmara Municipal de Lisboa aprovou a sua criação (duas unidades) e essa decisão é sem dúvida um marco importante e, espera-se, irreversível na abordagem do fenómeno da toxicodependência em Portugal, primeiro rombo nos tabus que têm dificultado a implantação de uma política global de redução de danos.
No entanto, apesar dessa importância, a deliberação da CML levanta dúvidas e preocupações. Parece, na verdade, e o nome dado às ditas instalações reflecte-o, que a CML se quer afastar da motivação que presidiu à previsão de "programas de consumo vigiado" por parte do DL 183/2001, de 21-6, e dar à iniciativa uma perspectiva mais de "motivação para o tratamento" do que de redução de danos. Mais: parece que a CML julga que não é necessário estabelecer qualquer articulação com o IDT.
Ora, há aqui uma série de equívocos. Em primeiro lugar, a CML não poderá implementar programas de consumo vigiado sem autorização do IDT: é o que está determinado pelo art. 66º, nº 2 do citado DL. A iniciativa é das câmaras, mas a autorização é do IDT.
Por outro lado, os programas de consumo vigiado previstos nesse diploma não se circunscrevem à permissão do consumo, pois também devem incluir medidas de "promoção da proximidade com os consumidores, de acordo com o respectivo contexto sócio-cultural, com vista à sensibilização e encaminhamento para tratamento", segundo reza o art. 65º do mesmo DL.
A "preocupação" enunciada pela CML quanto à "motivação para o tratamento" só pode, pois, significar uma de duas: ou que a CML desconhece a lei (e daí talvez também desconhecer que é necessária a autorização do IDT) ou que quer dar uma maior ênfase à tal "motivação para o tratamento". E isso pode ser perigoso. Porque muita motivação, muita pregação, muita moralidade junto dos toxicodependentes só pode levar ao afastamento à partida de muitos deles, quando o que se pretende é precisamente chamá-los, ligá-los aos sistemas estatais de saúde, de segurança social, de promoção de emprego.
Enfim, para já, o que a CML tem a fazer é ler a lei. É sempre bom para os governantes fazê-lo. Porque ter a maioria não basta. É preciso governar dentro do quadro legal.

27 novembro 2006

 

Os privilégios dos jornalistas

O Governo resolveu mexer agora nos “privilégios” dos jornalistas, nomeadamente o que se refere ao sistema especial de saúde. Também era o que faltava andar o Governo a atacar os “privilégios” de todos os grupos profissionais da Administração Pública, e manter um desses “privilégios”, comparticipando no sistema de saúde de um grupo profissional privado, por muito que esse grupo o apoiasse no seu ataque aos “privilégios” dos outros. Vital Moreira, aliás, que – honra lhe seja feita! – tem exercido uma vigilância atentíssima sobre os “privilégios” de todos os grupos profissionais e até sobre os das populações de certas localidades, como aconteceu recentemente com a sua denúncia em matéria de financiamento dos transportes urbanos de Lisboa e Porto, Vital Moreira já tinha chamado a atenção para essa discrepância. O Governo parece tê-lo finalmente ouvido também neste ponto.
O curioso é ver como certos jornalistas e o seu Sindicato – José Manuel Fernandes assevera que se trata de uma posição ultraminoritária (honra lhe seja feita também pela sua louvável coerência!) - têm reagido. Indignam-se com a retirada do “privilégio” e afirmam que a sua profissão é de muito desgaste. Pois é! Também a minha profissão é de muito desgaste, e, quando o afirmo, não estou a brincar, por muito pouco a sério que seja levado. E os professores também têm uma profissão de grande desgaste, segundo asseveram. E os polícias. E os militares. E por aí fora. Todos os grupos profissionais exercem funções de grande desgaste.
De maneira que os jornalistas ultraminoritários que invocam o grande desgaste da profissão (nos quais se deve incluir a jornalista Maria Antónia Palla, mãe do ministro da Administração Interna) têm, afinal, esta particularidade: são iguaizinhos aos outros todos quando se trata de reagir ao ataque dos seus “privilégios”.

26 novembro 2006

 

Lembrando (também eu) Mário Cesariny de Vasconcelos



a um rato morto encontrado num parque

Este findou aqui sua vasta carreira
de rato vivo ante as constelações
a sua pequena medida não humilha
senão aqueles que tudo querem imenso
e só sabem pensar em termos de homem ou árvore
pois decerto este rato destinou como soube (e até como não soube)
o milagre das patas - tão junto ao focinho! -
que afinal estavam justas, servindo muito bem
para agatanhar, fugir, segurar o alimento, voltar atrás de repente, quando necessário

Está pois tudo certo, ó "Deus dos cemitérios pequenos"?
Mas quem sabe quando há engano
nos escritórios do inferno? Quem poderá dizer
que não era para príncipe ou julgador de povos
o ímpeto primeiro desta criação
irrisória para o mundo - com mundo nela?
Tantas preocupações às donas de casa - e aos médicos - ele dava!
Como brincar ao bem e ao mal se estes nos faltam?
Algum rapazola entendeu sua esta vida tão ímpar
e passou nela a roda com que se amam
olhos nos olhos - vítima e carrasco

Não tinha amigos? Enganava os pais?
Ia por ali fora, minúsculo corpo divertido
e agora parado, aquoso, cheira mal.

Sem abuso
que final há-de dar-se a este poema?
Romântico? Clássico? Regionalista?

Como acabar com um corpo corajoso humílimo
morto em pleno exercício da sua lira?


Pena Capital

 

Obrigado por fumar...


... é o título de um filme que estreou esta semana nos cinemas. E logo agora em que devido a um infeliz entupimento nasal me vi forçada a diminuir drasticamente a minha dose diária de nicotina, químicos e alcatrão. Ao que parece o filme parte do pressuposto de que todos sabemos que fumar faz mal, mas que se troca esse mal pelo bem que sabe. Ora nem mais. É que é mesmo isso!
Não vi o filme, mas as críticas dos cinéfilos assim como o trailer aguçaram a minha curiosidade.
Ao vermos o trailer somos confrontados com uma certeza - Alto, que isto não é a apologia do tabaco! - e pode-nos também assaltar a dúvida: o que é que a defesa do direito a esfumaçar tem a ver com a defesa do uso das armas de fogo?
Devo confessar que causa algum espanto ver o tabaco, o álcool, as armas, o Michael Jordan e o Charles Manson enfiados todos no mesmo saco.
Uma resposta é possível: o filme pretende ser uma chamada de atenção para a hipocrisia que rodeia estas matérias; um alerta para a sociedade higienista e politicamente correcta e em que a manutenção de negócios tão rentáveis nada tem a ver com a questão.
Se for esse o objectivo - não tem de quê...

 

Ama como a estrada começa


Mário Cesariny, Pena Capital

 

Cesariny

Mário Cesariny
Sem título, 1969
Acrílico sobre platex
49 x 61 cm
Ex-colecção Cruzeiro Seixas, doação Eng. João Meireles, colecção Fundação Cupertino de Miranda
[retirado do site da Fundação Cupertino de Miranda, Vila Nova de Famalicão]

 

Mário Cesariny

YOU ARE WELCOME TO ELSINORE

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos a morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras e nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

(De Pena Capital, 1957)

Mário Cesariny, «You are welcome to Elsinore» in
Século de Ouro. Antologia Crítica da Poesia Portuguesa do Século XX
Organização de Osvaldo Manuel Silvestre e Pedro Serra
Braga/Coimbra/Lisboa: Angelus Novus & Cotovia, 2002
pp.280-281
(seguido de um ensaio da autoria de Perfecto E. Cuadrado Fernández)

[retirado do site do INSTITUTO PORTUGUÊS DO LIVRO E DAS BIBLIOTECAS]

23 novembro 2006

 

Passeio ou manifestação?

