31 janeiro 2011

 

Aditamento

Omiti um aspecto essencial: a participação activa de muitas mulheres na "rua árabe".
A história anda umas vezes a passo de caracol, outras de avestruz. Mas nunca pára, nunca.

 

A hora do povo chegou ao Egipto

O que parecia impensável há pouco aconteceu: o povo egípcio foi para a rua, não para protestar, menos para pedir, mas simplemente para derrubar o regime!
A Tunísia foi o rastilho, o fogo propagou-se. E se o regime cair, as labaredas egípcias vão alastrar em todos os sentidos.
O que está a suceder nestes países árabes é de importância excepcional. É o povo espontaneamente que combate os regimes ditatoriais e corruptos, grandes aliados do "Ocidente". São largas camadas da população, que, embora desorganizadas, têm objectivos políticos, e lutam à margem das organizações islâmicas, que na última década têm monopolizado o protesto e a resistência às ditaduras.
Trata-se de um movimento laico, insisto, que não procura instalar nenhuma teocracia islâmica, nem se guia por princípios religiosos. É uma luta política, uma revolta popular pela liberdade, pelo emprego, contra a corrupção e o nepotismo, por melhores condições de vida.
É um movimento que merece o apoio incondicional de todos os homens livres deste mundo.
No entanto, que faz o "Ocidente"? Timidamente faz algumas recomendações, prega o "diálogo" e as "refomas", critica os "excessos" (de quem? dos manifestantes?).
Todo o habitual cinismo "ocidental" nas relações com os "outros" povos, praticado e aperfeiçoado desde o sec. XVI, se revela na sua brutalidade. Ao "Ocidente" pouco importa que esses povos sejam governados por ditaduras ou democracias, desde que os governos (ditatoriais ou democráticos) sejam "amigos", isto é, colaborantes, submissos, lambe-botas, que abram as portas aos produtos estrangeiros e que abram as torneiras do petróleo, sobretudo isso.
Ora, o povo nas ruas é sempre muito perigoso. Pode a luta descambar no triunfo de regimes laicos e nacionalistas, que protejam as riquezas próprias, que nacionalizem essa riqueza.
Por isso, o "Ocidente" tem medo... Não pode dar a mão directamente a regimes falidos, mas também não vai permitir a emergência de regimes nacionalistas.
Que são muito piores do que o terrorismo: não põem bombas em Nova York, mas cortam as torneiras do petróleo...
Que dores de cabeça que os "outros" povos põem aos governantes democráticos do "Ocidente"...

29 janeiro 2011

 

Activismo judiciário

Os movimentos jusfilosóficos que defendem a horizontalidade (ou globalização) dos argumentos da jurisprudência, têm, a partir daqui - www.elpais.com/articulo/sociedad/banca/siempre/gana/elpepisoc/20110129elpepisoc_2/Tes - um excelente campo de investigação.

28 janeiro 2011

 

Um miúdo da Pensilvânia nas malhas da justiça

Noticiam os jornais que um miúdo americano do estado da Pensilvânia com 13 anos de idade corre o risco de ser condenado a prisão perpétua por um homicídio cometido aos 11 anos!!!
É aliás uma história bem americana: um miúdo mata a namorada do pai com a sua própria caçadeira, um modelo especialmente concebido para ser usado por crianças (é o que diz o jornal, não estou a inventar...).
Parece que é acusado de "duplo homicídio", já que a vítima estava grávida... (Será possível? Desde quando a morte de um feto é homicídio? Será assim na Pensilvânia? Será mesmo?)
Agora o miúdo está à espera de saber se vai ser julgado como adulto ou como criança, ou seja, como imputável ou como menor... Parece que é uma decisão judicial, não está estipulado na lei qual o estatuto que lhe deve ser atribuído. (Será possível?)
Enfim, as leis penais da Pensilvânia deixam muito a desejar em termos de garantias mínimas... É caso para dizer, como disse o presidente da China em Washington, ainda há muito para fazer em matéria de direitos humanos... (quem diria...).

