30 dezembro 2017

 

Pedir perdão e pedir desculpa



(Estamos a viver uma quadra que oficialmente simboliza paz, reconciliação e fraternidade. Foi a pensar nisso que resolvi discorrer sobre um tema que anda na minha cabeça há uns tempos e que tem a ver com tudo isso: pedir perdão e pedir desculpa)


Pedir perdão. Esse parece ser, hoje em dia, um meio para nos redimirmos de um passado que a consciência hodierna reprova e rejeita. Um meio que várias entidades têm usado de forma espontânea ou voluntarista e que outros pretendem impor aos actuais membros das sociedades que no passado estiveram implicadas em actos que hoje se consideram reprováveis. Os provavelmente mais sensíveis ao aspecto metafísico-religioso do termo “perdão”, preferem falar em desculpa.
Porém, o que está na base do “pedir perdão” e do “pedir desculpa” é a ideia de que os actos das gerações passadas devem ser assumidos pelas actuais gerações em termos de assunção da culpa. É como se a culpa se transmitisse para os descendentes dos que praticaram actos condenáveis no passado, ultrapassando os limites da existência individual ou geracional e mesmo os limites de uma dada consciência histórica.
Pedir perdão ou pedir desculpa por actos praticados pelos nossos antepassados supõe, assim, uma concepção metafísica ou mesmo religiosa da culpa, a qual se transmitiria às gerações seguintes, como uma espécie de pecado original que acompanhasse os membros de uma determinada comunidade. E tanto mais incompreensível seria uma tal atitude, quanto menos consciência houvesse, por parte dos antepassados dessa comunidade, de que o acto ou actos cometidos, ou a criação e manutenção de uma dada situação representavam um mal, um desvalor, uma injustiça.
Sem dúvida que muitos dos actos e situações do passado são, aos nossos olhos de hoje, detestáveis e inconcebíveis e passaram mesmo a constituir crime. Porém, que consciência teriam os nossos antepassados da desconformidade desses actos e situações com os valores fundamentais do que hoje consideramos direitos humanos inalienáveis e direitos dos povos - direito de todos os seres humanos à liberdade e igualdade de direitos; direito dos povos à autodeterminação – entre muitos outros direitos?
A humanidade caminha às apalpadelas, por entre luz e escuridão, abrindo progressivamente (embora muitas vezes com paragens e recuos) espaços novos de luz, isto é, de consciencialização de novos direitos. Frequentemente esse abrir caminho faz-se por meio de revoltas, revoluções, crises violentas e sangrentas, em que os de baixo, os que sofrem, as vítimas impôem os seus direitos. Mas não faz sentido nenhum pedir perdão ou desculpa por actos de opressão dos nossos antepassados. E o passado não pode, pura e simplesmente, ser negado ou proscrito, em nome dos novos valores, da nova visão do presente, destruindo-se os ícones culturais em que assentaram as sociedades que nos precederam. Isso seria o mesmo que negar todo o movimento social e refazer continuamente a história à luz das concepções do presente, mitificando-o.
Um académico de origem africana, Elísio Macama, professor de Estudos Africanos na Universidade de Basileia, tentou dar a volta, inteligentemente, a essa questão do pedir desculpa por actos de opressão colonialista, afirmando que o pedido de desculpas se justifica por uma necessidade de renovação do compromisso das ex-potências coloniais, como Portugal, com os valores em nome dos quais são negadas as práticas colonialistas, ou por palavras suas, os actuais membros dessas sociedades devem pedir desculpa “como herdeiros de uma cultura que se define por um conjunto de valores que ela própria não soube respeitar de forma consequente” (“Portugal pode pedir desculpas? Quantas vezes forem necessárias”, Público de 11/10/2017). E devem pedir desculpa, não aos povos que sofreram a colonização, mas a si próprios.

Mas como é que se pede desculpa a si próprio? Então o pedido de desculpa não é em relação a quem sofreu o acto ou actos culposos? E que culpa é que carregam os actuais membros das sociedades ex-coloniais por actos de que não foram agentes, mas os seus antepassados? Certo que são herdeiros “dos privilégios estruturais que o tipo de práticas que elas defenderam [as sociedades ex-coloniais] ajudou a construir”, mas, por um lado, os valores actuais são o resultado de uma ruptura com o passado, sendo nessa ruptura que se consubstancia uma outra prática e uma crítica das práticas antecedentes (não em qualquer pedido de desculpa) e, por outro, os privilégios que foram adquiridos à custa da opressão de outros povos podem ser “indemnizados” com uma atitude particularmente solidária das ex-potências coloniais para com esses povos, que envolva uma partilha generosa e fraterna dos benefícios e das vantagens adquiridas. Deixemos os pedidos de perdão e os pedidos de desculpa.

