30 abril 2006

 

Livre circulação de trabalhadores...

Conforme comunicação do GRIEC (Gabinete para as Relações Internacionais Europeias e de Cooperação) de 11/4/2006 “a partir de 1/5/2006, Portugal passa a aplicar aos nacionais da República Checa, Estónia, Letónia, Lituânia, Hungria, Polónia, Eslovénia e Eslováquia, os artigos 1 a 6 do Regulamento (CEE) nº 1612/68 do Conselho, de 15/10/1968, relativo à livre circulação de trabalhadores na Comunidade, com a última redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) nº 2434/92 do Conselho, de 27/7/1992 (JO L 245 de 26/8/1992). Ficarão assim eliminadas, como efeitos do referido regulamento, as restrições presentemente aplicadas por Portugal aos nacionais de 8 dos 10 novos Estados-Membros, passando a estar sujeitos ao mesmo regime dos cidadãos dos restantes Estados-Membros da UE”.
O respectivo Aviso de publicitação dessa decisão do Governo português, datado de 5/4/2006, foi entretanto enviado para publicação no Diário da República.

 

UE e TPI

Por Decisão do Conselho de 10/4/2006 (ver JO L 115 de 28/4/2006, pp. 49, 50-56), foi aprovado o Acordo de Cooperação e Auxílio entre o Tribunal Penal Internacional e a União Europeia. Este Acordo é mais um passo para facilitar um eficaz desempenho da missão daquele tribunal.

 

Um discurso que vale a pena ler

Não é vulgar nos discursos oficiais produzir-se reflexão de relevo. Geralmente é um vazio de ideias. Quando muito fazem-se críticas e mandam-se "recados" (modalidade muito utilizada e que faz a delícia dos jornalistas, que se empenham na "descodificação"). No âmbito da justiça ainda mais rara é a reflexão, abundando, sim, a mistificação. Saliente-se, como excepção, as intervenções de Jorge Sampaio nas cerimónias de abertura do ano judicial no STJ.
Também de excepção é o discurso proferido no passado dia 27 deste mês, na sua tomada de posse como vice-presidente, por António Henriques Gaspar. Porque merece uma leitura atenta e porque é um óptimo ponto de partida para o debate e para o aprofundamento dos temas abordados, aqui o transcrevo.


Discurso na tomada de posse como vice-presidente do STJ

As minhas primeiras palavras vão ser, sentidamente, de memória.
De memória do Vice-Presidente Neves Ribeiro, que na transitoriedade efémera da circunstância do ser humano partiu cedo demais.
Magistrado de excepção, com o mais elevado sentido de serviço e de dedicação nas funções em que serviu a República, solidário, comprometido com o bem comum e com os outros, especialmente os mais desfavorecidos, Amigo, sempre com a irradiante simpatia e com o saber e a humildade dos espíritos de eleição.
E de memória do Conselheiro Araújo de Barros, que na pujança intelectual e na intensidade da sua vida profissional, académica e cívica nos deixou tão fora do tempo.
Partiram Homens Bons e ficamos empobrecidos.
Mas recordando-os, estão presentes entre nós.

Queria também dizer-vos, Senhores Conselheiros, da honra que constitui para mim a vossa designação para servir o Supremo Tribunal de Justiça nas funções em que fico investido.
Possa eu corresponder ao mandato que me conferem, e no prazo que é da lei solver o crédito da vossa confiança.

Agradeço a Vossa Excelências, Senhores Convidados, a distinção que quiseram conceder-nos com a vossa presença, que em muito oferece prestígio a este acto.

Na sobriedade do acto que assinala o início de funções de um Vice-Presidente do STJ, seja-me permitido partilhar convosco algumas breves reflexões que penso serem impostas pela seriedade do momento e pelo ambiente em que têm sido envolvidas as instituições de justiça.
No discurso, na opinião, na amplificação mediática e na consequente projecção no sentimento comum, por tudo de manifesta e insidiosamente se foi sedimentando uma visão pré-apocalíptica sobre o sistema de justiça.
Tem sido recorrente e apriorístico o discurso da crise.
Discurso muitas vezes ou quase sempre de sentido único, impressionista, nascido de fragmentos, frequentemente assente em inexactidões ou descontinuidade de conhecimento, em actos dispersos e acidentais, ou decorrente de singulares experiências pessoais numa visão marcadamente a-sistémica.
As afirmações repetidas sobre a crise, dir-se-á mesmo em modo totalitário, com conclusões definitivas sem discussão séria e racional sobre causas, dificultam a reposição da razão de análise e a abordagem serena e objectiva.
Abordagem serena e objectiva que, todavia, se nos impõe por indeclinável assunção de dever.

Os anos recentes têm sido tempos de transformações radicais.
Diversamente de um modelo axiológico herdado do Iluminismo, em que diversas esferas sociais se acomodavam em agregação de valores e referências, e a esfera pública assimilava a função de composição e resolução de conflitos em hierarquização de valores, confrontamo-nos hoje com diferentes lógicas e com diferentes sistemas, simultaneamente com diversas representações, modos, valores, imagens e linguagem; coexistem várias racionalidades interpostas num mesmo tempo e no mesmo espaço.
A fragmentação da realidade e a horizontalidade de valores, a multiplicidade de sistemas discursivos interpostos no mesmo tempo e no mesmo espaço, reclamam a emergência de regulações parcelares, com sistemas próprios de valores e referências e com o consequente auto-enfraquecimento dos poderes tradicionais e a aparente ou real multiplicidade de esferas de justiça.
A emergência de diversas entidades reguladoras justapostas por espaços, e a consequente retracção do Estado tradicional e dos seus poderes, evidenciam o reordenamento dos modelos da contemporaneidade.
Tudo surge como uma revolução intensa e extensa, mas quase silenciosa e anestesiante.
E nesta verdadeira revolução, a Justiça, como sistema de valores e de modelação dos poderes do Estado, confronta-se com novos paradigmas que parecem alterar o sentido, se não do tempo, essencialmente do seu espaço.
A Justiça é instituição central e suporte essencial do Estado de Direito e do sistema democrático sem o qual não existe Estado de Direito.
Mas, por ser assim e para ser assim, tem de continuar a ser pensada como instituição de resolução de conflitos, de conciliação e de apaziguamento, na afirmação dos direitos fundamentais, assumindo-se como instância de definição e de realização da concordância prática entre valores fundamentais.
No entanto, este modelo, que pressupõe a hierarquização e a definição de juízos de prevalência em situações de conflito, em aparência contrária à justaposição dos diversos sistemas discursivos, parece situar-se, na linguagem contemporânea, à margem dos novos paradigmas.
Por isso, a intervenção das instituições de justiça, e primeiramente do juiz, na superação e na definição da concordância prática em caso de conflito de valores, provoca, com frequência, uma leitura crítica, extrema e parcelar, própria das esferas que supõem os seus valores isentos de qualquer modulação externa.
Por exemplo, a auto-ponderação dos valores subjacentes a alguns segredos, não admite no seu discurso que tenha de haver, em casos de conflito, hetero-valoração preponderante.
Está, aqui, uma das grandes aporias das reponderações institucionais e uma enorme exigência na compreensão do espírito do tempo.
A Justiça não pode ser repartida em diversas esferas de justiça, mas deve manifestar elevada prudência na consideração das várias racionalidades, sobrepondo-lhes sempre, no entanto, a razão federadora dos valores constitucionais.

Por outro lado, as instituições de justiça enfrentam novas realidades: – as globalizações modificaram, aceleradamente, um certo modo racional e dogmático de compreender o direito.
Numa nova ordem sócio-económica poliédrica e multicêntrica, emerge a alteração da própria compreensão da realidade e da capacidade da ordem jurídica para dar resposta às exigências de um tempo que se precipita em futuro contínuo.
A dissolução das coordenadas de espaço e tempo anda de par com alguma porosidade do direito estadual e da concepção sistemática que lhe é inerente, e com a emergência de nexos colaterais de complexas redes normativas.
As instituições de justiça – e falo sobretudo nos tribunais – têm de saber enquadrar a complexidade do momento para superar algum anarquismo metodológico e prevenir, na dispersão normativa, a anomia ou o caos.
É, pois, imensa a responsabilidade que os tempos novos impõem.