 

O populismo penal em alta

A tentativa de criminalizar a "violência escolar" (o famigerado "bullying") raia o absurdo, mas é bem significativa do nosso tempo: para os problemas sociais difíceis de resolver arranja-se uma "solução penal". Uma solução que nada solucionará, mas deixará de consciência tranquila o legislador... É a tal "legislação simbólica".
Outra área em que a pressão criminalizadora é grande é a da corrupção. Também aqui a criminalização é tida por remédio e panaceia para o mal. Agravar as penas, criar novos ilícitos, é a palavra de ordem. Quem puser dúvidas de eficácia ou de constitucionalidade passa por parvo, anjinho ou até cúmplice dos corruptos...
Agora é o "Correio da Manhã", esse farol do populismo conservador, a arvorar-se em arauto da criminalização do enriquecimento ilícito, lançando uma petição nesse sentido. A confusão e a ignorância na opinião pública, mesmo naquela que deveria mostrar-se mais informada e imune a esses fenómenos populistas, é tão grande que uma iniciativa destas, de inequívoco signo conservador e populista, passa por ser uma meritória iniciativa da "sociedade civil"... Valha-nos deus (mas não vale, já sabemos...).
Saberão eles que é com iniciativas deste tipo que as mais anacrónicas e reaccionárias leis penais foram aprovadas em certos estados dos EUA, como por exemplo a Califórnia (que não é propriamente o Texas...)?

27 janeiro 2011

 

Cicuta: metáfora duvidosa

Fiquei pasmado e inquieto com as transcrições que li na imprensa do despacho de pronúncia proferido no "processo dos submarinos". Espero que a cicuta de que ali se fala seja apenas uma metáfora, ainda que pesada. Mas da leitura daquelas passagens parece resultar que terá havido ameaças ao titular do processo, ou pressões, ou outras manobras suspeitas. Será assim? Houve, não houve?
Pessoalmente, não gosto de ambiguidades em matérias tão relevantes. Ficam a pairar dúvidas e suspeitas, o que não é nada bom, tendo em conta até a relevância pública daquele processo.

 

A independência dos tribunais e a esquerda

Aqui transcrevo na íntegra a intervenção do deputado João Oliveira, do PCP, na discussão na AR da proposta de lei de alteração do Estatuto dos Msgistrados Judiciais.
Tão precisa e consisa ela é que não há necessidade de comentários. Só acrescentar que o PCP é o único partido de esquerda que mostra preocupação com a independência dos tribunais e dos magistrados que os compõem. Nos demais predomina uma cultura jacobina de tipo napoleónico, como aqui já tenho dito, uma cultura que não respeita nem compreende o que é um Estado de Direito democrático e constitucional.
Leiam então, por favor, a intervenção do deputado João Oliveira, proferida no passado dia 13.