26 dezembro 2017

 

O balanço do ano

Agora que estamos perto do fim do ano, é costume fazer o balanço do que de positivo e negativo ocorreu durante estes doze meses. À cabeça dos acontecimentos negativos vêm inevitavelmente os incêndios. Eles constituíram, sem dúvida nenhuma, um triste e lamentável acontecimento. Para ser mais exacto, uma tragédia. Porém, há quem faça disso uma arma de arremesso político, à falta de melhores motivos para travar um combate que se tem mostrado frustre.
A verdade é que, procurando-se encontrar na conjuntura política uma explicação para a tragédia, só se está a iludir um problema estrutural que atravessa vários governos e várias dezenas de anos de incúria e a mostrar que não se percebeu ou que não se quer perceber nada do que aconteceu. Claro que, entre Junho e Outubro, alguma coisa poderia ter sido aprendida pelo governo actual, de modo a prevenir-se de outra maneira a possibilidade de eclosão de uma nova catástrofe, encontrando terreno fértil no estado em que se encontra a nossa floresta, o caos urbanístico que prolifera por muitas zonas do país e as tão notórias alterações climáticas.
Porém, a grande responsabilidade do que aconteceu é colectiva, repartindo-se por vários governos, autarquias, entidades administrativas ligadas a vários sectores e aos particulares que não cuidaram de acautelar devidamente o seu património e o alheio e evitar tantos danos em pessoas, animais e coisas. Pode-se dizer que trabalhamos todos, em conjunto, uns com mais responsabilidade e outros menos, para que tudo se encaminhasse para o desfecho que acabou por se verificar. A tragédia é, em grande parte, uma obra nossa.
O Estado falhou na protecção das pessoas, dizem alguns dos que agora apontam o dedo acusador, mas que provavelmente já tiveram grandes responsabilidades a nível governativo, autárquico e em outras instâncias de poder. Pois falhou. Mas o Estado é mais do que o governo actual e mais do que o tempo presente.
O Estado é o poder central e local, o conjunto dos órgãos de soberania e um complexo de organismos por meio dos quais se desenvolve a sua actividade no território. O Estado é um continuum temporal que envolve passado e presente e que se projecta no futuro. O Estado também somos nós. Se o Estado falhou, como pretendem esses agora tão solícitos coleccionadores de falhanços estaduais, também eles conduziram o processo para o falhanço, enquanto responsáveis que foram pela coisa pública e nós, como cidadãos, também falhámos, por não termos feito o que nos competia no que toca à nossa responsabilidade individual naquilo que dependia da nossa actividade para evitarmos o que aconteceu.

O ano correu bem em quase todos os aspectos. Pelo menos, há muito que não tínhamos um ano tão bom do ponto de vista colectivo. Se a tragédia foi o principal acontecimento a empanar o brilho do ano que agora finda, temos que reconhecer a nossa quota de responsabilidade no sucedido. E não é com beijinhos e abraços e muita compunção à flor do rosto que as coisas se resolvem.

23 dezembro 2017

 

Homenagem a Catalunha

Contra Castela e o seu aparelho repressivo, com destaque para o poder judicial, contra a União europeia, incluindo Portugal, que subscreveu a posição mais retrógrada dos seus membros, contra a finança internacional, que desertou para Castela, contra tudo e contra todos, o povo catalão exprimiu eloquentemente a sua vontade, a independência.

Vamos ver o que vale a democracia para os que têm sempre essa palavra na boca, mas longe do coração.
O que precisará mais o povo catalão para explicar o que quer?

22 dezembro 2017

 

As eleições na Catalunha


Esperemos que o resultado das eleições na Catalunha, tendo conduzido à reconfirmação da predominância das forças partidárias independentistas e à humilhante derrota do partido do governo central leve este a rever a sua posição de hostilidade e arrogância para com aquelas (o discurso de uma tal Soraya Santamaria, nas vésperas do acto eleitoral foi, a esse título, uma manifestação execranda desse espírito) e a sociedade espanhola em geral e política em particular a extrair do acto as devidas consequências, abrindo-se serenamente à possibilidade de uma mudança no estatuto da Catalunha, livremente expressa pelo seu povo. E, já agora, que as forças repressivas do centralismo espanhol abandonem o encarniçamento penal que desencadearam contra os políticos independentistas da Catalunha, dando origem a umas eleições bizarras em que parte dos concorrentes estavam encarcerados.