A contemporaneidade criou também alguns mitos, erigidos em supostos valores fundamentais, que confrontam a Justiça a um tempo com a força simbólica da invenção de valores e com a fragilidade racional dos mitos.
Refiro-me à transparência e à densidade do tempo, ou, como alguns referem, a tirania da urgência.
A transparência, filha da nova visibilidade, tem-se transformado por desvios de compreensão, com diz o juiz Antoine Garapon, numa espécie de “voyeurismo” erigido em virtude pública.
A transparência oferece, aparentemente, um contacto directo com a realidade, sem intermediação de qualquer composição, sem o travão de qualquer substância e sem obstrução por qualquer filtro. Mas não permite qualquer elaboração.
Não estando isenta de sérias ambiguidades, a transparência, assim como tem sido apresentada, pode oferecer as bases intelectuais a novas formas de populismo.
Não permitindo qualquer elaboração, o imediato não explica, mas pretende a reconstituição em tempo real e sem regras.
Devemos, por isso, em rigor de linguagem, falar antes de publicidade como valor democrático.
No funcionamento da justiça, a publicidade democrática constitui um valor essencial.
A justiça tem regras que constituem fundamento da democracia; sem regras e sem espaço, os discursos entram em concorrência agreste que beneficia quem fala mais forte ou quem tem capacidade para se fazer ouvir melhor.
Por isso, o processo - e a sua inerente forma – é inseparável do acto de julgar, e na sua ambivalência constitutiva ao mesmo tempo que encerra liberta o acto de julgar.
A publicidade democrática não pode ser separável da formalidade do processo, que é um necessário espaço de garantia e de verificação e escrutínio interno e externo.
É um espaço simbólico como condição da eficácia do discurso; apenas o espaço do processo, no mínimo necessário mas no máximo exigível, permite a elaboração pela argumentação contra a efusão e a espontaneidade dos sentimentos.
O processo é, pois, um espaço democrático onde todos os interessados podem intervir no modo de reconstrução da realidade como pressuposto necessário do acto de julgar.
Espaço e tempo, são condições essenciais da realização da justiça.
Não é possível dizer o direito não dando tempo.
O tempo do processo é, porém, um tempo necessariamente separado do tempo da vida real, regulado por prescrições objectivas, que permita que o julgamento realize os seus efeitos performativos e instituintes: os efeitos jurídicos - declaração do direito do caso, condenação; absolvição; e os efeitos sociais - apaziguamento do conflito.
As instituições de justiça e os cidadãos têm de estar atentos aos riscos de destemporalização: a contradição entre o tempo imediato da comunicação mediática e o tempo mediato de reflexão.

As novas exigências e a sobreposição mediática – não a exposição pública, que é necessária e democrática – exponenciam o ambiente em que se proclama a crise da justiça.
Crise afirmada, mas não racionalizada nos fundamentos e muito induzida pelo discurso da crise.
No entanto, a vida social funda-se, em boa parte, na confiança na justiça.
Já na cidade ateniense as virtudes cívicas se centravam na justiça e na temperança, valor indissociável da justiça, como sabedoria do tempo, da justa medida, acordo e harmonia.
A erosão da confiança na justiça abala decisivamente um dos pilares da sociedade democrática.
A prioridade que hoje enfrentamos – todos o reconheceremos – está, por isso, na recuperação da confiança nas instituições judiciárias, e sobretudo nos tribunais como órgãos de identificação externa do próprio sistema de justiça.
A reposição da confiança é mesmo uma questão actual de centralidade política, identificada como um “desafio” – o terceiro desafio - no discurso de posse do Senhor Presidente da República: «criação de condições para o reforço da credibilidade e eficiência do sistema de justiça».
A confiança é, porém, da ordem dos sentimentos não directa e imediatamente racionalizáveis, e ganha-se ou perde-se pelo cuidado ou pela falta de cuidado no discurso e na acção.
Mas, enquanto valor imaterial, a confiança quebra-se mais pelo discurso do que se recompõe pela acção. A intensidade da proclamação da crise atingiu e condicionou a opinião de um modo já não tolerável, impondo-se, na urgência do tempo, o recentramento tanto dos modos de abordagem como do rigor na acção.
Missão maior – o “desafio” – em que todos devem assumir os seus deveres e responsabilidades.
Sendo as instituições do Estado inseparáveis dos agentes que em cada momento nelas servem a República e os cidadãos, fractura gravemente a confiança o discurso de leveza insustentável, que tenha como efeito objectivo uma desqualificação dos agentes que servem a justiça.
E de tal registo tivemos afloramentos recentes.
A teoria dos “privilégios” das “corporações”, a linguagem que envolveu o anúncio de algumas medidas, ou por exemplo, a apresentação da nova lei de responsabilidade da Administração, que é identificada, subliminarmente, nas alusões externas que a comunicação transmite, como lei de responsabilização dos juízes, são casos de discurso pouco cuidado e objectivamente desqualificador.
O efeito objectivo de desqualificação liberta pulsões de baixo perfil, enfraquece as referências e descredibiliza.
Com efeitos devastadores na confiança.
Por outro lado, a independência, interna e externa, constitui a garantia nuclear do estatuto dos juízes, não como garantia pessoal ou direito próprio, mas enquanto direito fundamental dos cidadãos a tribunais independentes e imparciais, e conatural ao sistema democrático.
Direito dos cidadãos, afirmado como direito fundamental na Constituição e em instrumentos de direito internacional, e essencial à qualidade da justiça e da democracia e à garantia da igualdade.
A relação com outros órgãos do Estado, ou de outros órgãos do Estado com os Tribunais tem, por isso, de ser marcada pelo intransigente respeito institucional recíproco, prevenindo os sinais que possam transportar o risco objectivo de desconsideração ou deslegitimação, com reflexos na percepção externa da independência.
Não irei referir nada em que possa ter lido esses sinais.
Não queria deixar, no entanto, de salientar, a propósito, exemplos ou episódios recentes, vindos de outras paragens, que constituem motivos para reflexão e prevenção.
A difícil situação italiana, com a expressão intensa de conflitualidade anti-judicial na linguagem e acção políticas, e com a opinião pública e a intelligentsia universitária tomando a parte da magistratura; a recente discussão em França sobre a intervenção de uma comissão parlamentar a propósito de um concreto caso judicial; a ocorrência patológica, mas que poderia ter produzido gravíssimas consequências, tendo como motivo desencadeante a expressão de divergências sobre a compreensão dos limites da separação de poderes entre as Cortes e o Presidente do Tribunal Supremo de Espanha, tudo são exemplos que devem exigir reflexão, com sobriedade e sentido de Estado, no rigor do respeito interinstitucional pela independência externa dos tribunais e dos seus juízes.
Questão também muito recentemente sublinhada por Sandra O’Connor, juíza emérita da Supreme Court, que em conferência proferida na Universidade de Georgetown denunciou, em termos muito vigorosos, as consequências induzidas pela utilização de linguagem política pouco cuidada relativamente ao sistema judicial e a concretas decisões dos tribunais.
Constituindo a independência dos juízes direito fundamental dos cidadãos, temos o dever de estar atentos e identificar os sinais que possam criar a aparência de enfraquecimento ou deslegitimação, sem condicionamento pelo anátema do nefando horror da reacção corporativa.

Cuidar o discurso é, por isso, essencial, porque é imensa a responsabilidade política na recuperação da confiança e na «criação de condições para o reforço da credibilidade e eficiência do sistema de justiça».
Mas importa também desconstruir alguns equívocos perturbadores na linguagem crítica, que, por vezes, porventura por excesso, se qualifica como anti-judicial.
Refiro-me ao “governo dos juízes”, à accountability ou prestação de contas, e ao escrutínio.
A expressão “governo dos juízes”, de que há referências esparsas nos fins do séc. XIX e princípios do séc. XX nos Estados Unidos, entrou na linguagem europeia a partir de 1921 (com a publicação de Edouard Lambert).
Por associação de termos antinómicos, a fórmula foi afectada desde a nascença, sobretudo na vertente europeia, por um sentido claramente negativo, e transformou-se em forma cómoda e desviante usada em ambiência política de discurso crítico anti-judicial.
Porém, na sua origem, e não obstante a promoção histórica do mito, esteve apenas a discussão sobre as virtudes e defeitos do modelo americano de judicial review of legislation, e sobre o modo como em certo contexto histórico de transição de sec. XIX para o sec. XX a Supreme Court exerceu a função de controlo da constitucionalidade das leis.
Situada no contexto, resulta evidente a corrosão semântica e a adjacente manipulação da fórmula, e a sua utilização como arma com efeitos deslegitimadores na discussão crítica sobre a justiça.
É, por isso, hoje, uma fórmula vazia de sentido, e insistir nela sugere, com evidência, a deslocalização e a afasia do discurso.
Os tribunais não exercem funções executivas, e não podem transformar-se, por usurpação, em legislador, porque os juízes estão apenas sujeitos à lei, que é a fonte da sua legitimidade interna.
Mesmo quando, na densificação de princípios normativos, integram, fundamentadamente, espaços de indeterminação ou de incompletude da lei, é porque o legislador, nos seus próprios critérios ou por imperfeita previsão, deixou a integração á margem de apreciação motivada do juiz.
Revela, pois, alguma demagogia falar em “governo dos juízes”.
A exigência de accountability ou prestação de contas está também na ordem do dia.
O princípio não pode ser discutido, e é da essência do sistema democrático que os poderes e as instituições prestem contas.
Não é essa a questão.
Mas a prestação de contas, pelos modos que forem constitucionalmente adequados na engenharia institucional, refere-se à dimensão organizatória e aos resultados de funcionamento enquanto sistema complexo, e não a actos jurisdicionais concretos onde se deve actuar com independência.
A accountability não afecta nem pode afectar a natureza e a função da independência como garantia estatutária, que não constitui, nunca é demais sublinhá-lo, privilégio dos juízes, mas direito fundamental dos cidadãos.
A prestação de contas pelos resultados do funcionamento das instituições, enquanto organizações complexas, não pode ser confundida, por isso, com prestação de contas por actos de julgamento em que se manifesta a independência dos juízes.
Mas na linguagem da exigência, esta delimitação necessária não tem sido, voluntária ou involuntariamente, a regra.
As decisões dos tribunais, nesta perspectiva, apenas podem ser institucionalmente questionadas, como é inerente ao sistema de garantias, no plano interno do processo e no âmbito do direito aos recursos.
Por fim, o escrutínio.
Acusa-se a justiça de estar fechada ao escrutínio.
Esta acusação contém, no entanto, uma forte ambiguidade.
Escrutínio significa possibilidade de verificação de procedimentos e de conhecimento público dos fundamentos dos actos e decisões, e não, como parece estar pressuposto na acusação feita, visibilidade imediata e em tempo real ou intromissão em directo nas acções da justiça.
A publicidade é contrária à inexistência de escrutínio, e a transparência, quando compreendida no rigor das noções, respeita aos procedimentos e não às pessoas.
Situadas as noções no seu exacto espaço conceptual, pode dizer-se que a justiça está submetida ao mais amplo escrutínio democrático.
Escrutínio interno pelo processo e externo também pela publicidade dos actos.
No processo, e no âmbito dos recursos, os actos e decisões podem ser sujeitos a verificações no domínio funcional da hierarquia dos tribunais.
Mas igualmente o processo é um espaço aberto a quem demonstrar interesse legítimo na verificação, e esta possibilidade constitui também escrutínio público.
Pela publicidade da audiência, o escrutínio é imediato, não podendo, contudo, a publicidade ser assimilada a exasperação de acesso ao público por transmissão à distância.
Alguns momentos processuais, transitoriamente sob necessária reserva, não impedem o escrutínio quando a natureza pública abrir o processo.
A justiça é, pois, interna e externamente susceptível de escrutínio democrático, no sentido de público, e escrutínio da maior intensidade entre as instituições da República.
Mas o exercício do escrutínio democrático, neste sentido de escrutínio público, supõe e exige, também, uma forte responsabilidade, e sobretudo rigor intelectual, na missão essencial de mediação informativa e formativa da opinião.
A apresentação não rigorosa, fragmentária, com negligência intelectual, com desconsideração ou descontinuidade de pressupostos de facto essenciais à compreensão das decisões, e por vezes com intolerável manipulação das emoções, não é nem serve o escrutínio democrático, e constitui um desvio grave aos deveres e responsabilidades de quem escrutina para informar.
Em tais circunstâncias, impõe-se, como garantia democrática, que sejam repostos o rigor, ao menos factual, e a exactidão dos pressupostos de análise pelo esclarecimento claro e objectivo, que tem de ser institucional, e não dispensado por intervenções pessoais avulsas ou através de entidades não institucionais.