O debate que agora fazemos está há muito inquinado pela propaganda governamental que tem intoxicado os portugueses com falsidades e manipulações, procurando criar uma ideia errada em relação às propostas que agora estão em discussão.
O que essa propaganda do Governo procura esconder é a verdadeira estratégia de limitação da independência dos juízes e de controlo político do sistema judicial que este e o anterior Governo têm procurado concretizar, utilizando para isso todos os meios ao seu alcance, desde as alterações aos códigos processuais, até à alteração da composição dos órgãos dos conselhos superiores ou ao próprio mapa judiciário.
Com ou sem o apoio do PSD, com ou sem pactos para a justiça, o Governo e o PS tudo têm feito para que tenhamos um sistema judicial amordaçado e controlado a partir do Ministério da Justiça ou do próprio gabinete do Primeiro-Ministro.
Neste processo concreto de alteração dos estatutos dos magistrados, a propaganda governamental tem sido particularmente enganosa e importa que se contrariem parte das falsidades que têm sido repetidas.
Em primeiro lugar, não estamos perante propostas que apenas concretizam os cortes salariais impostos pelo Orçamento de Estado. Estamos sim perante propostas que impõem novas e acrescidas reduções remuneratórias aos magistrados de forma permanente e definitiva, assumindo o Governo particular poder na sua definição em concreto e garantindo, por essa via, uma posição de maior controlo sobre os magistrados e o sistema judicial.
Em segundo lugar, ao contrário do que a propaganda do Governo procura afirmar, o estatuto remuneratório dos magistrados portugueses não resulta de um assalto que os magistrados tenham feito aos Orçamentos de Estado ao longo dos anos. Os estatutos dos magistrados portugueses resultam de propostas apresentadas por governos do PS e do PSD que foram aprovadas em leis da Assembleia da República.
Se hoje o Governo do PS critica o estatuto remuneratório dos magistrados, então tem que começar por assumir a sua própria responsabilidade nas regras que estão em vigor.
Por último, importa ainda contrariar a propaganda governamental relembrando que os estudos europeus comparados sobre os vencimentos dos magistrados indicam que os magistrados portugueses se encontram na metade inferior das tabelas, quer na comparação com os vencimentos dos magistrados noutros países europeus, quer na comparação com os salários médios em cada país.
Para lá desta propaganda e das energias que a mesma consome no debate público, ficam as propostas concretas.
As propostas que o Governo hoje traz à discussão não têm em conta que as especificidades do exercício de funções dos magistrados e as limitações que lhes são impostas têm que ter correspondência no respectivo estatuto legal e também remuneratório.
Não se pode exigir exclusividade no exercício de funções sem que a mesma seja compensada.
Não se pode impor uma obrigação de domicílio necessário e ao mesmo tempo não compensar aos magistrados pelos custos dessa imposição.
Não se pode impor um dever de reserva e a proibição de exercício de outras funções remuneradas, mesmo depois da aposentação ou da jubilação, sem se prever a devida compensação.
Mas esta proposta do Governo não tem em devida conta que o estatuto legal e remuneratório dos magistrados não deve ser um benefício dos próprios mas sim a garantia dos cidadãos de que podem ter uma justiça independente e livre de qualquer tipo de controlo que não seja aquele que é imposto pela aplicação da lei.
Esta proposta do Governo, mesmo antes de ser aprovada, já começou a produzir consequênci
as.
Os efeitos destas medidas do Governo já provocaram uma sangria entre os magistrados, particularmente entre aqueles com mais experiência e capacidade, que preferiram abandonar antecipadamente as suas funções do que verem reduzidas de forma agravada as suas remunerações ou as suas condições de aposentação ou jubilação.
Ao abandonar as suas funções enquanto Secretário de Estado, o Dr. João Correia denunciou a existência de uma “cultura que se instalou contra a justiça em certos sectores do Partido Socialista”.
Esta proposta parece ter a sua origem nesses sectores do PS que agora decidiram fazer também do estatuto remuneratório dos magistrados uma forma de garantir o controlo do poder judicial pelo poder político e, nas palavras da Comissão Permanente do Tribunal de contas, apoucar e aviltar o estatuto e a condição dos magistrados.
Para isso não contam com o PCP.
Tal como fizemos em relação aos cortes salariais impostos aos trabalhadores da Administração Pública, também em relação aos cortes que agora o Governo pretende impor aos magistrados o PCP votará contra.
Disse.

 

Casa Pia: mais uma manobra de bastidores

Agora que o processo chegou à Relação, surge um "golpe de teatro": a "retratação" de uma "personagem" principal, que "iliba" todos os condenados...
É no entanto um golpe demasiado tosco: a imprensa lembra que o entrevistador do "Bibi" (agora, sim, merecerá esta alcunha) escreveu um livro sobre um dos arguidos, de parceria com a mulher deste (ah, mundo cão!).
Em todo o caso, parece que um advogado se apressa a pedir a junção da entrevista ao processo e a audição do "retratado"... Será que acredita mesmo que a Relação irá deferir o pedido? Não saberá que a fase de produção da prova está ultrapassada, que o entrevistado foi ouvido mil vezes no processo, que não tem qualquer credibilidade o que agora diz?
Enfim, esta manobra não engana ninguém. Mas não é de afastar, pelo contrário, que outras mais subtis se sigam. Sempre com o objectivo de condicionar o tribunal, e/ou de arrastar a discussão da causa para a rua.
Vai haver novos "episódios", isso vai!

25 janeiro 2011

 

Reflexão melancólica sobre as presidenciais

Não fora a avisada opção dos constituintes em limitarem a dois mandatos o cargo presidencial, e anteontem o povo teria reelegido pela 7ª vez o general Ramalho Eanes...