Esta a magna questão que põe o "evento" hoje ocorrido no Rossio. Umas centenas de militares juntaram-se em pequenos grupos, cumprimentaram-se, circularam, cumprimentaram os mesmos e outros entretanto chegados, alguns falaram para as TV's, continuaram a circular, pelos passeios, sem perturbarem o trânsito, sem provocarem qualquer alteração ao pacato fim de tarde naquela praça. Entretanto uma comissão de militares fazia nas redondezas uma improvisada conferência de imprensa, dando conta dos motivos de queixa que têm do Governo.
Será esse comportamento ilegal? Admitindo que aos militares é vedado realizarem manifestações, será aquele evento uma manifestação?
"Manifestação", em sentido normal, ou mesmo em sentido "técnico", parece não ser. Vejamos: uma manifestação é uma aglomeração de pessoas reunidas em torno de um objectivo comum, geralmente de protesto, mas também de apoio, que frontalmente proclamam a sua adesão a esse objectivo. A manifestação não esconde nunca o que pretende expressar. E fá-lo geralmente com o maior aparato possível, de forma a espalhar com a maior eficácia a "mensagem" que pretende transmitir. Por isso, as manifestações são quase sempre nas vias públicas. E daí a imposição legal de comunicação prévia às autoridades, que se destina a que estas adoptem as medidas adequadas à regulação do trânsito e à manutenção da ordem pública. Mas essa comunicação, sublinhe-se, não é um pedido de autorização!
A manifestação não é, porém, a única forma de protesto público. Uma que há muito é utilizada em Portugal é a vigília à porta de edifícios públicos, geralmente praticada por um grupo reduzido de pessoas, que se mantêm no local até conseguirem ser recebidos e assim entregarem a sua mensagem. É óbvio que as vigílias não são ilegais, nem mesmo quando não precedidas, como é habitual, da comunicação prévia às autoridades.
Outras formas de protesto podem ser concebidas. É uma questão de imaginação. E a necessidade aguça o engenho, já o sabemos. Os militares escolheram para hoje uma forma de protesto original, que não se enquadra na proibição legal que lhes é imposta. Eles não se manifestaram: exteriorizaram um protesto de uma forma subtil, não precisando de gritar, nem sequer de exprimir, esse protesto. Este comportamento não é uma manifestação, nem em sentido comum, nem em sentido jurídico.
As restrições aos direito fundamentais, como o direito de manifestação, não podem ser interpretadas extensivamente. Ora, só por via desse tipo de interpretação seria possível enquadrar o evento de hoje numa manifestação, considerando-a, por exemplo, uma manifestação "encapotada". Mas tal não existe. Só há manifestações descapotadas!
Assim, à pergunta do título, respondo: passeio, inalienável direito do cidadão.

 

Ainda o especial de corrida


Segundo a notícia do Público de hoje, a proposta de RR sofre algumas dificuldades (nem sempre o génio é compreendido).
Contudo, a crer na mesma notícia, a ideia do procurador especial já é vista com bons olhos por importante «barões», como aí se diz, ou «senadores», como é mais corrente designar os prolatores da verdade em certas repúblicas, se for a via para julgar o caso de Camarate.
Apenas algumas notas singelas:
- Para clarificar as coisas, seria bom que se indicasse inequivocamente quem são os felizes contemplados que se pretende ver acusados (e os termos e provas da acusação);
- Depois como, no caso concreto, o «problema» para a verdade parlamentar não foi apenas a falta de um procurador especial (até porque a acção foi impulsionada por advogados, um dos quais especial), mas um tribunal de instrução e um tribunal da relação relapsos, conviria arranjar uma 1ª e uma 2ª instância especiais com competência para alterar esses veredictos ordinários;
- Também seria avisado esclarecer como se deve tratar no caso concreto eventuais incómodos gerados por um prazo de prescrição ordinário (talvez um prazo especial);
- Por último, e em nome da força da verdade legitimada democraticamente, asseguradas as especialidades necessárias para a pronúncia, será bom esclarecer entidades ordinárias, que eventualmente intervenham no procedimento, da força da legitimidade democrática que determina as especialidades preliminares e da sua falta de legitimidade para a contrariar... ou talvez seja melhor assegurar tribunais de julgamento e de recurso especiais.
«Se for para julgar Camarate, faça-se»!

21 novembro 2006

 

As pernas de Miss Israel

Nunca as vi. Mas devem ter um elevado valor. Estético, evidentemente, mas não só. Adquiriram um inegável valor político-estratégico. Na verdade, a miss Israel solicitou permissão para não transportar a arma durante o serviço militar porque as marcas nelas provocadas pelo uso da arma estavam a dificultar-lhe a pose para as fotografias.
Colocada a questão aos comandantes (qual o nível de decisão, não foi divulgado), estes, depois de a examinarem (à questão e às pernas, seguramente), decidiram conceder uma excepção à miss, dispensando-a do transporte da arma até ao fim do serviço militar.
No conflito entre o cumprimento (que se quer sempre rigoroso) do regulamento militar e a difusão fotográfica das pernas por esse mundo fora, no conflito entre estes interesses opostos, triunfou o segundo. Ou seja, o interesse militar das pernas de miss Israel foi suplantado pelo seu valor político-estratégico, enquanto parte integrante de uma estratégia que visa mais longe do que os mísseis diariamente disparados contra Gaza: a promoção da imagem de Israel no mundo.
As pernas da miss foram, digamos, nacionalizadas, postas ao serviço do interesse nacional. Que maior glória para umas pernas?

20 novembro 2006

 

A ler


Quando não se tem tempo, inspiração ou quando os outros conseguem traduzir os nossos pensamentos em palavras de uma forma que não conseguiríamos fazer, resta aconselhar a leitura de O Saneamento de Franco, de Pedro Caeiro em www.marsalgado.blogspot.com.

 