Desconstruídos os mitos e clarificados os equívocos discursivos que os sustentam, e recolocada a linguagem no rigor imposto pela dimensão política e institucional, poderemos ver um fio de optimismo na recomposição da confiança.
E como corpo da instituição na contingência da nossa passagem pela permanência das instituições, temos o direito de exigir que sejam assumidas responsabilidades que não são nossas.
Mas, também por isso mesmo, temos o exigente dever de assumir as nossas próprias responsabilidades.
Responsabilidades sobretudo na acção, que se deve traduzir em eficiência e qualidade.
Como em nenhuma outra função de soberania a legitimidade do juiz assume uma tão intensa reflexividade pela acção, pois é apenas pela função e pela acção que se reconfigura permanentemente a sua legitimidade material.
A eficiência do sistema de justiça avalia-se, em geral, através de vários critérios que permitam verificar o grau de satisfação dos cidadãos ao serviço de quem as instituições judiciais devem estar.
Podem ser considerados, entre outros, cinco critérios, qualitativos e quantitativos: a garantia de acesso especialmente no que respeita aos cidadãos com insuficientes recursos; a defesa da legalidade no respeito pelo princípio constitucional da igualdade; soluções justas quando não seja possível a composição; a duração razoável dos processos; custos públicos e privados não excessivos.
A complexidade e a carga simbólica da instituição colocam, no entanto, problemas acrescidos na definição de critérios de avaliação da eficiência.
Na eficiência está pressuposto um impacto positivo, que é o efeito da actividade das instituições de justiça, e particularmente dos tribunais, sobre a sociedade. Não pode, porém, ser avaliada por um puro produtivismo materialista, mas pela capacidade de organização para obter os melhores resultados possíveis a partir dos factores existentes e disponíveis.
A eficácia e a qualidade realizam-se, em boa medida, pelo uso racional dos meios e pela intervenção moldada em critérios fundamentais, de rigor, e na consideração de princípios essenciais.
Na percepção, na elaboração e na função constitui um corte na racionalidade lançar sobre a lei a causa de algumas disfunções: uma lei imperfeita pode recompor-se através de boas práticas, mas nenhuma boa lei resistirá a más práticas.
Racionalizar os meios pressupõe, em procedimento lógico, identificar carências.
Identificados, como estão, os fundamentos do vocabulário da crise, nomeadamente no domínio da razoabilidade do tempo de decisão - morosidade da justiça - que tem sido verdadeiramente o modelo de identificação da crise, há que enfrentar permanentemente o problema onde exista em termos reais, encontrando de modo pragmático as soluções sem experimentalismos ou recomposições de modelos não testadas.
A reorganização ou reordenamento tem de responder em tempo às exigências que não são, no essencial, estruturais; mas esta resposta pragmática e de gestão não aconselhará a experimentação de modelos alternativos e não tratados de reconversão organizacional.
No contexto da racionalização de meios, a desjudiciarização tem, é bom não esquecê-lo, limites impostos pela Constituição e pelas vinculações internacionais.
É que o direito ao juiz, ou direito ao tribunal, constitui um direito fundamental dos cidadãos para a decisão de qualquer controvérsia sobre direitos ou obrigações de carácter civil, com a amplitude em que a noção tem sido elaborada, ou para a decisão sobre uma acusação em matéria penal, como noção material e não de nome ou de forma. É deste modo que está inscrito, por exemplo, no artigo 6º, § 1 da CEDH o direito ao tribunal independente e imparcial.
As dimensões da qualidade requerem que, na análise, se parta de uma reflexão sobre as funções da justiça, mas a avaliação da qualidade terá de atender sempre aos limites constitucionalmente impostos pela independência.
O respeito pelo princípio e elementos do processo equitativo, a realização da igualdade, a garantia e afirmação dos direitos fundamentais, e a elaboração de soluções jurisprudenciais que estabeleçam quadros de previsibilidade das decisões para segurança das relações, constituem, a um tempo, pressupostos e resultados que teremos que ter sempre presentes para assegurar a qualidade da justiça, criando confiança nos cidadãos.
Mas este dever, mesmo antes de grandes princípios, concretiza-se em “boas práticas” e nos “pequenos nadas” do quotidiano.
Nos procedimentos há, como efeito, muito ou quase tudo de racionalidade e de exigência de boa gestão e de “boas práticas”, e pouco de intervenção de juízos que relevem já da independência inerente à função de julgamento e decisão.
Regras e procedimentos que devem ser comuns sobre a melhor forma de direcção e condução do processo, ou questões de pura organização do trabalho, ou de rigor e atenção na convocação de pessoas e no respeito pelos tempos previstos no agendamento dos actos, podem perfeitamente ser modeladas e objecto de elaboração de regras que se imponham no exercício quotidiano.
A atenção e o cuidado aos actos do dia a dia, especialmente na relação directa com os cidadãos, constituem também factores relevantes na construção de modos de comunicação aberta imediatamente sentidos, onde a confiança se começa a ganhar ou se perde.
Todas estas responsabilidades são nossas e devemos assumi-las, reconhecendo com toda a humildade intelectual e democrática tudo quanto, aqui e ali, se tenha passado menos bem.