24 janeiro 2011

 

O discurso da vitória

Não gostei nada do discurso do candidato vencedor Cavaco Silva. Foi antipático e antipolítico. Foi um discurso de represália e ajuste de contas, em que contrapôs a sua honorabilidade ao que chamou de “vil baixeza” e de “calúnia” de todos os outros candidatos. Serviu-se do momento da vitória para atacar os outros concorrentes fora do prélio eleitoral. Afirmou que a sua vitória foi o triunfo da verdade sobre a calúnia, quando a verdade exige mais do que a autoproclamada virtude de quem a afirma e quando a “calúnia” não passou de dúvidas lançadas sobre dois aspectos concretos da sua vida privada, mas com reflexos na sua vida de homem público.
Disse ainda que a sua vitória teve um alcance singular, por ser a primeira vez que um candidato teve uma votação tão expressiva sem ter recorrido a “outdoors” e a cartazes de publicidade, quando, em boa verdade, o seu feito não foi tão extraordinário como isso, pois a sua vitória estava praticamente assegurada de antemão, não tendo havido até ao momento nenhum candidato à presidência da República que não tivesse ganho uma reeleição e, por outro lado, a votação que obteve foi inferior à percentagem de abstenções (a maior de sempre). Para retomar a expressão de Manuel António Pina, foi uma vitória que representou “um quarto do total de eleitores”.
Enfim, um discurso marcado pelo ressentimento e pela arrogância da vitória.

21 janeiro 2011

 

Nota de publicidade - «Habermas: Política e mundo da vida na transição do século XXI»

Habermas: Política e mundo da vida na transição do século XXI

18 janeiro 2011

 

As presidenciais

É um facto significativo que as “presidenciais” têm suscitado pouco interesse no nosso blogue. De resto, esse panorama é geral. O entusiasmo não parece alimentar esta morna e chocha campanha. O candidato da Madeira é que parece andar na maior, sendo o contraponto, para melhor, do eterno líder que rege os destinos da ilha. Toda a gente (pelo menos, é a sensação que tenho) parece esperar o momento em que ele aparece na televisão para apreciar as suas “acções de rua”, as suas “mise-en-cène”, as suas inesperadas cabriolas, as suas imagens imprevistas, as suas fisgadas contra todos os alvos, enfim, os seus actos “surrealistas”. É um candidato anarquista (ex-comunista, ganhador de um prémio que o levou á antiga URSS, por ter vendido muitos “Avantes” e que diz ter-se servido do PND como “barriga de aluguer”) um candidato que dá uma nota de burlesco a uma campanha sem graça nenhuma, em tempos de vileza como os que estamos a viver. Daí que se o aceite de uma forma mais ou menos secreta.

 

Os ricos e os pobres



As cheias da região serrana do Rio de Janeiro soterraram algumas vivendas de ricos, mas engoliram sobretudo casebres de pobres, contando-se entre estes as principais vítimas mortais. Até a natureza tira desforra sobretudo dos mais fracos. Estes, os que não têm nada ou pouco têm, só se lhes valer a profecia do Evangelho, segundo a qual é mais fácil um pobre entrar no reino dos céus, do que um rico passar pelo fundo de uma agulha. Mas, mesmo assim, não sei se, no cômputo geral, os ricos não lhes levarão a palma no outro mundo, dado que as más condições em que vivem “os deserdados da fortuna”os empurram frequentemente para a degradação moral, a marginalidade e a senda do crime, que são vias que não conduzem ao Paraíso.

 

Conselho da Europa

A afirmação do Estado de Direito não passa apenas pela existência de um governo sustentado numa base parlamentar democrática e livremente eleita, num quadro de respeito de direitos humanos, mas também na existência de um poder judicial livre e independente. Uma afirmação aparentemente tautológica que vem a propósito da Recomendação R 2010 do Conselho da Europa, a que se refere Maia Costa no post anterior. Resultando de um longo caminho dogmático que se iniciou com a Recomendação Rec. 94 sobre a mesma matéria, exige-se aos Estados Membros que, de uma vez por todas, entendam o papel fundamental que cabe aos Tribunais na arquitectura constitucional.
Perante epifenómenos políticos conjunturais que, sistematicamente, pretendem um retorno ao absolutismo, o Conselho da Europa continua o seu caminho de construção, lenta mas solidificada, da afirmação inequívoca do que é o Estado de Direito.
Long life for the Conselho da Europa.