O estranho caso do procurador especial

Logo que li no “Público” de quinta-feira passada a notícia sobre a ideia da criação da figura do “procurador especial” para exercer a acção penal, deduzindo acusação e sustentando-a em julgamento naqueles casos, como o de Camarate, em que o Ministério Público se abstivesse de acusar e o Parlamento, em inquérito da sua competência, concluísse haver indícios de crime, reagi imediatamente pondo-me a dedilhar as teclas do computador, com vista a uma prosa para o blogue. Porém, os afazeres profissionais não me deixaram acabar a prosa começada. E agora, se retomo a ideia, é já em novos moldes, porque vários colaboradores do “sine die”trataram já a questão em termos coincidentes com as críticas que eu queria fazer e, porventura, até de uma forma mais profunda e ilustrada do que eu o saberia fazer.
Por isso, esta prosa, para além de constituir ocasião de eu manifestar a minha adesão às ideias já expressas por Paulo Dá Mesquita, Pedro Soares de Albergaria e, por fim, por Maia Costa, é apenas mais um desabafo, do que outra coisa. Desabafo que eu também pretenderia de estupefacção por a proposta ter surgido do PS, que nestas matérias (e noutras, mas é de processo penal que agora curo) tem vindo a demonstrar uma fragilidade e uma sinuosidade teóricas notáveis, e por essa proposta representar uma subversão paródica dos mais elementares princípios do processo penal português e da figura do “special prossecutor” dos Estados Unidos da América.
Na verdade, a figura do “special prossecutor” nasceu nos Estados Unidos como forma de emprestar objectividade e credibilidade ao exercício da acção penal quando estivesse em causa a investigação de determinados crimes contra políticos, nomeadamente em casos de corrupção, pois o Ministério Público, lá, tem uma natureza política, de completa vinculação ao executivo, regendo-se por critérios de oportunidade e não de legalidade, e não estando sujeito ao princípio da objectividade. Exerce, pois, a acção penal segundo critérios políticos, perseguindo ou deixando de perseguir certos crimes segundo as conveniências prevalecentes em determinados momentos. Neste contexto, a figura do “procurador especial” surgiu como contraponto a esse tipo de Ministério Público, para dotar o exercício da acção penal em certos casos de um representante independente.
Cá, passa-se exactamente o contrário: o Ministério Público é uma magistratura autónoma, que está sujeita aos princípios da legalidade e da objectividade. De modo que a figura do procurador especial, com base no Parlamento, serve para quê? Para dar uma objectividade e uma credibilidade acrescidas ao exercício da acção penal em certos casos? Para suprir as falhas do Ministério Público, constituindo-se o Parlamento em seu órgão substitutivo, ou em seu órgão supervisor e fiscalizador, como parece pretender também o PSD, que já foi um acérrimo defensor do modelo de Ministério Público que depois veio a prevalecer na Constituição? Ou será para criar um Ministério Público político para exercer a acção penal em casos políticos, como decorre da ideia veiculada através do “Público” de sábado, segundo a qual esse “procurador especial” actuaria em casos de terrorismo e crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, homicídio contra membro de órgão de soberania, altas figuras do Estado ou atentado contra o presidente da República?
Ou seja, teríamos um Ministério Público especial criado no exacto avesso dos princípios da objectividade, da credibilidade, da legalidade e da autonomia. Bonito serviço!
Será preciso lembrar que o PS já quis criar um foro especial para os políticos?

19 novembro 2006

 

Bush: que mais irá decidir?

Bush nomeou para coordenador do programa federal de planeamento familiar um homem que é contra a contracepção.
Poderá haver escolha mais absurda? Bush filho parece apostado em fazer do contra-senso o sentido da sua acção. Será ele afinal um perverso actor/autor de um guião de que ainda não sabemos o fim?

 

Almoço em São Bento

Na passada 3ª-feira houve um almoço em São Bento. Anfitrião: o PM. Convidados: os ministros da Justiça e das Finanças e o PGR. O "prato forte" do almoço não foi qualquer espécie culinária (o Orçamento do Estado não o permite e estava lá precisamente o Ministro das Finanças), mas sim a "Operação Furacão". Motivo do almoço: a preocupação do Governo pela "imagem da banca". Conclusão do almoço: necessidade de "investigar depressa e em força".
Tão insólita almoçarada (ainda que possivelmente frugal, face aos condicionalismos) deixa-me algumas perplexidades. Qual o exacto e preciso "interesse" do Governo na matéria? O que fazia o Ministro das Finanças no almoço?
Julgava eu que as recentes e unânimes declarações das mais altas figuras do Estado no sentido da necessidade de perseguição impiedosa da corrupção e criminalidade económica eram para levar a sério. Mas, à primeira grande investida nessa área, a reacção do Governo não é de incentivo à investigação, mas sim de "preocupação" com a imagem dos arguidos (tudo gente acima de toda a suspeita, aliás). E em vez de recomendar uma investigação profunda e profícua ("doa a quem doer", etc.), recomenda uma investigação rápida e em força!!!
Será que esses métodos são compatíveis com uma investigação que é certamente muito complexa? Estarão reunidas as condições para uma investigação que vá "ao fundo"?
Enfim, fico por aqui.

 

Procurador especial ou específico?

Entro já um pouco tarde na discussão sobre o "procurador especial", mas gostaria de ainda tecer breves comentários, corroborando na generalidade o que foi anteriormente dito pelos outros membros do Sine Die.
Em primeiro lugar, a proposta do deputado RR assenta num paradoxo evidente, mas não inocente: nos EUA a figura do PE visa salvaguardar a autonomia da investigação e acusação; aqui teria a finalidade contrária: vincular o PE à posição tomada pela AR, fazer do PE uma espécie de patrono da AR com instruções específicas para assumir determinada posição junto dos tribunais, assim contornando a garantia constitucional de autonomia do MP. Ou seja, seria o completo desvirtuamento da figura do PE.
Em segundo lugar, não constitui tarefa materialmente legislativa ou política (únicas áreas de competência da AR) a definmição da existência de indícios de crime, matéria materialmente judicial. Aliás, a "verdade parlamentar", como sabemos bem, é muito volátil, dependendo das maiorias e dos seus pontos de vista conjunturais. A verdade judicial (processual) assenta noutros critérios, concretamente no da verdade material processualmente válida. É essa uma dos garantias básicas do processo penal justo. A vinculação da acusação pública a uma "verdade" estabelecida na AR violaria o princípio da separação de poderes.
Em terceiro lugar, não parece constitucionalmente admissível (sem revisão constitucional, evidentemente) a criação da figura do PE porque o MP tem o monopólio do exercício da acção penal (o assistente é um mero "colaborador" do MP, a cuja actividade está subordinado).
Em quarto lugar, parece evidente que esta delirante proposta traz água no bico:Camarate. Mas também traduz uma notória incursão no "território" do MP. Por que será?

16 novembro 2006

 

Nem tudo o que é especial é bom

Não se percebeu ainda muito bem o que verdadeiramente pretende o Governo – e quais as respectivas motivações – com a anunciada criação de um Procurador Especial de sabor estadunidense. No entanto, julgo que ela merece, para já (o cepticismo está-me inscrito no modo-de-ser), algumas reservas, que, entrando na discussão despoletada por Ricardo Matos e Paulo Dá Mesquita, alinho de modo breve e a “a benefício de inventário”:
1 – Em primeiro lugar, e ao menos numa apreciação ex abrupto da noticiada proposta, permito-me discordar de Paulo Dá Mesquita quando sugere que a razão por detrás da nomeação dos vários special prosecutors (aliás, desde 1983, Independent Counsels, como modo de evitar um nomen muito conotado com o caso Watergate) nos E. U. A. – “a remoção do procurador da estrutura estabelecida na lei de molde a assegurar uma investigação imparcial” – pode ser trasladada para a nossa realidade jurídico-constitucional e institucional. Precisamente aquela razão é válida, naquele país, porque o MP é ali, em sentido próprio, órgão do executivo e o Attorney General, um verdadeiro ministro da justiça. Não é por acaso que a lei que regula a nomeação do Independent Counsel nos E. U. A. refere que, após a nomeação, por um painel de 3 juízes do U. S. Court of Appeals do Distrito de Colúmbia, ele fica dotado de “full power and independent authority”. Portando, uma preocupação de garantir, ali, uma independência face ao executivo que, segundo creio, a autonomia assinalada ao nosso MP já acautelou (e, aliás, foi constitucionalmente reconhecida, de entre outros, para esse fim).
2 – Em segundo lugar, a proposta apresentada – ao permitir nova investigação (pelo Parlamento) e nova acusação (pelo Procurador Especial), se para tanto ocorrer deliberação bastante, na sequência de arquivamento ou não pronúncia proferidos pelo MP ou Juiz de Instrução nos termos gerais da lei processual penal – está na verdade a fazer duas coisas:
2.1. Em primeiro lugar, de forma preocupante, subverte o princípio de que é a verdade que faz o juízo e não a autoridade: esta faz, tão só, a lei. Tenho dificuldade em admitir acusações porque uma maioria, seja qual for, assim o decide (e note-se que o argumento não pode aplicar-se, sem mais, ao tribunal de júri).
2.2. Em segundo lugar, está a transparecer, quanto a mim de modo inequívoco, uma extrema desconfiança do MP e do Juiz de Instrução e, no fundo, como que por paradoxo, despreza as instituições e as regras que ele próprio (Parlamento) aprovou a este propósito. Se elas não servem, deve revogá-las e alterá-las, não fazê-las concorrer com outras figuras e regras com as mesmas funções e objectivos. Matá-las é legítimo; desprezá-las é indigno.
3 – Em terceiro lugar, ao se personalizar, de modo radical (como é inevitável, para o caso de nomeação de Procurador Especial), a função de exercício da acção penal, corre-se um risco que é bastamente denunciado nos E. U. A.: o de tornar ainda mais mediáticos e sujeitos a pressões as mais díspares os casos que, em virtude da notoriedade dos investigados, já são por si muito mediatizados.
3 – No mais, e por fim, tudo é ainda nebuloso e não merece, para já, comentário, que correria o risco de ser injusto. Desde as relações entre a Comissão de inquérito e o Procurador Especial (p. ex., este pode arquivar, se a Comissão enviar os “autos” para acusação?) e as relações entre este e o PGR (também responde, e em que medida, perante este? E, nesse caso, como se compatibiliza a eventual responsabilidade concorrente perante o Parlamento e o PGR?), até aos critérios para nomeação da pessoa a prover no cargo, etc. Mas estas são contas de outro rosário.