Deixei algumas reflexões breves, e porventura deslocadas, pois pela natureza do acto que nos reúne deveria ter falado antes do Supremo Tribunal de Justiça.
Aceitarei o reparo, mas pela posição do Supremo Tribunal quanto neste lugar possa ser dito interessa a toda a instituição judicial.
O Supremo Tribunal é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais – assim vem caracterizado na expressa integração constitucional.
A constitucionalização do Supremo Tribunal de Justiça não significa, porém, na interpretação que faço, a assunção de um qualquer modelo de Supremo Tribunal: a Constituição assumiu e fixou o modelo pré-constitucional, sedimentado de quase dois séculos, de tribunal supremo de plena jurisdição em matéria de direito, nas suas competências complexas de recurso hierárquico e de recurso normativo.
A tradição nacional, a história das instituições, a posição institucional, material e simbólica, no sistema de justiça, conjugam-se para a essencial persistência do modelo como património inalienável da cultura judiciária portuguesa e síntese considerada perfeita dos vários modelos de tribunais supremos.
As exigências de um sistema equilibrado de garantias internas aconselham a que o Supremo Tribunal de Justiça permaneça como órgão superior de plena jurisdição e como órgão judicial de Revision, não sendo transformado, em inversão da sua natureza histórica e constitucional, em órgão com competência reduzida ao chamado recurso normativo.
Se é certo que o espaço funcional da competência para uniformização de jurisprudência é essencial, reduzir o Supremo Tribunal a tribunal de “Grandes Decisões” seria eliminar garantias substanciais de reapreciação dos casos, por um lado, e por outro, deferir, no rigor das coisas, aos tribunais de recurso de 1º grau a função de elaboração e afinamento de referentes jurisprudenciais, com o risco de descontinuidade não facilmente acomodável às imposições de previsibilidade e da consequente certeza e segurança nas relações jurídicas dos cidadãos.
A força de convencimento e de aceitação do precedente, mesmo nos sistemas continentais, é tanto maior se emanar de um Tribunal Supremo prestigiado, e a sedimentação das correntes jurisprudenciais será sempre mais consistente se decorrer da elaboração a partir da pluralidade de casos, do que, como remédio de imposição, pela decisão apenas em recurso normativo de uniformização de jurisprudência.
Nos ajustamentos que a evolução dos tempos e as exigências de optimização pragmática impõem, é necessário, mas é possível, compatibilizar a natureza das competências históricas com as acrescidas solicitações e os limites da elasticidade organizatória do Supremo Tribunal.
As soluções podem ser várias, e têm sido pensadas na elaboração e aplicadas em reformulações recentes em outros sistemas.
Desde o melhor enquadramento dos pressupostos materiais ou processuais objectivos para a admissibilidade dos recursos, passando pela intervenção de mecanismos expeditos de decisão nos casos de manifesta falta de fundamento, até à possibilidade intra-orgâncica de decisão sobre o recebimento do recurso segundo critérios gerais de importância objectiva e subjectiva (o procedimento de leave to appeal), todas são soluções possíveis e testadas em outros lugares, e que podem contribuir para racionalizar a função, sem alterar a natureza simbólica, cultural e histórica do Supremo Tribunal.
E, nesta perspectiva, há que dizer e reafirmar, com a certeza das convicções demonstráveis, que o Supremo Tribunal de Justiça tem exercido, e continuará a exercer, com o rigor nascido da elevada competência e da profunda dedicação dos seus juízes, a função de tribunal supremo e de decisão última sobre relações da vida, mas também de construção e elaboração de referências que se imponham pela força do convencimento e não pelo convencimento da força da posição institucional.
As questões problemáticas da justiça não estão no sistema de recursos, nem aqui se manifestará a urgência de intervenção.
No entanto, em registo funcional, permitam-me que, de modo mais concretizado, refira alguns pontos que poderiam merecer ponderação no plano mais imediato das soluções desejáveis.
- alargamento ao processo civil e laboral de disciplina idêntica à do processo penal sobre a rejeição do recurso por manifesta falta de fundamento;
- clarificação legislativa sobre a inadmissibilidade de recurso da decisão da Relação no incidente de recusa, para obviar, imediatamente, ao desvio da finalidade e abuso com que o incidente tem sido utilizado;
- desobjectivação dos pressupostos no recurso extraordinário para fixação de jurisprudência em processo penal, admitindo a intervenção de critérios de dignidade e relevância da questão suscitada;
-. instituição, por modo informal, de uma conferência de presidentes das secções cíveis para identificação e prevenção de divergências jurisprudenciais que requeiram a utilização do meio previsto no artigo 732º-A do Código de Processo Civil;
-. instituição pela forma que for considerada adequada, no âmbito conjunto das secções criminais, de modos de abordagem e discussão de critérios e práticas de sentencing, vista a função essencial do Supremo Tribunal, e a necessidade de garantir coerência na aplicação das penas, com refracções no princípio da igualdade, e especialmente no estabelecimento de critérios que se afirmem para as instâncias na determinação da pena do concurso de crimes, que possam prevenir “disfunções de aplicação” – como alertou, numa das suas últimas intervenções, o anterior Presidente da República.

Tomei por tempo demais o espaço benevolente da vossa paciência.
Peço que me absolvam da falta.
Em minha defesa invoco a interpretação que faço dos sinais dos tempos, e a afirmação da consciência de que são imperiosas a reversão do estado da opinião e a recomposição pública da confiança, transmitindo por palavras e acções aos cidadãos, em nome de quem a justiça é administrada, o sentimento de que podem confiar nas instituições de justiça da República e nos seus magistrados.
Esta é a urgência do tempo.
Para tanto, todos, mas todos, têm que assumir as responsabilidades que são de cada um, com espírito de serviço e dedicação empenhada, mas também com cuidado e rigor no discurso.
Não poderemos dizer, como Sophia, «que este é o tempo em que os homens renunciam».
Este é antes o tempo em que diremos, com Torga, que «todo o semeador semeia a seara do futuro».

Muito obrigado pela vossa atenção.


António Henriques Gaspar

28 abril 2006

 

O STJ como notícia

Estranhamente a comunicação social não esteve ontem presente na tomada de posse de António Henriques Gaspar como vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Digo estranhamente por várias razões: porque a tomada de posse de um vice-presidente do mais alto tribunal do País é uma cerimónia suficientemente importante do ponto de vista político-institucional para merecer notícia; porque ainda há pouco outra tomada de posse na área da justiça (direcção da PJ) recebera ampla cobertura mediática; finalmente porque o STJ ainda há poucos dias fora notícia a propósito de uma sua decisão, parecendo isso revelar uma especial atenção à actividade deste tribunal.
Afinal não é nada disso. O STJ só é notícia se cheirar a escândalo. É esse o "critério jornalístico" de cobertura noticiosa do tribunal. Mas é pena que seja assim. Ontem muito teriam a aprender os jornalistas que ali se tivessem deslocado com a audição do discurso do novo vice-presidente. E muita matéria teriam a reportar à opinião pública sobre a justiça vista duma perspectiva diversa da do "discurso da crise", que é o discurso dos que querem manter a crise a todo o custo e dessa forma apostam na deslegitimação do poder judicial, o discurso continuamente difundido e amplificado pela generalidade da comunicação social.
Para os que pretendem reflectir sobre a crise não há "tempo de antena".

 

Tribunais para políticos

A ideia de um foro especial para políticos parece afastada «em princípio». Quem o disse foi o presidente da Unidade de Missão para a Reforma Penal. E foi afastada, não por inconveniente, mas «por falta de consenso». Falta de consenso, mas presença de bom senso, acrescento eu.
Também parece que pesou na decisão o problema dos previsíveis "custos". Custos financeiros, não democráticos (como alguns maldosos poderiam pensar). Porque previsivelmente não haveria muito serviço para o futuro tribunal. Este argumento, em todo o caso, talvez seja precipitado. Depois se veria...
Mas (significativamente) foi ignorado o que parece ser um factor decisivo: a proibição constitucional da existência de tribunais especiais.

 

Comissões parlamentares de inquérito, nunca mais!

O PS, pela voz autorizada do deputado Ricardo Rodrigues, disse não querer mais comissões de inquérito «nos próximos tempos» (quantos?). Realmente é mais digno dizer a verdade frontalmente do que andar a fingir. Os inquéritos parlamentares, com as regras actuais (e com a maioria actual) não valem a pena. Já se sabe a verdade antes de ela ser investigada: é a verdade da maioria. O inquérito destina-se a provar a verdade antecipada. Realmente o melhor é acabar com ficções.

 

«Símbolos? Estou farto de símbolos!»

Assim terá pensado o novo PR ao mandar às malvas o cravo ritual, insciente porventura do poema de Álvaro de Campos, outro admirador do progresso e do futuro.
Mas não deixa de ser simbólico que o PR desvalorize os símbolos. E logo o símbolo do 25 de Abril no próprio dia 25 de Abril e na sessão desinada a comemorar o dito 25 de Abril...

26 abril 2006

 

AEP (abandono escolar precoce)

Vem hoje publicado no JO C 99 o Relatório Especial nº 1/2006, relativo à contribuição do Fundo Social Europeu para a luta contra o abandono escolar precoce, acompanhado das respostas da Comissão.

Na população que abandona a escola precocemente tiveram-se em atenção os jovens entre os 18 e 24 anos.

Consta desse relatório que, em Portugal, a AEP, em 1994, representava 44,3% e, em 2004, representava 39,4%.
Anota-se que a percentagem dos jovens de 18 a 24 anos que não ultrapassaram a fase do 1º ciclo do ensino secundário em 2004 foi calculada em cerca de 45,5%.

Para melhor compreender o nosso lugar a esse nível, vejam-se os dados relativos à AEP, por exemplo, em relação a Itália (em 1994 representava 35,1% e em 2004 representava 23,5%), a Espanha (em 1994 representava 36,4% e em 2004 representava 30,4%), ao Reino Unido (em 1994 era de 32,3% e em 2004 era de 16,7%), à Dinamarca (em 2004 era de 8,6% e em 2004 era de 8,1%) e à República Checa (em 2004 era de 6,1%).

Diz-se, também, no mesmo relatório, que «o Plano de Acção Nacional para o emprego em Portugal – PAN (2003-2006) – destina-se a reduzir o AEP para 35% até 2006 e para 25% até 2010, o que coincide em linhas gerais com a Agenda de Lisboa».

Acrescenta-se que «a realização destes objectivos poderá ser difícil, dada a falta manifesta de uma estratégia coordenada para estudar o fenómeno do AEP e o combater no interior das escolas antes que os alunos tenham 15 anos, ou seja, quando os factores que estão na origem do AEP são identificados. Contudo, o plano de acção nacional português propõe a criação, num futuro próximo, de um sistema de detecção precoce dos alunos em situação de risco de abandono escolar e um apoio personalizado a estes alunos».