 

Actualizações

A propósito da subida astronómica dos preços das vacinas internacionais, como a da febre amarela e da febre tifoide, e dos atestados médicos de incapacidade, diz-se que esse aumento corresponde a uma actualização. Há muito tempo que esses preços não eram actualizados. Assim, faz-se uma actualização por atacado. Esta febre de actualização dos preços não é exclusiva das vacinas e dos atestados, estendendo-se a muitos outros sectores da vida social. Tudo sobe. Só o que não sobe são os salários. Estes, pelo contrário, na melhor das hipóteses, mantêm-se (isto é, na realidade, descem na proporção do aumento do custo dos produtos essenciais) ou são mesmo cortados. A sensação que isto provoca é a de uma espécie de cinismo nas políticas sociais. Precisamente quando, por efeito da chamada “crise”, se descem os salários e se aumentam os impostos, os preços dos produtos e serviços sobem por uma proclamada exigência de actualização. É claro que quem sofre na pele são as mesmas vítimas de sempre. De sorte que a dita “crise” desdobra-se em efeitos espoliadores sobre quem não pode reagir senão com o seu desespero.

17 janeiro 2011

 

Tunísia: a hora do povo

Ben Ali era um ditador, o seu regime tirânico. Toda a gente sabia. Só que não se falava nisso, porque ele era um grande "amigo do Ocidente" e aliado incondicional na luta contra o "terrorismo".
Agora foi chutado pelo povo, pelo povo mesmo, e o Ocidente ficou incomodado, porque, não sendo o amigo recomendável (e por isso, ingratamente, não foi acolhido em França ou nos EUA, onde, merecidamente, deveria refugiar-se), o povo ainda é pior...
Onde irão parar as coisas na "rua árabe"? Aguentar-se-á Mubarak, esse outro grande amigo? Khadafi, esse amigo recente? E a Argélia, e Marrocos, etc.?
Grandes preocupações para os democratas do Ocidente...
É que os povos nunca mais aprendem que a democracia e as liberdades só interessam quando interessam ao Ocidente!

 

A Recomendação (2010) 12 do Comité de Ministros do Conselho da Europa

Esta recente Recomendação do CE (sobre independência, eficácia e responsabilidade dos juízes) é um documento notável, cuja leitura se recomenda a todos os que se interessam pelo tema, que, como se sabe, ou devia saber, é central num Estado de Direito.
Trata-se de um texto de fundo, e actual, uma vez que aprovado pelo Comité de Ministros em 17.11.2010.
Parece, no entanto, que em Portugal não é conhecido, mesmo pelos próprios responsáveis governamentais pelo sector. Ou então pensa-se que, não sendo vinculativa, a Recomendação constitui uma mera "declaração piedosa", para arquivar na pasta própria.
Mas a leitura da dita Recomendação permitiria a alguns (a muitos) actualizar aquela cultura retrógrada sobre justiça, de raiz napoleónica, que considera os tribunais não um poder, mas uma mera "autoridade", e os magistrados, mesmo os juízes, como simples funcionários do Estado.
Também se recomenda a leitura a alguns (e algumas) constitucionalistas. Aliás, parece-me que em Portugal o direito constitucional anda a ser cada vez mais colonizado pelo direito administrativo... Estarei a enganar-me?

15 janeiro 2011

 

Um homicídio português em Nova York

Esta é uma típica história do nosso tempo: um homossexual de 65 anos na sua cidade mítica, com um jovem companheiro de 21 anos, aprendiz de modelo, à procura da fábrica dos êxitos e dos sonhos.
O desenlace é brutal, mas, na sua brutalidade, não deixa de ter contornos românticos que a vítima não desdenharia, se os pudesse conhecer antecipadamente.
Agora fica o rapazinho com um homicídio (de 2º grau, Fahrenheit) às costas. Conquistou a fama não nas passereles, mas nas teias de um processo criminal.
Que resta do mito que perseguiu?
Nas estatísticas do sucesso, qual a percentagem dos vencedores? Quais as cifras negras?
Por um triunfador quantos espezinhados?
O jovem modelo vai ter tempo para reflectir.