 

Elogio a um deputado especial


O acompanhamento apenas acidental dos trabalhos parlamentares, não me impde de arriscar a aposta no deputado Ricardo Rodrigues (R. R.) como fortíssimo candidato ao prémio revelação da X legislatura.
A proposta sobre o procurador especial, apesar de pasmar o Ricardo Matos, denota que R. R., para além do profundo conhecimento da Constituição portuguesa (e em particular da judiciária) já insinuado noutras intervenções (acredito que também deve ter emprestado o seu brilho à redacção da resolução comentada a semana passada), é portador de uma cultura jurídica abrangente, nomeadamente, com um conhecimento profundo do direito norte-americano.
Conhecimento que, tudo me leva a crer, compreende não só a história recente do «procurador especial», sobretudo a partir do início dos anos 70 do século passado com o caso Watergate, como os clássicos do constitucionalismo norte-americano, em particular James Madison, autor do texto invocado pelo Congresso ao traçar o estatuto da figura em 1978. Admito mesmo que o trecho «experience has thaught mankind the necessity of auxiliary precautions», tenha sido especialmente atendido por R. R., com uma provável originalidade interpretativa que, caso R. R. fosse norte-americano, ainda lhe poderia permitir um justificado reconhecimento enquanto historiador crítico.
É óbvio que a abordagem comparatista exige adaptações, em que se revela a exigência e a criatividade do adaptador mas, de certo que, a preocupação que determina o recurso a um procurador especial em Portugal tem em atenção o lastro do seu congénere norte-americano: a reacção contra o problema da influência política, ligada à possível corrupção, na administração da justiça. Aliás, como de certo R. R. sabe melhor do que este escriba, a característica comum às várias formulações de procuradores especiais intentadas nos EUA, é «a remoção do procurador da estrutura estabelecida na lei de molde a assegurar uma investigação imparcial».
Merece assim acompanhamento interessado o evoluir da noticiada proposta, em que, provavelmente, R. R. vai alardear uma vez mais os seus dotes, não só ao proceder ao enquadramento constitucional da figura (que espirítos menos iluminados possivelmente não alcançam) como ao concretizar os motivos que determinam a necessidade desta solução no Portugal de hoje (de molde a assegurar a imparcialidade da repressão criminal afastando o procurador ad hoc da estrutura ordinária e suas nefastas contaminações).

15 novembro 2006

 

Lado A - Lado B


 

O fardo da memória

Uma criança nasce, torna-se adolescente, adulto.
Ao longo da sua vida amores e desamores vão-se sucedendo e acontecendo; alegrias e tristezas; vitórias alcançadas, projectos construídos, abandonados e derrubados. Erros também são cometidos, faltas graves e... até coisas de que se pode envergonhar e que não quer recordar. Mas são esses pequenos/grandes eventos que o tornam naquele ser.
Querer fazer de conta que no pasa nada, apagar, reescrever, são atitudes possíveis.

Mas - maldição das maldições - essa sucessão de eventos é guardada no escaninho da memória. É esse o fardo que nos acompanha.

 

(Late, late) Happy Birthday... Mr. Sine Die

O Sine Die fez 1 ano a semana passada. Os meus parabéns ao seus criadores e um agradecimento por me deixarem colocar aqui umas postas e umas músicas... E, como não podia deixar de ser, aqui fica mais uma.



 

Procurador Especial.

«(...)
Segundo a proposta da autoria do deputado Ricardo Rodrigues, sempre que o relatório final de uma comissão de inquérito concluir pela existência de indícios da prática de crime, este deve ser remetido ao Procurador-Geral da República, "para efeitos de procedimento criminal".
Em caso de arquivamento ou despacho de não pronúncia, lê-se na proposta , "os autos são remetidos ao presidente da Assembleia da República", que deverá convocar a comissão de inquérito parlamentar para que esta reaprecie as conclusões constantes do relatório final.
Quando a comissão confirme, por maioria de três quartos dos seus membros, a conclusão da existência de indícios da prática dos crimes de responsabilida de dos titulares de cargos políticos, de terrorismo, de homicídio contra membro de órgão de soberania ou altas figuras do Estado ou em caso de atentado contra o Presidente da República, "pode nomear jurista de reconhecido mérito como Procurador Especial, para efeitos de acusação e representação em juízo".
"O Procurador Especial exercerá as suas funções com estatuto idêntico ao do Ministério Público no exercício da acção penal", é ainda referido na proposta do PS.
(...)
».


Há propostas que valem por si. Que nem vale a pena comentar. Basta contemplar. E pasmar.

 

Estátua de papel.

A decisão da Universidade de Santiago de Compostela de retirar o doutoramento honoris causa a Franco não me parece tratar-se de um “desfazer da história” ou, eventualmente, de uma afirmação de "verdade oficial".
O acto de reconhecer que Franco desmerecia afinal o grau honorífico com que foi agraciado reflecte, do meu ponto de vista, o forte valor simbólico que aqui referi mas que, face à importância do que significa o “reconhecimento e ampliação de direitos e estabelecimento de medidas a favor daqueles que sofreram perseguições ou violência durante a guerra civil e a ditadura”, é apenas mais uma estátua que se retira do pedestal.

 

África do Sul.

Enquanto por cá se aguardam debates amplos na sociedade, seja informal, seja formalmente, através de actos referendários, para que se dêem respostas a questões básicas de direitos humanos, o Parlamento da África do Sul, que não se esconde por detrás de alegadas “fracturas” da sociedade para não lhes dar resposta, aprovou a Civil Union Bill que reconhece e garante o direito de contrair casamento a casais homossexuais.

14 novembro 2006

 

A reconstrução do Líbano

Diz o oficial que vai comandar o contingente militar português de engenharia que a reconstrução das infra-estruturas do Líbano vai demorar "alguns anos" (o que dá uma pequena ideia da dimensão do "desastre").
Ou seja: Israel destruiu, os outros (Portugal, entre outros) pagam.
Moral da história: a história não tem moral nenhuma.