Como é que se pode combater o AEP sem estratégias coordenadas?

Será assim tão dificil coordenar estratégias?
Quanto tempo é preciso para alcançar os objectivos propostos?

Que conclusões retirar de tudo isto?

Como podemos evoluir se não há “investimento” em políticas educativas eficazes que preparem os nossos jovens para o futuro?

25 abril 2006

 

Ideias novas precisam-se…

O vazio de ideias é de tal ordem que hoje, 25/4/2006, a presença ou ausência de cravo na lapela (em algumas figuras do Estado Português) foi mote de “eloquentes” discursos na Assembleia da República… merecendo também larga publicidade, investigação e destaque especial na comunicação social, nomeadamente em telejornais.

E, o que há de novo na TV do Estado (RTP 1)?
Outra vez o filme Capitães de Abril, realizado em 1999…

24 abril 2006

 

Perito Moreno


 

irresistível


Atrevo-me a dizer que Perito Moreno é uma das maravilhas do Mundo!!!

23 abril 2006

 

alternativa inglesa...

Quem sabe se a solução para o tema a seguir proposto («Exclusão/violência/adolescência/inclusão…») não passa, também, por lições semanais de felicidade para jovens estudantes?
Ler a este propósito a notícia de Andreia Sanches, «Colégio Britânico vai dar aulas de felicidade», no Público de hoje e consultar o site aí citado: www.wellington-college.berks.sch.uk.

 

Exclusão/violência/adolescência/inclusão…

Matías, um adolescente de 16 anos, faleceu na madrugada de 9 de Abril em Palermo Chico (Buenos Aires), na sequência de uma suposta “briga” ou “ataque” ocorrido na rua.

Desde então os jornais da Argentina têm comentado diariamente este caso: noticia-se que se tratou de homicídio praticado por um grupo de (11) jovens adolescentes, entre eles um de 13 anos. Referem que, não obstante o resultado da autópsia indicar que a morte ocorreu por «embolia pulmorar», subsistem suspeitas de o Matías ter falecido por causa do golpe que sofreu no pescoço, o que lhe terá provocado uma paragem cardíaca. Já foi decidido fazer uma exumação ao cadáver. No meio da história um suposto “roubo” de um telemóvel e a intervenção de um polícia. A família, desiludida, diz que vai abandonar o país…

Há dias a comunicação social portuguesa divulgou a detenção de 4 adolescentes (entre 16 e 18 anos) que preparavam um ataque armado a uma escola no Kansas. Aliás, na América não são inéditos ataques violentos em escolas, executados por jovens, com consequências mortais.

Esses são os casos mais recentes que tiveram direito a aparecer nos media.

A cada passo e, cada vez com maior frequência, denunciam-se situações de jovens que interagem com recurso à violência, não hesitando em matar.

O que leva os jovens a não controlar esse pulsar de violência? Porque é que o exercício da violência satisfaz a busca do prazer imediato?

A dinâmica grupal da violência tem sido uma forma de “auto-afirmação” de jovens que perderem o sentido de orientação, vivendo subculturas próprias, desinseridos e marginalizados pela sociedade em geral, que nada faz para os integrar.

Que é feito da capacidade de resistir à frustração?

Será que o conflito interno que cada jovem vive perante a falta de perspectivas futuras, o espectro do desemprego, a falta de apoio estadual, a “desorganização social”, a ausência de modelos positivos de referência, a “desigualdade de oportunidades”, o apelo constante à sociedade de consumo inacessível etc. etc… explicam essa falta de controlo?

Há que repensar a educação, reformular valores (o respeito pelos outros, pelos direitos humanos, pela pluralidade, pela autenticidade etc.), a forma de os transmitir, o processo de socialização…

Há que reconverter os bairros marginais que encontramos dentro e fora das cidades. Há que promover a inclusão social, garantindo a todos bem-estar pessoal, social, laboral…

A solução está na implementação de políticas sociais… o recurso a meios penais clássicos (v.g. prisão sem real reinserção) apenas tem servido para adiar o fenómeno crescente da violência…

21 abril 2006

 

Prisões: parcerias, negócios e o que adiante se verá...

Já aqui o tinha dito: o sistema prisional é muito apetecível para o sector privado, quer em termos de prestação de serviços, quer quanto os terrenos onde se localizam os próprios edifícios prisionais. Retomando o comentário de A.J. Latas, também me interrogo sobre os verdadeiros interesses subjacentes aos negócios que se programam para os estabelecimentos prisionais de Lisboa, Coimbra e Pinheiro da Cruz, este último muito suspeito pela notória avidez turístico-empresarial sobre a região. Espera-se transparência e debate público nesta matéria.
Quanto às "parcerias público-privadas" (expressão admirável do nosso tempus economicus), se celebradas para subcontratação de serviços (por exemplo, e como foi aventado, a segurança externa dos estabelecimentos prisionais) elas envolvem (e promovem) uma grave perversidade: a da necessidade de manter, se não de engordar, o universo prisional, única forma de o tornar rentável.
O Estado tem uma única forma democrática de poupar dinheiro com o sistema prisional: é incrementar políticas legislativas que conduzam à redução drástica do contingente de reclusos, o mais elevado da Europa comunitária, como se sabe.l

20 abril 2006

 

O futuro é o casino

Que o novel Casino de Lisboa tenha sido implantado no pretérito Pavilhão do Futuro é revelador do futuro que os nossos decisores (governantes, empresários, gestores e outros génios) nos reservam. Jogar aliás vai ser democrático, ao alcance dos pobres, a quem o casino procurará tornar ricos, sem prejudicar os que já o são, evidentemente. Este Casino de Lisboa é um verdadeiro projecto nacional e que nos vai projectar no mundo. Todos temos de estar reconhecidos a Stanley Ho, esse empresário que generosamente aqui investe. Certamente que tal reconhecimento não deixou de lhe ser expresso quando almoçou com o chefe de Governo e quando foi recebido em Belém.

 

Uma reflexão forte e oportuna sobre a justiça

O artigo ontem publicado por Paulo Rangel no Público, "O risco de castração administrativa da justiça", merece leitura atenta, porque transcende a habitual mediocridade da análise sobre a "crise da justiça" e as não menos habituais catilinárias fulminando magistrados e tribunais. O que aí se faz é uma breve mas forte reflexão sobre o (indispensável) papel do poder judicial no mundo de hoje (contra os preconceitos jacobinos hoje dominantes em boa parte da esquerda, e não só da "governamental") e uma denúncia lúcida da "ideologia administrativizante" que enforma a política de justiça do actual Governo. E para terminar com uma "palavrinha" sobre a necessidade de repensar a legitimidade e responsabilidade do poder judicial. Sobre isto muito haverá que falar evidentemente, mas os magistrados não devem temer essa discussão e talvez até devessem ser eles a propô-la. Falaremos mais sobre isto.

19 abril 2006

 

O acórdão do STJ

Pelo menos tão interessante como o acórdão do STJ sobre os maus tratos a crianças deficientes internadas é a cobertura noticiosa do mesmo. Uma fúria espalhou-se na comunicação social em defesa das crianças, uma onda de carinho pelas crianças e de repulsa pelos "retrógrados" magistrados. É mais uma (a última) da justiça (a juntar ao infindável rol que já conta). Naquele dia não havia outras notícias em Portugal. Regista-se com agrado este interesse mediático pelas crianças maltratadas. Mas um tal fervor não envolverá também dissimuladamente um empenhamento deslegitimador da própria justiça?

 

Ainda o mistério dos deputados desaparecidos

Sem querer de forma alguma alinhar na onda de demagogia populista que se abateu sobre a instituição parlamentar a propósito da falta de quorum no passado dia 12, alguns aspectos são intrigantes e aqui deixo as minhas perplexidades.
Não saberiam os faltosos que havia votações nesse dia? Cada um deles escondeu para si o "segredo"? As direcções dos grupos foram apanhadas de surpresa? Se sim, como é isso possível? Não há "culpa in vigilando"?
Independentemente das óbvias motivações pascais que levaram a grande maioria dos faltosos a ausentar-se, é evidente que este "desinteresse" pelos trabalhos parlamentares tem raízes na funcionamento da própria instituição, sobretudo nos seus grupos maiores (os da alternância). Nesses grupos há deputados de 1ª, de 2ª e de 3ª categorias: pertencem à primeira os que estão sentados sempre na primeira fila e que falam sobre todas as questões (são os "políticos"); seguem-se os que só falam sobre matérias técnicas (são os "técnicos"); por último, há os que servem para votar e que têm ainda o direito de, de vez em quando, falar das más estradas e de outras carências da sua região.
Tudo isto no quadro de um forte centralismo por parte das direcções parlamentares e de uma escassíssima autonomia individual, perante o partido e a direcção parlamentar, pelo menos na hora das votações.
Com tão apertado regime, o melhor é mesmo "tirar uns diazitos" de vez em quando.