14 janeiro 2011

 

Porquê deixar que a realidade estrague uma boa narrativa? Entre cortes, por um lado, e as leituras de uma constitucionalista, por outro

Porquê deixar que a realidade estrague uma boa narrativa? Será uma pergunta que nem se deve colocar em arenas judiciárias quando afinal aquela estória acaba desmentida por provas. Contudo, noutros horizontes, para alguns será um óbice que nem se tem de suscitar já que não será uma questão de princípio.
Este intróito foi-me suscitado por um postal que acabei de ler, da constitucionalista Isabel Moreira, que, a propósito da proposta de lei n.º 45/XI, de alteração aos estatutos de magistrados judiciais e ministério público, carregada de indignação questiona: «Por que é que se anuncia a protecção excepcional daqueles que menos sofrerão com estas medidas? Porque cortar o salário de um funcionário dos correios não ameaça o poder, ou a fome dele, ou a expectativa do seu exercício, mas cortar os salários dos magistrados “pode comprometer a independência destes profissionais”, justificação que deve ser entendida ao contrário».
A partir deste princípio abjura quem rejeita os cortes salariais dos tais magistrados, invocando as suas leituras: «Há, no entanto, uma classe que preocupa alguns de forma acrescida . Por isso lemos que o PSD vai chumbar cortes nos salários dos magistrados.»
E explicita o seu choque ético: «Por que é que se anuncia a protecção excepcional daqueles que menos sofrerão com estas medidas?»
Interpelação que afecta o mais profundo do seu ser, daí que, mais à frente, volte a indignação com dedo em riste: «Se a situação do país exige cortes salariais que atingem toda a função pública, a que propósito é que os magistrados devem ser poupados?»
E, como não há duas sem três, volta a reiterar no seu verdadeiro ensaio de indignação (contra privilegiados imunes a sacrifícios e os seus interesseiros protectores): «Quem luta para que os cortes salariais atinjam todos mas não os magistrados não está preocupado com independências, está preocupado com utilidades».
Mais abaixo a autora, depois de interpelada (por entre um coro de aplausos ao seu brilhante texto) por um cr que argumenta que «não há excepção nenhuma aos cortes salariais», esclarece que, nada há a alterar ao seu ensaio, pois a a questão é de princípio. Parece-me excesso de modéstia quantitativa, a questão será de princípios e de constituição da blogger.

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12 janeiro 2011

 

Ódio, intolerância e extremismo na vida política americana

Os EUA, já se sabe, são um dos países com maior índice de violência no mundo.
Mas não é só a taxa elevadíssima de homicídios e de crimes graves contra as pessoas que releva. É que a violência está difundida na quotidiano, na "normalidade" da vida diária.
Por vezes, cada vez mais, segundo parece, essa violência tem focos mais intensos, que redundam em verdadeiros massacres (nas ruas, nas escolas, em locais de diversão), muitas vezes por motivos, aparentemente, banais ou fúteis, e cometidos por pessoas, aparentemente, "normais".
Esta violência difusa tem evidentemente as suas causas. A primeira, indesmentível, é a facilidade de acesso às armas. Os EUA, não se esqueça, são o país da garantia constitucional do direito à detenção de armas (um país de pistoleiros, poderá dizer-se com fundamento). Quanto mais armas estiverem nas mãos das pessoas (mesmo das "pessoas de bem") mais tiros haverá, mais mortos serão contados. É evidente.
Mas o que é mais preocupante, até porque relativamente novo, é a intromissão da violência no discurso, no debate, na vida política daquele país. Uma violência que passa facilmente do plano verbal para a prática concreta de violência física.
Não é apenas a violência contra os "inimigos sociais", os imigrantes, os indocumenbtados, os muçulmanos... Mas também contra os adversários políticos, convertidos também em "inimigos" a abater.
O caso da deputada democrata do Arizona, Gabrielle Giffords é exemplar. Em Novembro passado, na campanha para as eleições para o Congresso, o seu adversário republicano, um tal Jesse Kelly, simpatizante do Tea Party, divulgou um cartaz de propaganda em que aparecia armado com uma metralhadora e com a legenda "Mandem um guerreiro para o Congresso". Expressivo e significativo, não é?
Agora, um rapazinho de 22 anos disparou contra ela, deixando-a à beira da morte, e matando simultaneamente 6 pessoas, entre as quais um juiz federal. Uma chacina à americana. Agora dizem que o rapaz é "desequilibrado". Mas o xerife da localidade onde foi cometido o crime não se deixou enganar e pôs o dedo na ferida, condenando a "retórica abominável" e a "propensão para a violência" que caracteriza a vida política do Arizona, que caracterizou como "Meca da intolerência e do preconceito".
Quem semeia ventos colhe tempestades. O Tea Party e a radicalização do Partido Republicano começam possivelmente a dar os seus (amargos) frutos.
Obama guardou um minuto de silêncio, a actividade do Congresso foi suspensa por um dia. Muito bonito. Mas não vai chegar.
Os demónios do extremismo estão à solta e quem gostaria de os travar não tem força suficiente para o fazer.