 

Os limites do "poder constituído"

O Arcebispo de Braga e Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa afirmou ontem que o "poder constituído" não tem competência para liberalizar ou descriminalizar o aborto, um crime "por natureza".
Lê-se e não se acredita. Será que este alto dignitário das Igreja Católica portuguesa julga que em Portugal a lei suprema é o catecismo e o órgão de poder máximo aquele a que preside?
Tão arrogantes declarações parecem demonstrar que a Igreja Católica não há meio de interiorizar o princípio da separação entre as igrejas e o Estado (já lá vão 30 anos!).
E que é isso de crimes "por natureza"? Temos agora uma "sharia" cristã? E um "conselho de ulemás" como guardião dos dogmas? Não seria melhor que cada um guardasse os seus dogmas para si, sem tentar impô-los aos outros? Não é isso precisamente o que se designa por "sociedade aberta"?
Ainda a procissão não chegou ao adro e já o pregador ameaça com a excomunhão. Que virá depois?

 

A função do judiciário e a agenda da nação

Os interessados sobre a função do judiciário e a agenda da nação... nos EUA, podem ler o interessante artigo de F. Schauer na Harvard Law Review.

 

A propósito da Universidade de Coimbra, do franquismo e do salazarismo



Vital Moreira num postal intitulado «A mancha de Coimbra», a propósito da notícia da retirada do título de «doutor honoris causa» concedido a Franco pela Universidade de Santiago de Compostela, lembra que esse título também foi concedido ao caudilho pela Universidade de Coimbra e interroga: «Por que não abrir os arquivos sobre as circunstâncias e os protagonistas dessa triste página da Universidade de Coimbra?». Ao ler esse texto, José Medeiros Ferreira parece entender que Vital Moreira «sugere que ela faça o mesmo» que a de Santiago de Compostela e, embora «sem discordar propriamente de Vital Moreira», defende que «só deviamos atacar o franquismo entre nós depois de termos feito o mesmo com o salazarismo doméstico».
O comentário de Medeiros Ferreira obriga Vital Moreira a suprir o «equívoco», esclarecendo que não propôs nem sugeriu a revogação do coimbrão doutoramento porque «a história não se desfaz, importando sim julgar o acontecimento».

O ameno diálogo de dois «bloggers» que, além de destacados actores políticos da III República são muito influentes no Portugal académico de hoje, o primeiro como jurista e segundo como historiador, suscitado por um pequeno evento, o doutoramento «honoris causa» de Francisco Franco, parece fluir para o tema muito maior do papel político da Universidade de Coimbra. Em especial num período «áureo» da sua Faculdade de Direito, segundo a fundamental história da Revista de Legislação e Jurisprudência escrita por Guilherme Braga da Cruz, depois de muitas dificuldades vividas no primeiro quartel do século XX. Nesses 48 anos a Faculda de Direito de Coimbra desempenhou uma determinante função legitimadora da ditadura militar (anti-liberal, anti-democrática e anti-individualista) e, além de constituir um centro fundamental na construção do edifício jurídico em que se sustentou o aparelho autoritário do Estado Novo, foi o principal o pólo de formação da respectiva cultura jurídica (num sistema que se fundou não só na «moralização» como na «juridificação» do poder e do Estado).
Se o episódio do doutoramento do caudilho, além de constituir uma «mancha», merece uma página na história da vetusta academia, compreende-se que, em particular no seu seio, exista algum desconforto no confronto com o papel da instituição nesses 48 anos, que para uma correspondência equitativa exigiria vários e volumosos volumes, ainda que de uma «triste» história, que merecem ser editados.
História que, paradoxalmente ou talvez não, compreenderá o período em que as faculdades de direito e em particular a de Coimbra maior peso terão tido no aparelho estatal, em que se desenvolveu um peculiar conceito de autonomia e autosuficiência, e de pretensa neutralização política do jurídico... Direito, mediador fundamental do autoritarismo que operou num regime tecnocrático que foi justamente apelidado de «catedrocracia» (Philippe C. Schmitter), ou seja a matéria fundamental de diversos «volumes», até porque neles mais do que a simples genealogia poderiam encontrar-se algumas chaves do presente de muitas instituições – trabalho que a ser empreendido, sublinhe-se, só tem sentido num quadro de liberdade e não com a intencionalidade de um julgamento oficializado da história.


PS- Relativamente à mini polémica verificada no Sine Die há uns meses parece que, afinal, o «movimento de reavivamento da memória democrática sobre o fascismo espanhol» compreende algum «desfazer da história», ou pelo menos, repetindo-me, a verdade que agora anima certos actos oficiais em Espanha «independentemente de corresponder a uma leitura fundada do passado, compreende uma proclamação que se me apresenta perturbadora, pois parece-me que só excepcionalmente podem ser cunhadas pelo Estado as “verdades históricas”».

13 novembro 2006

 

Sindicatos bons, sindicatos maus

Os sindicatos (pelo menos alguns) podem estar tranquilos. Não há nenhuma deriva anti-sindical do Governo. Quem o garante é Vital Moreira. E explica que a conflitualidade só existe com os sindicatos do sector público (que não querem perder os privilégios). Mas, insiste, não há nenhum discurso anti-sindical nem qualquer tentativa de atacar os direitos dos sindicatos, como a contratação colectiva e o direito à greve.
Podem, pois, os sindicatos, os bons, claro, ficar tranquilos quanto às intenções do Governo. Só os malandros da função pública têm a recear as investidas (justas) do Governo, para pôr termo aos seus privilégios. O Governo, como o Zé do Telhado, tira aos privilegiados para dar aos pobres. Tudo bem, portanto.
Vital Moreira só não explica como é que o Governo podia "tentar" retirar aos sindicatos o direito à greve e à contratação colectiva, direitos que vêm estabelecidos na Constituição (arts. 56º, nº 3 e 57º, nº 1) e que estão protegidos pelos limites materiais da revisão, por força do art. 288º, e).

 

A importância de um voto

O nosso Primeiro-Ministro anda juridicamente mal aconselhado. Efectivamente, instado para dizer qual a posição do PS sobre a despenalização do aborto em caso de vitória do "não" e não tendo o referendo carácter vinculativo, respondeu ele que o PS tinha que "respeitar" a votação maioritária, e portanto deixar cair a despenalização. E insistiu que era preciso que o "sim" ganhasse, nem que fosse por um voto.
É preciso urgentemente que alguém explique ao PM que, nos casos em que a Constituição não atribui carácter vinculativo ao referendo, não há vitórias nem derrotas, há pura e simplesmente omissão de expressão de vontade popular. É indiferente que "ganhe" o "sim" ou o "não" quando a votação não atinge os 50% de votantes. Nesse caso, a Assembleia da República é soberana. E os partidos devem assumir as suas responsabilidades no âmbito parlamentar.
Quem lhe explica isto?

 

Congresso em tempo de vacas gordas

Lá terminou o congresso do PS. Tudo decorreu como o previsto: votações a 99%, entronização do chefe, esmagamento dos críticos. Só faltaram mesmo as majoretes, elemento que teria conferido certamente maior colorido ao espectáculo e mobilizado com maior eficácia os congressistas. Foi o típico congresso "aclamatório", que predomina em tempos de vacas gordas, ou seja, quando o partido congressional ocupa refasteladamente as cadeiras do poder. Quando as vacas emagrecem, as coisas mudam. Mas, não antecipemos. Por ora, o palco é todo para o vencedor, com o partido vergado a seus pés.
Encerrado o certame, há quem pergunte se o PS ainda é de esquerda. A resposta está completamente à vista desarmada. Este PS já não nem na "3ª via" se revê: escolheu, sim, a via reduzida para seu programa.