 

A tortura à luz da epistemologia

A notícia já tem alguns dias, E. Prado Coelho já a comentou sagazmente, mas também quero dizer qualquer coisa.
Segundo a notícia vinda no Público de 9 deste mês, um professor americano de economia (ah, estes professores de economia, os oráculos dos tempos modernos!) publicou um estudo numa revista de epistemologia (de epistemologia, acentue-se) sobre a fiabilidade da tortura, ou seja, sobre o magno problema de saber se a tortura funciona, isto é, se leva o torturado a falar verdade. E conclui, muito cientificamente (e talvez melancolicamente) que a tortura não é um meio eficaz de obter informações verdadeiras.
É realmente revelador do "estado mental" do povo e mesmo das elites americanas que a tortura seja analisada não de um ponto de vista político, ético ou jurídico-criminal, mas como matéria do foro epistemológico. Que seja encarada não como objecto de censura, de condenação, de perseguição dos seus autores e promotores, mas como tema "científico", asséptico, em que é posta entre parênteses toda a violência e ignomínia imposta ao torturado, em benefício da análise "objectiva" da utilidade e eficiência do "método". E a conclusão não é menos reveladora: a tortura afinal não é eficaz, por isso não vale a pena utilizá-la, porque se o fosse...

17 abril 2006

 

Proposta para «rendez-vous» ministerial

ou de como devem comportar-se os nossos ministros e altos agentes da nossa Administração de modo que, a bem da informação geral e da transparência dos actos, tudo se passe «on public eyes».


Ainda não esmoreceram as ondas de choque provocadas pela polémica demissão do Director da Polícia Criminal. Já lá vai mais de uma semana e as gazetas ainda se não cansaram de comentar o incidente. Daqui tem surgido um clima de suspeição e de perturbação que não abona a estabilidade e a fiabilidade das instituições do nosso Reino, assim como a limpidez da imagem do «feliz governo que nos governa». Recordemos aligeiradamente, a pinceladas largas, o que se passou. O nosso ministro do Reino para os assuntos da Justiça, que tão corajosamente tem levado a cabo uma obra de remodelação completa do sector, baseado em sólidos estudos científicos e ousados projectos de eficiência e produtividade, segundo o princípio de que uma investigação só é eficiente quando leva a uma acusação e esta a uma condenação, convocou o Director da Polícia Criminal para um «rendez-vous» no seu gabinete. Do que lá se passou ninguém sabe. O que se sabe, porque esse dado é abonado pela realidade cronológica, é que, ao fim de um quarto de hora, o Director da Polícia Criminal estava fora do gabinete. Os gazeteiros imediatamente se precipitaram sobre ele, registando com aparos ruidosos o que dele ouviam, com uma das mãos em concha sobre o pavilhão do ouvido. Disse então o Director da Polícia Criminal que tinha apresentado a sua demissão. O facto nada teria de espantoso, evidentemente, não fora a circunstância de o ministro do Reino para os assuntos da Justiça ter dito aos mesmos gazeteiros que tinha demitido o Director da Polícia Criminal, antes que ele tivesse formulado qualquer pedido de demissão. O nosso Reino, sempre tão cioso da verdade nua e crua, porque essa, digam lá o que disserem, é uma das características inconfundíveis da nossa idiossincrasia, ficou assaz perplexo. Quem teria razão? O nosso muito ilustre Director da Polícia Criminal ou o nosso muito ilustre ministro do Reino? Ora, vá-se lá saber! Os gazeteiros muito se têm esfalfado na busca da verdade, como é seu timbre, mas em vão. Certo, certo é que o tempo que levou o «rendez-vous» não dava para mais do que tirar um papel do bolso, fosse o Director da Polícia, fosse o ministro do Reino.
Ora, para além de prejudicarem a lisura que deve nortear o comportamento dos altos agentes da Administração do Reino e dos nossos governantes, cenas como esta prestam-se às mais grosseiras deturpações e até a explorações grotescas que empanam a imagem que queremos projectar além-fronteiras. De maneira que, muito modestamente, se me fosse permitido, na qualidade de escriba preocupado com os problemas do nosso povo e com a imagem do nosso Reino, eu faria uma proposta para futuro. A qual consistiria no seguinte: em situações como a que vai narrada, o «rendez-vous» deveria ser convocado para o Terreiro do Paço, se possível com bom tempo, o que hoje, dados os avanços da ciência, não é difícil de prever. O povo juntar-se-ia à volta do palco montado para o efeito. Os protagonistas da acção encontrar-se-iam, cumprimentar-se-iam desportivamente, sob a vigilância de um árbitro imparcial, e só depois de esse árbitro dar o sinal de partida, é que seria lícito cada um deles levar a mão ao bolso. Aquele que primeiro tirasse o papel com a demissão pedida ou imposta e a chapasse mais depressa no rosto do adversário, ganharia, e o árbitro proclamaria a vitória. Com o que todos ficariam satisfeitos e tudo sairia muito mais limpo.

Jonathan Swift ( 1665 – 1745)

12 abril 2006

 

Argentina


E que tal um directo de Ushuaia?

Está frio mas vale a pena visitar a terra do fogo

... quase o fim do mundo!


 

Ainda advocacia paga pelo Estado

Além da advocacia do Estado continuam a não ser facultados dados globais sobre a advocacia de particulares custeada pelo Estado, em especial a defesa criminal. Se é certo que constitui um imperativo a assunção dessa tarefa pelo Estado, o modelo vigente não é o único admissível mesmo à luz de uma perspectiva liberal do patrocínio (certamente que os EUA não são anti-liberais).
Existem diversas variáveis que devem ser ponderadas: qualidade técnica, empenho, selecção e recrutamento (transparência, qualificação, competência), autonomia, controlos, e a vertente financeira também não deixa de ser relevante (ou não existe nesta matéria um problema de escassez de recursos?). Mas contrariamente ao que sucede quanto a medidas fruto de impulsos conjunturais, relativamente a um problema estrutural do Estado de direito não existem estudos comparativos (pelo menos publicitados).

PS- Se para esse estudo não houver dinheiro, podia aproveitar-se o exemplo do canalizar de receitas judiciais que serviam os Serviços Sociais do MJ para outros fins (agora de interesse público) e destinar o dinheiro que, ainda, por força do Código das Custas se destina a fins privativos de (outras) corporações profissionais para esse Estudo (se calhar era suficiente para um trabalho aceitável, de preferência com concurso internacional, que isto de fazer análises com muitas variáveis e vertentes matemáticas não é para qualquer um!).

 

Advocacia do Estado

É essencial analisar de forma séria a advocacia do Estado, não só o patrocínio realizado por magistrados do MP, como outros patrocínios e outros serviços forenses custeados (auditorias jurídicas, pareceres privados, acompanhamento de negociações, etc, etc, etc).
Trata-se de uma exigência cidadã impondo-se nesta área uma análise custo-benefício, que não se cinja à circulação de dinheiro e pagamentos, mas em que o acesso a esses dados se afigura indispensável (mas estranhamente difícil). Para além de não se poder deixar de atender a circulações de pessoas e outras conexões, importa também identificar padrões, critérios e resultados no recurso a meios alternativos ao aparelho burocrático-judicial para a resolução de conflitos (em particular as vias arbitrais).
Parece que para certos fluxos financeiros e de pessoal não há PRACE nem preocupação...


06 abril 2006

 

A responsabilidade criminal dos jornalistas

A pouco e pouco, os jornalistas vão conseguindo levar a água ao seu moinho. Primeiro foi a exclusão de responsabilidade criminal em relação a entrevistas publicadas por um periódico por afirmações que possam preencher um tipo legal de crime, quando o entrevistado esteja devidamente identificado (alteração ao texto do art. 26.º do DL 85 – C/75, de 26/2, então conhecida como Lei de Imprensa, pela Lei n.º 15/95, de 25/5), o que constitui um regime mais favorável do que o aplicado ao comum dos cidadãos. No caso de difamação, por exemplo, lembremos que, no regime penal comum, tanto comete esse crime quem fizer uma imputação lesiva da honra de qualquer pessoa, como quem reproduzir essa imputação, e a publicação de entrevista que contenha uma imputação desse teor constitui uma forma de reprodução da ofensa. Porém, aí, sempre se poderá dizer que a excepção é para não conferir aos jornalistas o odioso de uma censura , mas a verdade é que este ou aquele periódico, este ou aquele órgão de comunicação radiofónica ou audiovisual, nestes casos quando a entrevista seja em diferido, poderão servir-se de afirmações bombásticas feitas por um entrevistado mais destemido ou mesmo sem tino e que atinjam fortemente a honra de alguém, para, a coberto da irresponsabilidade penal, lhe darem uma difusão sensacionalista.
Da exclusão de responsabilidade criminal nas entrevistas, passou-se, na Lei de Imprensa actual (Lei n.º 2/99, de 13/1), à exclusão de responsabilidade por declarações correctamente reproduzidas, prestadas por pessoas devidamente identificadas. Portanto, não só entrevistas, como todo o tipo de declarações prestadas por terceiro. Ora, o que sucede é que muitos jornalistas se escudam atrás da isenção da sua responsabilidade para parafrasearem toda e qualquer declaração feita por terceiro e endossarem a esse terceiro toda a responsabilidade daí decorrente, mesmo quando o declarante é apanhado de surpresa e não é prevenido de que a declaração é para ser publicada. Às vezes, servem-se mesmo de uma conversa pelo telefone para captarem certas afirmações e divulgarem-nas sem consentimento expresso do interlocutor ou, ao menos, sem clarificarem convenientemente o fim a que se destinam, limitando-se a um lacónico intróito do género, «Olhe, o jornal está a fazer um trabalho sobre …», surpreendendo depois o visado com a publicação do que ele foi debitando em contexto de uma despreocupada conversa informal. Esta prática (e já não falo do hábito de gravar as conversas, que, sendo muito corrente, pode ser alvo da incriminação prevista no art. 199.º do Código Penal) favorece um jornalismo sem escrúpulos e com atropelo de normas deontológicas, do mesmo passo que mina a boa-fé que deve reger as relações sociais.
Agora, é a questão do segredo de justiça. A Unidade De Missão Para A Reforma Penal (que raio de nome!) já anunciou as suas intenções nesta matéria. O crime de violação de segredo de justiça vai ser limitado a agentes com determinada qualidade: aqueles que estiverem vinculados com o segredo, por participarem no processo. Todas as outras pessoas ficam de fora, mas a alteração visa sobretudo os jornalistas. O crime de violação de segredo de justiça só poderá ser cometido por um «extraneus», quando este, tendo tomado conhecimento de qualquer acto ou elemento coberto por segredo de justiça, der dele conhecimento, de forma a prejudicar a investigação. E entende-se que há este prejuízo somente em três situações taxativas: quando haja divulgação antecipada de meio de prova ou de meio de aquisição de prova; mandado de detenção ou de medida de coacção ainda não executados; divulgação de testemunha sob protecção ou agente encoberto.
Ora, é evidente que um tal regime é especialmente benéfico para os jornalistas. Embora não vendo obstáculo à limitação do segredo (ao menos para os jornalistas), àqueles casos em que a divulgação (dolosa, como é evidente) de determinado facto constante do processo prejudique a investigação, o certo é que a limitação taxativa desses casos às três situações referidas está muito longe de esgotar as situações em que a divulgação de determinado acto ou diligência processuais pode prejudicara investigação. E com o beneplácito da lei, e ainda com uma concepção de liberdade de informação que tende a não reconhecer nenhuns limites, na acerada competição dos «media» contemporâneos, pode bem suceder que a informação relativa a actos processuais que se traz indevidamente para a praça pública seja incrementada e, com ela, os chamados julgamentos antecipados e paralelos.