11 janeiro 2011

 

A próxima chegada do FMI

Parece ser outra fatalidade, o FMI. Aliás, é nosso velho conhecido. Não nos trará novidades, portanto. Já conhecemos as receitas que prescreve.
Há quem esteja ansioso pela vinda desses cavalheiros. Está mesmo em formação uma comissão de honra para os receber no aeroporto, encabeçada por Medina Carreira, e ornamentada por muitas outras figuras da vida política e financeira. São tantos os pedidos de adesão que vai haver problemas protocolares na recepção aos beneméritos do FMI.
Poderá também haver protestos de alguns dsempregados e outros descontentes, sempre descontentes, aliás, e sempre mal agradecidos a quem os governa e tanto faz por eles.
Mas para estes está a ser preparada outra recepção, a cargo dos blindados da PSP, os quais finalmente vão poder mostrar a sua utilidade.

 

A austeridade como pensamento obrigatório

A comunicação social não pára nem um bocadinho de nos bombardear com a ideia de que a austeridade é, mais do que uma política, uma fatalidade. É o pensamento propagandeado até ao vómito por especialistas, comentadores, locutores.
Este pensamento único é pensamento obrigatório. Quem poderá atrever-se a contestar? Quem o fizer é certamente algum extremista, algum radical saudosista e desacreditado. E quem lhe facultará tempo de antena? Os microfones e todas as antenas serão para os que nos ensinam a necessidade/fatalidade da austeridade (chama-se a isto liberdade de imprensa).
É tão impressionante, tão esmagadora, esta orquestração ideológica que não deixa ver a manipulação que envolve. Parece antes uma posição realista, pragmática, patriótica, no interesse do país, de todos, quem sabe se não dos mais pobres... Como na vulgata cristâ, resta-nos sacrificar-nos agora (aliás, durante muiros anos, aliás "para sempre") para um dia merecermos, quem sabe, uma folgazinha, um ligeiro desaperto do cinto...
Mereceremos algum dia?

10 janeiro 2011

 

Juízes em causa própria



Há quem opine que os juízes são parte interessada na questão das providências cautelares sobre os cortes salariais e, por isso, estariam feridos de suspeição neste caso.
Tenho assistido com uma certa expectativa indiferente ao desenrolar das movimentações sindicais que tencionam accionar o Estado por causa desses cortes, não porque não me sinta atingido com eles, ou porque os ache perfeitamente justos (na realidade, ainda não sei bem o que é que se pretende salvar com estas medidas de austeridade: o país?; mas que país?; a economia?; mas que economia?), mas mais, talvez, por espírito de conformação, esse espírito tão português, ou por uma indefinida (e cristã?) culpabilização, por me sentir ainda um privilegiado no meio de uma grande maioria de portugueses que aguentam a chamada “crise” com a sua fome verdadeira, a sua saúde precária e os seus salários de miséria (se é que não com o seu desemprego).
Porém, acho que algum pudor deveria inibir certos críticos de opinarem sobre o assunto, quando, se são atingidos pelas medidas de austeridade, não são, pelo menos, visados pelos cortes nos vencimentos, que em alguns casos não devem ser tão pequenos como isso.
Em segundo lugar, se a associação sindical dos juízes é uma das contestatárias dos cortes de vencimentos, propondo-se levar a questão a tribunal, tal como o sindicato dos magistrados do Ministério Público, há muitos outros grupos profissionais, principalmente das áreas da função pública, que estão envolvidos na impugnação da medida, pelo que essa questão ultrapassa largamente o interesse dos juízes para ser identificada, “tout court”, como causa própria. Além de que o interesse sindical ou de certos grupos profissionais, mesmo que ligados à administração da justiça, não se projecta dessa forma directa e mecanicista na função jurisdicional. Nem os juízes são um grupo que actua homogeneamente e segundo o espírito de coesão sindical.
Uma coisa é certa: a questão da redução salarial, pelo menos nos termos em que foi postulada, não é assim tão líquida e simplista como se pretende fazer crer. É uma matéria que divide os especialistas e os constitucionalistas. Porque, se fosse de outro modo, a via judiciária não seria ensaiada e, mesmo assim, é por meio de tentames, com cautela, a ver no que dá, que as coisas estão a ser feitas.
Em terceiro lugar, uma decisão judicial vale pela sua fundamentação; não é o produto da simples vontade dos juízes, como os que põem em causa a independência e isenção dos tribunais para decidirem neste caso simplisticamente querem fazer crer. A fundamentação permite ao público em geral aceder às razões e argumentos da decisão e exercer sobre ela um controle, verificando se os juízes decidem movidos por interesse próprio ou não, ou se, pelo contrário, o decidido merece um acolhimento pelo menos razoável. Se movidos por interesse próprio, então haveria razão para exercer de modo impiedoso a crítica social sobre o que se decidiu.
Para além dessa crítica social, há sempre a possibilidade de controle por via de recurso para os tribunais superiores, inclusive para o tribunal constitucional, cuja composição e modo de selecção dos juízes (diferente da dos outros tribunais) representa um outro tipo de garantia (não digo melhor nem pior) de democraticidade das decisões judiciárias.
É, a meu ver, demagógica (para não dizer pior) a acusação de que os tribunais, decidindo sobre matérias que tais, podem sobrepor-se aos outros poderes, de base electiva. É a velha acusação de que os juízes estão inquinados de uma espécie de “pecado original”. Não estão lá pelo voto. Pois não, mas tal não significa que não tenham legitimidade democrática, justamente aquela que a Constituição prevê como a adequada e mais eficaz, no sistema de estruturação do poder judicial no confronto com os outros poderes e tal como resultante da tradição político-cultural da Europa Continental. A designação dos juízes pelo voto não corresponde necessariamente a mais democraticidade, e muito menos a melhor administração da justiça. Poder-se-ia pegar em meia dúzia de exemplos para o provar.