 

Esquerda moderna

Jaime Gama, em sintonia com o saudável unanimismo que teve expressão no Congresso do PS – um unanimismo laboriosamente conseguido por Sócrates e que São José Almeida retrata muito bem na sua crónica de sábado no “Público” (ressalvem-se algumas ovelhas tresmalhadas, como Manuel Alegre e Helena Roseta – sempre os mesmos!!! no desabafo do ministro das Finanças - teceu um discurso arroubado à volta da esquerda moderna. E o que é a esquerda moderna? É a esquerda que rejeita “as plataformas, os chavões e os jargões da esquerda obsoleta”.
Registo a clarividente definição do nosso presidente da Assembleia da República (pena não se poder reproduzir o tom e as pausas). Através dela, entrevêem-se os luminosos caminhos que se abrem à nova esquerda, isto em contraponto às verrinosas afirmações de Vasco Pulido Valente, que no “Público” de sábado sentenciou demolidoramente: “Removido o marxismo e o mito histórico da revolução francesa (para não falar na russa), a esquerda, em princípio, deixou de existir. Isto, evidentemente, torna dificílimo classificar Sócrates. Excepto um ou dois funcionários do Governo, ninguém se atreve a dizer que ele é de esquerda”.

10 novembro 2006

 

1º aniversário

O Sine Die fez ontem um ano. Como acontece (quase) sempre, o projecto inicial não se cumpriu inteiramente. Sabe a pouco o que realizámos ao longo deste 1º ano. São muitas as razões e não vale a pena tentar inventariá-las. Um blogue como o nosso é um espaço plural, dependente das disponibilidades, da criatividade, da dedicação, da iniciativa e da "inspiração" momentâneas de cada membro, sem qualquer coordenação, muito menos direcção, de algum deles. É como espaço absolutamente livre que dá gosto nele participar.
A importância dos blogues tem sido nos últimos tempos desvalorizada. Mais do que isso: alguns comentadorers e opinadores com banca montada na imprensa vêm erguendo as suas vozes indignadas contra a própria existência dos blogues. Não se nega que a blogosfera é um espaço propício à irresponsabilidade, ao abuso da liberdade, à vil maledicência, à calúnia que procura a impunidade.
Por isso, nos assumimos desde o início como autores identificados e responsáveis pelas nossas opiniões e movidos apenas pelo desejo de intervir civicamente. Cremos que temos sido fiéis à declaração de princípios que é a nossa Nota de Abertura.
E continuaremos o nosso projecto, a que se juntaram entretanto outros membros, vindos de gerações mais jovens, cientes de que a blogosfera é hoje um espaço essencial da esfera pública, um espaço essencial do exercício da liberdade de expressão, que vem sendo progressivamente coarctada pelo "afunilamento" ideológico, pelo estreitamento da margem crítica "conveniente" da comunicação social, mesma da escrita.
A promessa que deixamos é, pois, a de prosseguir na mesma linha, mas com mais empenho, com mais intervenção, chamando novos membros, dentro do espírito da pluralidade e diversidade ideológica, geracional e de género que preside ao nosso projecto. A nossa referência comum é a Nota de Abertura, ou seja, a fidelidade ao Direito, aos direitos, à justiça. É esse o "juramento" que nos une e que nos guia.

07 novembro 2006

 

EUA: nação perigosa

Os EUA consolidaram a sua hegemonia no mundo pós-soviético não só pela pujança da sua economia nos anos 90, não só pela difusão planetária da sua "cultura popular", não só pela sempre presente ameaça da sua supremacia militar, ameaça periodicamente posta em acção (Iraque, duas vezes, Bósnia, Sérvia, Afeganistão, etc.), como também pelo recurso a um elemento ideológico que constitui o elemento agregador dos restantes e o núcleo central da legitimação da hegemonia: a "grande narrativa" do papel messiânico dos EUA desde a independência até hoje.
Vem isto a propósito da passagem por Lisboa de um dos mais destacados "narradores" actuais, Robert Kagan, autor de um livro intitulado justamente "Dangerous nation". "Dangerous" porque, explicou ele ao Público, os EUA têm uma longa tradição de "projectar" o seu poder militar contra os diversos tipos de conservadorismo. Os EUA são, afirmou sem hesitações, "um poder revolucionário".
Esta crença arreigada no papel messiânico dos EUA, encarados como encarnação do Espírito universal, é convictamente assumida pelos "crentes", não tenho dúvidas. Mas essa crença não resiste a uma análise ainda que muito superficial da história dos EUA. Estes sempre assumiram, desde o início da sua expansão, um forte apetite colonizador e imperial, primeiro no seu "quintal" americano, depois, pelo mundo fora. Quer na América Latina, quer no mundo em geral, nunca os EUA promoveram a democracia e a liberdade, antes se assumiram sempre como aliados e promotores das ditaduras, o que se tornou particularmente evidente durante a "guerra fria" (os casos mais marcantes serão possivelmente os dos golpes sangrentos promovidos pelos americanos na Indonésia em 1965 e no Chile em 1973). Com o fim desta, as coisas não mudaram muito. A "promoção da liberdade" e dos "direitos humanos" são chavões utilizados para combater regimes nacionalistas ou renitentes à abertura aos interesses americanos. Onde os regimes são "amigos", e ainda que sejam notórias ditaduras (casos, por exemplo e entre dezenas de exemplos, do Gabão e da Guiné Equatorial), os EUA "fecham os olhos" e fazem bons negócios. A "intervenção humanitária" dos tempos de Clinton foi uma piedosa mentira para esfrangalhar a Jugoslávia. A difusão da democracia no Médio Oriente, de que agora Bush fala, daria vontade de rir, se não fosse à custa de centenas de milhares de mortos.
O paradigma da intervenção americana é possivelmente as bombas de Hiroxima e Nagasaki. A desproporcionalidade dos meios militares utilizados, a indiferença perante o sofrimento e o património alheios, a indiferença perante os civis "inimigos", o racismo (praticado internamente até aos anos 60), o recurso à tortura, directamente ou em "outsourcing", etc. são as marcas do "poder revolucionário" americano ao longo de 200 anos. Nação perigosa, efectivamente!
Mas porventura, em certo sentido, tem pertinência falar de "poder revolucionário" dos EUA, enquanto titulares do archote do capitalismo. Marx e Engels descreveram impressivamente, no 1º capítulo do Manifesto Comunista, a "revolução" que o capitalismo introduziu na economia e em toda a sociedade e nas adaptações políticas e institucionais que provocou para se adequarem à nova realidade. É certamente essa "revolução" que neoliberais, neocons e toda a restante família americana e afim quer ver expandida pelo mundo fora, pondo fim aos entraves ao mercado, às leis sacrossantas do mercado. Por isso, os EUA insistem tanto nos "direitos humanos". Falam sinceramente, mais uma vez. Mas os "direitos humanos" de que falam é dos direitos civis, apenas, isto é, dos direitos instrumentais de um bom funcionamento do mercado.
E falando do mercado, há que acrescentar o seguinte: os EUA são obviamente a favor do mercado, são os seus maiores promotores. Mas atenção: desde que eles controlem esse mercado, desde que eles imponham as regras de funcionamento. Porque, quando não lhes agradam essas regras, eles violam-nas descaradamente. É o que já tem acontecido em várias guerras comerciais com a própria União Europeia.
Mercado, sim, mas tutelado por uma gigantesca máquina de guerra para impor o respeito aos inimigos. E também aos amigos (amigos, amigos...).
Mas essa máquina está a emperrar, esse o drama..