 

Casos melindrosos

Ontem o Público fez uma lista circunstanciada de seis "casos melindrosos" que estão pendentes de investigação na PJ, envolvendo eventualmente governantes nacionais e locais.
Sobre a nova direcção (mas não só evidentemente) cai o ónus de não deixar arrastar indefinidamente os inquéritos e por maioria de razão de não deixar sobre eles cair o manto diáfano da prescrição.
O novo "modelo de gestão" e a "modernização administrativa" que se propõem não podem evidentemente funcionar como obstáculos para enfrentar este tipo de criminalidade, só podendo ter aceitação se constituírem, ao invés, um elemento catalisador da investigação. A nova direcção está certamente consciente destes problemas, de que está em jogo o nome da instituição, da justiça e os seus próprios nomes. E certamente não vai querer falhar.
Uma nota importante: a "confiança política" do MJ na direcção da PJ não é de conteúdo idêntico à da confiança num qualquer director-geral, pela simples razão de que o director nacional da PJ, tendo embora essa categoria, não é um director-geral da administração pública como os outros, pela também simples razão de que a PJ trabalha com uma "matéria" que não é de natureza administrativa. A relação MJ/PJ deverá ser mais de confiança institucional do que de confiança política, tal como esta é entendida, ou seja, como exigência de adesão e sintonia com o plano de acção governamental e concretamente ministerial. Na PJ, essa exigência não pode ultrapassar a esfera administrativa. Se invadir o plano da investigação (o trabalho material da PJ), cuja tutela é do MP, não do ministro, é evidente que está subvertida ou posta em risco a própria separação de poderes do Estado.

05 abril 2006

 

Responsabilidade política

Agora que se fala de nova lei orgânica da Polícia Judiciária, em nome da tão (de)cantada responsabilidade política será bom recordar que a actual data de 2000 do consulado de Costa, António no Ministério da Justiça.
E, já agora, repetir o que foi dito aqui a propósito de outra iniciativa legislativa oriunda do Ministério da Justiça:
A opção programática da Constituição em matéria de justiça penal tem uma implicação política ao estabelecer um complexo contexto operativo com diferentes órgãos constitucionais competentes e interdependentes o que gera exigências de escrutínio que, manifestamente, não têm sido satisfeitas. Défice de accountability, que, sublinhe-se, abrange não só o desempenho dos Tribunais, do Ministério Público e dos Conselhos Superiores (estes enquanto órgãos administrativos autónomos responsáveis pela gestão das magistraturas), mas também das instâncias de definição de política criminal, cuja legislação nunca tem sido sujeita a avaliação (nem autónoma, nem própria), e em particular do Governo (que além de participar na definição da política criminal, a executa através da política de segurança, órgão executivo responsável pela dotação de meios do judiciário e de quem dependem orgânica e disciplinarmente os órgãos de polícia criminal).

03 abril 2006

 

Polícias e Governo: o que anda no ar e algumas perguntas sem resposta...

A propósito dos ministeriais conflitos sobre tutelas e serviços da Polícia Judiciária, pelo menos no plano jurídico-político, penso que se podem suscitar algumas perguntas, para as quais apenas encontro o início de respostas (desde já agradeço a ajuda que me possa ser dada no seu esclarecimento, de preferência com alguma base empírica...)

A transição de competências da Polícia Judiciária (PJ) para PSP / GNR:

- compromete a lealdade e a dependência funcional relativamente às autoridades judiciárias? Será então a PJ a força que melhor respeita e reconhece a necessidade de subordinação funcional...

- gera problemas ao nível do sigilo? O respeito dos deveres de segredo será menor na PSP / GNR do que na PJ...

- corresponde a um reforço do controlo do executivo? Num quadro jurídico em que a subordinação hierárquica de PJ, PSP e GNR ao Governo não parecem ser no essencial distintas em termos jurídicos, será que na prática a PJ funciona de forma autónoma ou é simplesmente mais consciente da sua dependência funcional ao MP em matéria de investigação criminal do que a PSP e GNR, ou, ou...

- implica uma prevalência sistemática dos fins preventivos ou de segurança sobre os repressivos? determina uma politização da investigação criminal? Etc, etc, etc...

Gostaria de regressar a este tema até por que me parece que nesta matéria se jogam alguns aspectos fundamentais da organização do poder no Estado de direito.

E aqui não resisto a um confessado momento MRP recordando o que escrevi há quase 6 anos na Revista do Ministério Público nº 82:

«Goldschmidt sublinhava há mais de 60 anos que os princípios da política processual de uma nação não são outra coisa que segmentos da sua política estatal em geral. Podendo-se dizer que a estrutura do processo penal de uma nação é o termómetro dos elementos corporativos ou autoritários da sua Constituição. [...]

«A proposta de lei recentemente aprovada em Conselho de Ministros denominada de organização da investigação criminal confirma os limites compreensivos das teses historicistas podendo ser melhor analisada à luz da concepção de Karl Popper que nos explica por que razão na história nos vemos confrontados, muito mais do que nas ciências generalizadoras como a ciência do direito, com os problemas do seu «tema infinito» (pp. 137-138).

Estava-se então no consulado de Costa, António no Ministério da Justiça (depois da «passagem» de Costa, Alberto pela Administração Interna) altura em que esse ministro da Justiça parecia merecer o apoio das diversas hierarquias da PJ no seu empenho reformista quer quanto a essa lei dita de organização da investigação criminal quer quanto à alteração da Lei Orgânica da PJ, quer em vários outros momentos reveladores de uma certa cultura.

Pelo que não consigo deixar de olhar com alguma ironia os recentes desenvolvimentos e as perturbações geradas, especialmente entre aqueles (em particular polícias e magistrados) que então não queriam ouvir falar de eventual «policialização e politização do processo penal» (quando em leis ditas de polícias se terá tentado regular problemas de processo) e hoje parecem bem mais sensíveis à invocação de princípios do processo penal (quando na direcção política das polícias apenas se trata de forma directa das divisões de tarefas entre polícias)!