15 dezembro 2017

 

Raríssimas mas não raríssimo

O caso da Raríssimas é excecional pela dimensão, mas não é inédito: utilização de dinheiros públicos para fins pessoais, envolvimento de membros do governo em situações pouco claras de gestão de instituições financiadas pelo Estado, no mínimo falta de fiscalização dos financiamentos públicos, abusos de poder e de funções (pelo sentimento de terem as "costas quentes") por parte de gestores dessas instituições... Vamos lá ver se desta vez não fica tudo em águas de bacalhau...

07 dezembro 2017

 

A aliança evangélico-sionista

É certo que Trump é um burgesso ignorante e irresponsável. Deveria ser interditado por incapacidade. Mas esta decisão de mudar a embaixada para Jerusalém vem na linha da política americana, particularmente republicana, e inscreve-se numa aliança histórica, que data dos anos 60, entre evangélicos conservadores e judeus ortodoxos, que tem garantido a Israel um estatuto de exceção/imunidade na comunidade internacional, de impunidade perante todos os crimes praticados contra o povo palestiniano. É essa aliança religiosa conservadora e fanática que mais uma vez se propõe incendiar o Próximo Oriente, indiferente aos sofrimentos que se seguirão, tudo em nome da segurança do Povo Eleito.

06 dezembro 2017

 

O King Jong-un do mundo ocidental



Trump não dá só uma imagem caricata dos Estados Unidos da América do Norte, como um dos presidentes eleitos mais ignorantes e fanfarrões do globo. Ele é um perigo real para o mundo, criando novos focos de tensão, agravando outros que já vinham de trás e destruindo o que de progressivo para a paz e para um maior equilíbrio das relações intrernacionais tinha sido conseguido.
Com a sua ignorância ou mesmo dolo de actuação tem feito tudo o que lhe é possível para reverter os progressos que custosamente foram atingidos no combate às alterações climáticas, desistindo dos acordos de Paris e favorecendo com as suas políticas uma agudização da crise ambiental.
Tudo tem feito para instabilizar ainda mais o Médio Oriente, minando o acordo nuclear com o Irão, dando alento à pretensão hegemónica da Arábia Saudita e acalentando as ambições mais retrógradas e agressivas dos falcões de Israel.

A sua última provocação é o anúncio, contra todas as advertências internacionais, de instalação da embaixada norte-americana em Jerusalém, reconhecendo-a como capital israelita. Enfim, Trump não desiste de incendiar o mundo. Ele é o King Jong-un, para pior, dos Estados Unidos da América do Norte. 

05 dezembro 2017

 

Caça às bruxas nos EUA

Parece regressado o tempo da perseguição das bruxas. É uma onda moralista disfarçada de defesa dos mais fracos. Vão-se desenterrar acusações antigas, com dezenas de anos. Não há prescrição do procedimento criminal. Não há paz jurídica. É uma orgia de denúncias de clara matriz conservadora e puritana que se propaga sem fim.

 

Centeno

Eu acho que a eleição de Centeno é uma vitória de Portugal, da esquerda e do sul da Europa, no confronto com o norte rico e dominador.
Há dois anos essa Europa riu-se de um governo socialista apoiado pela esquerda, de seguida formulou conselhos e ameaças ao dito governo e vaticinou os maiores infortúnios se esses conselhos não fossem seguidos.
Dois anos depois, perante o fracasso de todas as ameaças e o sucesso do mesmo governo, a Europa dos poderosos elege o ministro das Finanças do dito para um dos lugares mais importantes da arquitetura europeia...
Dijsselbloem, o trabalhista renegado, sai pela porta baixa, vai chorar no ombro do seu protetor Schäuble, e dedicar-se aos seus passatempos favoritos: copos e mulheres no bairro vermelho de Amsterdão.
A vitória de Centeno pode ser um presente envenenado, mas veremos quem vai beber o veneno.
Para já, a Europa do sul marca pontos numa batalha de longa duração...

01 dezembro 2017

 

A minha homenagem a Belmiro de Azevedo

Aqui há uns anos, Belmiro de Azevedo veio a Lisboa tratar de negócios (era a vida dele). Já não sei porquê uma comissão da AR mostrou interesse em ouvi-lo, aproveitando a ocasião de ele estar em Lisboa. Ele aceitou a maçada de ir a São Bento falar com os representantes da Nação. Mas impôs uma condição: teria de ser no dia seguinte às 8 da manhã, porque tinha uma avião para o Porto às 11. Os deputados ainda disseram que aquela hora matutina não era regimental... Ele manteve-se firme: não queria perder o avião, era às 8 ou não ia...
Os deputados cederam: levantaram-se mais cedo, ouviram o BA e libertaram-no a tempo de ele apanhar o avião.
Presto daqui a minha sincera homenagem a Belmiro de Azevedo por esta atitude.

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