27 outubro 2007

 

Reflexões sobre a escutaria

Ou de como pôr termo a essa cáfila de ociosos do antigo regime que anda para aí a escutar atrás das portas e através de sofisticados aparelhos.

Pelos vistos, há um excesso de escutas no nosso reino. E sabem porquê? Porque no nosso reino fala-se de mais. É só blá-blá-blá. Se as pessoas não dessem tanto à língua como dão, não havia para aí tanta escutaria. Quem tem a mania de escutar perderia o hábito de andar atrás das portas ou com o ouvido sempre enfiado em aparelhos sofisticados para captar conversas à distância, nomeadamente as feitas por telecomunicação. Ai estes nossos tempos tecnológicos!
Sim, se as pessoas trabalhassem mais e não falassem tanto e sobretudo se manifestassem menos, estas coisas não aconteceriam, ou seriam drasticamente reduzidas ao mínimo, quer dizer, ao essencial. Por isso, aprovo medidas do estilo das que toma a nova classe dos empreendedores, que querem a todo o custo evitar que os trabalhadores se juntem e, por isso proíbem esses contactos durante o serviço, porque já se sabe que onde há reunião, há falatório. Além disso querem que trabalhem mais, fazendo o trabalho de dois ou três trabalhadores, porque assim, trabalhando mais, falam menos, e evita-se essa escutaria que vai para aí.
Por conseguinte, calem-se as pessoas com trabalho, que essa será uma boa maneira de erradicar esta pecha de nos escutarmos uns aos outros, ou melhor: de uns escutarem outros. Acabe-se com esses ociosos das escutas Ah! E acabe-se com essa pouca vergonha de certos comerciantes sem escrúpulos fazerem uma publicidade descarada a esses novos aparelhos que permitem falar à distância. Chegam a incitar os cidadãos e sobretudo jovens em formação, a falarem com total desatino por meio desses aparelhómetros. Claro! Depois não querem que haja escutas. Ora, uma coisa incentiva a outra.



O Senhor Procurador-Geral da Coroa disse numa entrevista a uma gazeta que havia escutas a mais no nosso país e que até suspeitava de andar a ser escutado. Logo alguns dos nossos mais brilhantes analistas se puseram a dizer que aquilo que o Senhor Procurador-Geral queria dizer na sua mensagem era isto: denunciar vigorosamente o sistema, dando um valente murro na mesa, porque o sistema está de tal modo torto, que só uma entidade de tal craveira que desse um sopapo daqueles na mesa conseguiria chamar a atenção de todo o reino: “Acabem-se com marqueses e duques e com essa escutaria que para aí vai. Acabe-se com o feudalismo!” Só assim se conseguiria pôr ordem no reino. Finalmente! Ah brilhantes comentadores! Eles anunciam o novo mundo.


Toda a gente espera agora que na próxima terça-feira haja um grande reboliço no Parlamento, quando lá for o Senhor Procurador-Geral, mai-lo Senhor Ministro. Uma subversão que acabe com o feudalismo e a velha escutaria no nosso reino.

(Jonathan Swift 1665 – 1745)





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