02 abril 2006

 

«Salvar o casamento»

O Pedro Vaz Patto generosamente enviou mais um artigo para o Sine Die (cujo título referi em epígrafe) que tenho o maior gosto em publicar, até por que me parece que pode renovar a discussão neste espaço sobre um tema que merece uma reflexão que vá além da espuma dos dias:

«Há quem diga que a redefinição do conceito jurídico do casamento, de modo a nele incluir uniões de pessoas do mesmo sexo, se impõe como exigência constitucional do princípio da igualdade, sobretudo depois de, no artigo 13º da Lei Fundamental, se ter introduzido a “orientação sexual” como exemplo de um dos fundamentos que pode dar origem a discriminações atentatórias desse princípio. Poderia, desse modo, uma modificação de tão largo alcance cultural resultar, como já sucedeu noutros países (no Canadá e na África do Sul), de uma decisão judicial, sem intervenção do poder legislativo, ou até contra o sentir maioritário da população.
Mas será assim?
Sempre se tem afirmado que o princípio da igualdade não veda (e pode até impor em algumas circunstâncias) tratamentos diferenciados: proíbe que se trate de forma desigual o que é objectivamente igual, mas não que se trate de forma desigual o que é objectivamente desigual. Se o tratamento diferenciado se funda em motivos objectivos, racionais e justos, e não subjectivos, arbitrários ou discriminatórios, não contraria o princípio da igualdade. Será discriminatório negar a uma pessoa com tendências homossexuais o acesso a um emprego ou a um benefício social quando tal não tem fundamento objectivo ou racional. Mas não poderá dizer-se que não tem fundamento objectivo ou racional a não equiparação das uniões homossexuais à união entre homem e mulher no âmbito dos regimes do casamento e da adopção. Trata-se de situações objectivamente desiguais que, precisamente na perspectiva da natureza e das finalidades destes institutos, justificam um tratamento diferenciado.
Não se trata, desde logo, de alargar ou restringir direitos, mas de definir conceitos. Trata-se de “chamar as coisas pelos seus nomes”. Não se trata de proibir ninguém de casar, mas de definir o que é o casamento. Como já se afirmou ironicamente a este respeito, quando se distingue entre uma “maçã” e uma “laranja” não se está a violar o princípio da igualdade entre os “frutos”.
Uma primeira verdade a salientar é a de que o casamento é uma instituição milenar que precede o Estado, não é uma criação deste, nem dos mais ou menos iluminados legisladores. O Estado limita-se a reconhecê-la. Que o Estado pretenda forjar tal instituição milenar só pode ser sinal de uma tentação totalitária de ideológica “engenharia social”.
Quando os nossos constituintes de 1976 reconheceram tal instituição tinham, sem margem para dúvidas, em mente a noção de casamento que tem atravessado os séculos e as culturas mais diversificadas. Se fosse possível a redefinição arbitrária de conceitos, nada seria seguro, qualquer afirmação constitucional poderia ser distorcida e todo o edifício constitucional poderia ser subvertido. Poder-se-ia negar o direito à vida, redefinindo o conceito de “vida”, ou a proibição da tortura, redefinindo a noção de “tortura”.
Dir-se-á que, neste aspecto, não se trata de uma redefinição arbitrária e que o elemento histórico da interpretação não é decisivo e pode ceder diante de uma interpretação actualista que corresponda a uma evidente evolução social e cultural. Seria assim se estivéssemos perante um consenso pacífico e indiscutível (não certamente uma questão “fracturante”), o que não é manifestamente o caso. Trata-se, antes, de aspirações de minorias vanguardistas com um poder de influência muito superior à sua real dimensão. A oposição à alteração legislativa espanhola deu origem a petições e manifestações com uma expressão numérica sem paralelo. Procura evitar-se a sujeição destas questões a referendo. Sempre que tal se verificou (nos Estados Unidos) a rejeição popular de alterações à definição do casamento foi clara. No primeiro ano de vigência da lei espanhola (quando seria de esperar um número particularmente elevado, por corresponder à legalização de situações que perduram desde há muito tempo), o número de “casamentos” entre pessoas do mesmo sexo pouco superou os trezentos, contra as anunciadas dezenas de milhar.
Não podemos falar, pois, de uma evolução semântica correspondente a uma espontânea e tranquila evolução cultural, mas antes de uma subversiva manipulação de linguagem, também ela de laivos totalitários (faz recordar a “novilíngua” do famoso romance de George Orwell 1984 ).
Tem-se dito, porém, que outras instituições milenárias (a família fundada na supremacia masculina, por exemplo) têm caducado com o progresso da civilização. Mas o casamento não pode ser equiparado a qualquer outra instituição sujeita a caducidade. Não é apenas um produto cultural, exprime uma realidade natural. Não é, pois, por acaso ou coincidência que tem persistido ao longo dos séculos e que é comum às culturas mais diversificadas.
Mesmo assim, há que verificar se tem um fundamento objectivo e racional o tratamento diferenciado do casamento como união entre homem e mulher e uma união entre pessoas do mesmo sexo.
O reconhecimento e a promoção do casamento e da família pelo Estado não tem a ver com o privilégio de uma opção de estilo de vida privada entre outras possíveis, mas com a função social dessas instituições. Também não se trata de discriminar um tipo de afectos em relação a outros («o Estado não tem de dizer quem ama quem» - ouve-se dizer). Há outro tipo de relações afectivas sem expressão sexual (entre irmãos ou amigos) que não têm reconhecimento social e jurídico específico porque se situam no âmbito da privacidade, onde deverão também situar-se as uniões entre pessoas do mesmo sexo.
E a função social do casamento e da família supõe a dualidade sexual.
O reconhecimento social e jurídico do casamento, e a protecção que daí decorre, ligam-se à função de fundamento da família como célula base da sociedade. É, desde logo, a família que assegura a perenidade e renovação da sociedade, gerando, a partir da união entre homem e mulher (haverá poucas verdades tão evidentes e objectivas como esta), novas vidas. Essa renovação passa pela geração biológica, mas também pela educação das crianças e dos jovens. A formação da pessoa exige o contributo insubstituível das dimensões masculina e feminina, que só em conjunto compõem a riqueza integral do humano.
Contra esta ideia, tem-se afirmado que o casamento não deixa de ter reconhecimento social quando os cônjuges não podem, ou não querem, ter filhos. É verdade. Podemos dizer que se trata da excepção que confirma a regra. O legislador, ao reconhecer e regular o casamento, tem em conta, como em muitos outros casos, aquilo que é a regra, não a excepção. Na generalidade dos casos, os cônjuges estão abertos à vida e se assim não fosse estaria comprometido o futuro da sociedade, facto que o Estado e o legislador certamente não ignoram.
De qualquer modo, mesmo nos casos de casais sem filhos o reconhecimento social do casamento desempenha uma função social que não pode ser desempenhada por uniões entre pessoas do mesmo sexo. Esse reconhecimento não diz primordialmente respeito à atribuição de um conjunto de direitos e deveres, mas ao quadro simbólico de referência da sociedade. Através desse reconhecimento, de algum modo se “presta homenagem” à riqueza da dualidade sexual na perspectiva social do bem comum. A sociedade estrutura-se a partir dessa dualidade, como salientou o político socialista francês Lionel Jospin quando afirmou a evidência de que a sociedade se divide entre homens e mulheres, não entre homossexuais e heterossexuais. Muito antes, já o tinha afirmado o Génesis («Deus os criou Homem e Mulher»), evidenciando não só uma intuição característica da cultura judaico-cristã onde nos integramos, mas uma realidade natural que também está presente nos relatos fundadores das culturas mais diversificadas. A diferença estrutural entre homem e mulher não é fruto do acaso (como se pudesse deixar de ser assim), mas corresponde a um desígnio natural que faz dessa diferença uma ocasião de enriquecimento recíproco, que apela à unidade e comunhão a partir da diversidade. É isto mesmo que exprime a instituição do casamento, que as diferenças entre homem e mulher não são uma ocasião de conflito, mas de colaboração e enriquecimento recíprocos. E é assim em todos os domínios da vida social, onde a dualidade sexual deve ser sempre encarada como uma riqueza, uma ocasião não de conflito, mas de colaboração. É esta “unidade na diversidade” que a instituição do casamento, pelo simples facto de existir, “proclama”.
Por outro lado, como salienta o psicanalista francês Tony Anatrella, «é a partir desta diferença fundamental que todas as outras se tornam possíveis, que o indivíduo acede ao sentido do outro e se socializa». É, pois, o próprio sentido da alteridade em geral que o casamento como modelo de referência nos ajuda a descobrir.
Tudo isto desaparece quando o conceito de casamento se esvazia e se torna um recipiente onde tudo cabe. Onde poderá também caber – como também já se defende – a poligamia, para ir de encontro a realidades que em sociedades multiculturais têm expressão numérica até superior à das uniões de pessoas do mesmo sexo, ou para satisfazer os direitos de pessoas de tendência bissexual, uma outra “orientação sexual” que não pode dar origem a discriminações. Quando se descaracteriza de forma tão grave uma instituição, não sabemos até onde nos levará a derrocada. E com isso desapareceria também a “homenagem” à dignidade da pessoa com um valor único e irrepetível que a instituição do casamento monogâmico sempre tem representado nas culturas de raiz cristã.
Perde sentido a afirmação política e jurídica de que o Estado reconhece e promove a família como célula da sociedade quando este conceito se esvazia. É isto que está em jogo e confere a máxima relevância à questão da definição jurídica do casamento.
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Pedro Vaz Patto

01 abril 2006

 

Costa contra Costa

O Plano de Coordenação e Cooperação entre Forças e Serviços de Segurança (em época de desburocratização não seria possível um nome mais curto?) não é meramente técnico, nem é uma luta entre Costas, o Costa António e o Costa Alberto (embora também o possa ser). É muito mais importante e preocupante. A regra da "territorialidade", em detrimento da competência material, na condução do combate a situações de "incidente inesperado", e a deslocação da informação criminal (Interpol, Europol) da PJ para o MAI constituem nada mais nada menos do que a subalternização da investigação criminal perante a perspectiva da segurança, ou seja, a administrativização do judiciário, pelo menos nas situações mais "sensíveis". É um assunto tão importante que deveria merecer a maior atenção pública. Mas está a passar despercebido, como se somente matéria técnica e politicamente neutra fosse.

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