07 janeiro 2011

 

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Os tribunais como intérpretes estão abaixo de Lacão?
Dando de barato que quem sabe falou, a questão que subsiste é qual a solução para os erros de interpretação e aplicação dos supremos tribunais? Talvez em certas matérias impor ao supremo tribunal um melhor intérprete com direito de veto, do género de um secretário que saiba vetar de forma que não causa pena nem se apresenta lamentável (parece que há quem não se afugenta com tal poder de proclamar a verdade).

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Mais metralha demagógica do dr. Pinto

Diz que o dr. Pinto é de opinião, douta, de que os juízes se deviam declarar "impedidos de decidir sobre providências cautelares para travar cortes salariais na Administração Pública". Parece que é porque são "parte interessada".
Talvez a solução pudesse passar pela contratação a termo incerto de alguns boys e formava-se um colectivo presidido pelo dr. Pinto (todos com vencimento equiparado a Conselheiro e sem cortes austeros). Para compor a comissão política, digo o ramalhete, o Estado não seria representado por um magistrado do MP, que como "parte interessada" poderia sentir-se tentado a usar de torpezas processuais de modo a prejudicar o próprio "cliente". O dr. Pinto, a bem da Nação (e, sobretudo, do Governo; aliás: o Governo é a Nação), com sacrifício pessoal e contra um estipêndio não inferior ao percebido pelo PGR, poderia igualmente suportar esse pesado ónus (ainda em acumulação com o de BOA). Era tudo mais simples, o dr. Pinto obsequiava o país com os seus vastos conhecimentos jurídicos (sobretudo na área do Direito constitucional e mais especificamente em tema de separação de poderes) e com a sua granítica independência (de que tem dado inexcedível nota, nomeadamente em luminosos escritos publicados no Boletim da Sua Ordem), e, não menos importante em tempo de vacas magras, era tudo mais barato: nada de juízes e procuradores com ordenados astronómicos e privilégios pornográficos (a mais de serem pessoas de duvidosa catadura e suspeita honradez).
O que seria deste país se não fossem homens com a visão e com a generosidade do dr. Pinto!

05 janeiro 2011

 

Fiscalização, currículo e contas: sinais de um novo ano


Na designação para uma função de presidente fiscalizador estadual «ad hoc» ressalta a importância de um currículo de fiscal privado, e os sucessos de lustrosos relatórios de prestação de contas.

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