20 julho 2011
"Isso é o que nós fazemos - saímos lá para fora e destruimos a vida dos outros" (um director do NoW)
Ora aí está: o escândalo das escutas (e também da extorsão, da corrupção activa, etc.) da imprensa da velha Albion só vem provar a bondade, como agora se diz, da velha Albion. Não podia ser de outra forma. Pelo menos lá e por ser lá, as "autoridades" fazem alguma coisa. Cá, mesmo não havendo o mínimo indício de acontecimentos com uma gravidade sequer próxima daqueles em curso na Inglaterra, ninguém fez nada. E, para sermos bons como os ingleses, urge fazer qualquer coisa, mesmo que não haja nada para fazer.
Os indefectíveis voltam, pois, à carga. Antes do escândalo era a original ideia de liberdade de imprensa à inglesa que era o modelo a copiar. Agora (?) que se percebe que essa ideia é um todo nada desajustada, fazendo da liberdade de imprensa uma liberdade voraz, capaz de canibalizar as demais liberdades, então o que é bom é o modo como os ingleses, em especial as suas "autoridades", reagem a esse problema da libertinagem criminosa. É sempre uma maravilha, de uma maneira ou ao contrário dela. O que os indefectíveis se recusam a questionar é sobre a causa, sobre a razão pela qual a podridão se apoderou há muito de certa imprensa e sobretudo de certa imprensa inglesa. E a causa é esta, embora custe um pouco a admiti-la: os peculiares tablóides britânicos escudam a sua pestilenta actuação por detrás de uma não menos peculiar noção de liberdade de imprensa sancionada pelos tribunais ingleses que, por sua vez, se incluem nas ditas "autoridades" que, agora, quando o cheiro a podere se torna insuportável, são chamadas a fazer "qualquer coisa" (em nome da sua alva bondade) acerca do monstrengo que, carinhosamente, ajudaram a criar e a manter. Portanto, um círculo vicioso e inextricável de hipocrisia.
Não é possível ter uma coisa e o seu contrário: um conceito de liberdade de imprensa em extremo elástico e uma imprensa que se mantenha dentro de fronteiras de elementar decência. Vincar qualquer desses polos implica desconsiderar em alguma medida o outro. O equilibrio não é fácil e é sempre precário. Até agora o que se fez na Inglaterra foi sacrificar a honra, a intimidade (sim, a intimidade, e não a "mera" privacidade) e até mais do que isso (o caso horroroso da menina assassinada) em nome de uma liberdade de imprensa defendida até ao paroxismo. O resultado está à vista: políticos e "autoridades" cativos de um jornal, uns e outros comprometedoramente arrastados por um turbilhão de práticas "jornalísticas" repelentes. (não por acaso um jornalista do NoW citado hoje no Público exprimiu-se assim: "mal dizíamos de onde falava, «ouvíamos» tremer do outro lado do telefone".