 

A traição do "amigo inglês"

Três em cada quatro ingleses consideram Bush mais perigoso para a paz mundial do que os presidentes da Coreia do Norte e do Irão. É o que diz uma sondagem. As sondagens, já sabemos, valem o que valem.
Agora, Blair veio criticar a condenação de Saddam Hussein. Enfim, os ingleses parecem estar mesmo a ficar fartinhos do "amigo americano".

 

Perguntas indecentes

A propósito do anunciado programa de troca de seringas nas prisões, o director do Público formulou no jornal do dia 4 passado algumas "perguntas inocentes" sobre responsabilidade do Estado na perseguição ao tráfico e ao consumo de estupefacientes fora e dentro das prisões, para concluir com uma "suspeita": a de que quem assim procede na realidade não procura combater o consumo de drogas, antes desistiu de o fazer como se o consumo "fosse uma fatalidade tolerável".
É confrangedor o primarismo, nada inocente, desta tomada de posição, alinhada com o dogmatismo mais obscurantista. Ignora-se, esconde-se, que os programas de redução de danos, dentro e fora do mundo prisional, são programas de saúde pública e também do mais elementar pragmatismo: circunscrever os males e os riscos do consumo, reduzi-los, tentar melhorar a saúde dos que consomem e evitar a difusão de doenças. Tão simples quanto isto, mas tão difícil de compreender para mentes empedernidas no dogmatismo proibicionista, elevado a padrão moral incontestável.
Quão útil teria sido ao director do jornal ler a notícia publicada no seu próprio jornal no dia seguinte, na p. 29, sobre a comunicação aresentada pelo director espanhol dos serviços de saúde pública em meio prisional acerca dos resultados (francamente positivos) dos programas de redução de danos nas prisões em Espanha. Para lá remeto.

 

protecção de florestas?

Será que ainda ninguém se lembrou que a melhor política contra os incêndios nas florestas é cortar as árvores todas?

 

o fim das árvores


é este o presente e o futuro!

 

o começo do fim...


é assim o trabalho em Portugal...

 

A melhor política


foi assim durante muitos anos...

05 novembro 2006

 

E já que se está a falar de Comissões Parlamentares de Inquérito


 

Dilema do Prisioneiro II


O post do "Dilema do prisioneiro" pode efectivamente ter uma leitura como aquela que foi feita aqui. Mas longe de mim defender a tese de que o arguido é meio de prova e que pode ser manipulado, por forma a alcançar um resultado.
Voltando agora ao dilema. Terminei-o dizendo: "O que é que isto tem a ver com Direito? A mim ocorreu-me, desde logo, as normas dos artigos 143º, nº 4 e 343º, nº 4 do CPP. Mas também a da importância de uso de um pensamento estratégico pelo Ministério Público na condução da fase de Inquérito, projectando a fase de Julgamento."
Disse-o e reafirmo-o: é necessário que o Ministério Público racionalize, parando para pensar, investigue e que perspective o processo como um todo. E quando digo como um todo é mesmo como um todo, fase de execução das penas incluída, conforme prescreve o 469º do CPP. No fundo que tenha estratégia.
E digo-o porquê? Porque eu sinto essa dificuldade.
Para regressar aos exemplos que me ocorreram então: a norma do art. 143º, nº 4 do CPP não está lá por acaso. O MP ao impedir que o arguido tenha acesso a outra pessoa para além do seu defensor está a tentar impedir o acesso à informação. E qual é o mal disso? Nenhum, parece-me. Também a decisão do Juiz de ouvir em separado os arguidos no decurso do julgamento tem um objectivo muito claro. O legislador não foi inocente quando previu que só após todos os arguidos serem ouvidos é que os restantes devem ser informados do que se passou na sua ausência.
Na condução do Inquérito e no percurso para a indiciação suficiente deve o MP ponderar quais as diligências de prova que tenham cabimento no caso concreto e, dentre aquelas que teoricamente são possíveis, quais as mais pertinentes.
Deve também ponderar em que medida vai recorrer, por ex., à prova pericial, atento o seu especial valor probatório, qual a ordem pela qual as testemunhas vão ser indicadas no rol de testemunhas. Imaginemos que uma das testemunhas ouvidas em Inquérito tem uma versão dos factos mais favorável à do arguido: deve ser logo das primeiras, ou, de acordo com o espírito do CPP, deve ser indicada no final do rol?
Por fim, o MP deve estar apetrechado para antecipar estratégias de defesa do arguido.
É que investigar é questionar. Mas para isso é necessário que se saiba o que questionar, como questionar e onde procurar. E isto mesmo que a competência para a investigação esteja delegada (generica ou casuisticamente) nos OPC. Como podemos avaliar se uma caldeirada está bem feita se não a sabemos cozinhar?!
É que - e aí sim, a matemática deve estar completamente arredada - os direitos dos cidadãos (arguidos e vítimas) não se compadecem com o sistema de erro-tentativa.

Gastronomias à parte, não será a formação do MP lacunosa nesta matéria?

Nota final: não conheço, nem em profundidade nem pela rama, os meandros do sistema norte-americano. Do pouco que já li vislumbro uma forma diversa de olhar para a mesma questão. Mas também lhe reconheço algumas virtudes: como por exemplo a de o arguido ter que ser Mirandizado. Entre nós ainda hesitamos no que tange à constituição como arguido de cidadão estrangeiro se pode ser em Português ou se tem que ser traduzida para a sua língua mãe e qual a sanção processual se não o for (isto para dar um só exemplo).

 

Crónica de uma condenação anunciada

A condenação à morte de Saddam Hussein tinha já sido anunciada há muito. A criação de um tribunal especial sem quaisquer garantias de imparcialidade, a substituição, por duas vezes, do juiz presidente, com o fundamento em "brandura" no tratamento do principal arguido, o assassinato de alguns advogados que o defendiam, e sobretudo as declarações reiteradas desde o início do julgamento dos "governantes" fantoches "exigindo" a condenação à morte, não deixam a ninguém que veja as coisas com objectividade quaisquer dúvidas de que o julgamento não obedeceu aos padrões mínimos de justiça.
E não deixa de ser grotesco ouvir agora os ocupantes e seus mandatários condenar os "crimes da ditadura" quando os crimes que eles vêm cometendo desde Março de 2003 não ficam nada atrás quanto ao número de mortos, nem quanto aos métodos utilizados.
Para quando o julgamento desses crimes?

03 novembro 2006

 

Israel e as ameças estratégicas

O novo ministro israelita das Ameaças Estratégicas (que belo nome para um ministério!), do tal partido da extrema-direita que só agora entrou no governo desse país (e julgava eu que a extrema-direita lá estava há muito) não está a deixar o seu crédito por mãos alheias. Pegando no (bom) exemplo da Tchetchénia, quer resolver o "problema" de Gaza de maneira simples: com uma operação militar, bem entendido, mas acompanhada de uma operação política: a colocação no poder de pessoas "razoáveis". Pelo que se conhece deste senhor pode-se logo imaginar que tipo de pessoas ele considera "razoáveis".
Enfim, uma estratégia de regresso puro e simples de Gaza à condição de colónia ou de "bantustão". Será que Israel nunca mais aprende?

 

Chantagem sobre o prisioneiro

O "dilema" que a Patrícia trouxe à colação arrepiou-me. É a típica chantagem dos prosecutors americanos sobre os arguidos, que permite que cerca de 95% dos processos sejam resolvidos através da plea bargaining, isto é, sem julgamento, devido à "rendição" dos arguidos à estratégia da acusação.
Do ponto de vista da teoria dos jogos pode ser interessante. Para quem está preso é simplesmente cruel.

 

A lei ainda é geral e abstracta?

Duas afirmações atribuídas ao PGR deixam-me abismado. A primeira é a de que, caso o CSMP não aceitasse o nome que iria (re)propor para Vice-PGR, a lei seria alterada (já lhe garantira o Governo!). A segunda é a de que cada voto contra o "seu" candidato seria um voto contra ele próprio.
Comecemos pela primeira. Eu estudei na Faculdade que a lei é geral e abstracta. Penso que todos estudaram o mesmo. Fico espantado por se "ameaçar" alterar a lei para "resolver" um caso concreto. Mal vai o direito se as coisas passarem a ser assim. Será que doravante sempre que o CSMP votar contra ou não afinar exactamente na melodia do PGR, este ameaçará alterar a lei?
Mas a segunda afirmação será talvez mais preocupante. Faz-me lembrar a "estratégia" bushesca do "quem não é por nós é contra nós".
Por último, devo dizer que considero, à semelhança de 3 conselheiros, que aqui saúdo, ilegal a (re)proposta do nome anteriormente chumbado. O que o Estatuto do MP diz (art. 125º, nº 2, por remissão do art. 129º, nº 2) é que o CSMP não pode vetar mais do que dois nomes. "Dois nomes" só pode ser dois nomes diferentes! Será que, com o mesmo nome, afinal o agora proposto é uma pessoa diferente? Ou será que, pela mão do CSMP, já começou na prática a revisão do EMP?
(Quero acrescentar que a eleição do Vice-PGR nem sempre foi pacífica, como agora se quer fazer passar. Marques Vidal - em 1981 ou 1982, não posso precisar neste momento - foi eleito à justa e após uma renhida discussão. É favor não falsifficar a história.)

 

À escuta ou gato escondido com o rabo de fora


Afinal, e ao contrário do que alguns mal intencionados supunham, a comissão que o José Mouraz Lopes refere no postal abaixo não se destina a formular o julgamento parlamentar (com o rigor e a imparcialidade a que nos tem habituado a justiça das comissões) de um caso judiciário concreto. Com efeito, lendo a Resolução da Assembleia da República nº 56/2006 pode constatar-se que a sua previsão é muito abrangente e genérica, visando um «inquérito parlamentar ao processamento, disponibilização e divulgação de registos de chamadas telefónicas protegidos pela obrigação de confidencialidade».
A República deve aguardar serena e atenta a metodologia adoptada e os esclarecedores resultados de tão ampla tarefa.

Pena é que a concretização, expressa no «designadamente» do nº 2, seja perturbadora para mentes simples e menos preclaras do que as dos parlamentares relatores do texto, «nomeadamente», quando depois das alíneas a) e b) se concentrarem na conta Estado (decerto que a confidencialidade dos telefones pagos pelo Estado é de superior importância) se volta ao genérico na al. c), mas na al. d) assume-se que deve ser empreendida a indagação de «Quem foram os responsáveis pela selecção, processamento e disponibilização da informação constante dessas disquetes», quando anteriormente não foram referidas nenhumas disquetes, nem sequer nenhum processo concreto... Processo «fantasma» que ao cair sobre a alínea d) ainda pairou nas duas últimas alíneas (e) e f)). Será algo de «que toda a gente sabe o nome» «mas ninguém se atreve a nomear»?

PS- Esclareça-se que o gato do título do postal é o da expressão popular e não o incómodo personagem que um certo cronista do regime, no exercício do seu mister e no seu estilo «mais ou menos aparvalhado», assim apelidou (até porque, de acordo com o texto da resolução, esta comissão não terá na sua génese nem nos seus objectivos um visado concreto, felídeo ou humano...).

01 novembro 2006

 

O dilema do prisioneiro


Admito que quando comprei este livro de Jorge Buescu o que me atraiu foi o seu título e o título do primeiro capítulo - "Como falsificar euros"
Mas tenho que reconhecer que a utilidade dos ensinamentos deste professor de matemática vai muito para além desse aspecto tão comezinho.
No capítulo 5. "A evolução da cooperação" somos confrontados com o seguinte problema:


"Eu e um cúmplice roubámos um carro e usámo-lo para traficar droga. Fomos apanhados pela polícia e estamos presos, sem possibilidade de comunicação. A versão que apresentámos foi que tinhamos roubado o carro mas que a droga devia ser do dono.
A certa altura um agente entra na minha cela. «Olhe, nós sabemos que a droga era vossa, mas não conseguimos prová-lo. Vou propor-lhe um acordo. O senhor tem duas escolhas: ou denuncia o seu amigo, dizendo que a droga era dele, ou mantém a versão de que não sabiam nada sobre a droga. Este mesmo acordo está a ser proposto neste momento ao seu cúmplice.
Se denunciar o seu cúmplice e ele mantiver a versão, o senhor fica livre e ele apanha 5 anos de cadeia. Se acontecer o oposto, é o senhor quem apanha 5 anos de cadeia e ele sai livre. Se ambos se denunciarem mutuamente, cada um apanha 3 anos. Se ambos mantiverem a versão, não temos modo de provar nada sobre a droga; cada um apanha 1 ano de cadeia por roubar o carro.»
Perante esta situação, o que devo fazer?"

A melhor solução seria a de manter a versão, desde que essa fosse também a opção do outro - ambos apanhariam só 1 ano de prisão. Mas a escolha racional óptima (aquela que, independentemente daquilo que o adversário faça, maximiza o lucro individual) é a de denunciar: pois ou sai em liberdade ou apanha 3 anos e não corre o risco de apanhar 5.
Este problema é conhecido como o Dilema do Prisioneiro e é objecto de estudo da Teoria dos Jogos.
O que é que isto tem a ver com Direito?
A mim ocorreu-me, desde logo, as normas dos artigos 143º, nº 4 e 343º, nº 4 do CPP.
Mas também a da importância de uso de um pensamento estratégico pelo Ministério Público na condução da fase de Inquérito, projectando a fase de Julgamento.

 

Considerações sobre o artigo de Jorge Miranda

Concordo de uma forma geral com as observações de Maia Costa relativamente ao artigo de Jorge Miranda publicado no “Público” de ontem, 31 de Outubro.
A proibição aos juízes e magistrados do Ministério Público de actividades de qualquer natureza, publicas ou privadas, com excepção das funções docentes e de investigação científica não remuneradas (e a actividade de criação intelectual de forma geral, com a percepção dos respectivos direitos de autor?), também me parece demasiado abrangente, estilo «cortar o mal pela raiz», o que, como se sabe, nunca deu bons resultados, pelo radicalismo cego implicado nesse tipo de atitude.
Quanto à proibição de actividades político-partidárias, chamo a atenção para o facto de na lei ordinária estar apenas consagrada a interdição de “actividades político-partidárias de carácter público”, e o que Jorge Miranda propõe é a proibição de filiação partidária, o que é radicalmente distinto. Não pertenço nem nunca pertenci a nenhum partido, por isso a proibição não me afecta, mas deverá ficar consagrada na Constituição e até na lei ordinária?
Quanto ao direito de greve, tenho actualmente algumas dúvidas, mas o que interessa salientar é o aproveitamento da “maré”, que é de refluxo e de marcha atrás, para impor o máximo de restrições no estatuto sócio-profissional de quase todas as actividades.
Finalmente, acho interessante a justificação para não reduzir o curso de direito, segundo o processo e Bolonha: a persistência da crise da justiça. Claro que a crise do ensino do direito não existe.

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