16 outubro 2017
Outra vez a ronda dos incêndios
Não
adianta pegar no fogo para incendiar este governo. Se faltam
fundamentos para uma oposição consistente, não são os fogos deste
Verão que desborda da quadra própria, tendo começado na Primavera
e prolongando-se pelo Outono, que os vão fornecer a quem anseia por
exibir a voz grossa da indignação. Culpados são todos os governos
que nos têm governado e não só eles, mas os responsáveis aos
vários níveis da administração, os proprietários de terrenos que
os descuram, os interessados em que o fogo lavre, os cidadãos que
negligenciam comportamentos perigosos, enfim, os incendiários
dolosos, porque os há e cada vez se suspeita mais da sua acção
criminosa, em atenção a um conjunto de indícios que parece apontar
para isso.
O
malogrado escritor Paulo Varela Gomes chamou-lhes “os incêndios do
regime” num livro de crónicas fascinante intitulado Ouro E
Cinza (Tinta da China,
2016). Escreveu ele:
«O
território português que está a arder – que arde há vários
anos – não é um território abstracto, caído do céu aos
trambolhões: é o território criado pelo regime democrático
instalado em Portugal desde as eleições de 1976 ( a Terceira
República portuguesa). Está a arder por causa daquilo que o regime
fez, por culpa dos responsávies do regime e dos eleitores que
votaram neles.
«Ardem,
em Portugal, dois tipos de território: em primeiro lugar, a floresta
de madeireiros, as grandes manchas arborizadas a pinheiro e
eucalipto. A floresta arde, porque as temperaturas não param de
subir e porque, como toda a gente sabe, está suja e mal ordenada.
(…)
«O
segundo tipo de território que está a arder, em particular neste
ano de 2005, é o território das matas periurbanas, características
dos distritos mais feios e mais destruídos do país: os do litoral
centro e norte.
«(…)
é o território das casas espalhadas por todas as encostas e vales,
uma aqui, outra acolá, encostadas umas às outras sem espaço para
passar um autotanque, separadas por caminhos serpenteantes que
ficaram em parte por alcatroar, é o território das oficinas no meio
dos matos de restolho sujo de óleo, montanhas de papel amarelecido
ao sol, garrafas de plástico rebentadas. É o território dos
armazéns mais ou menos ilegais, cheios de materiais de obra, roupas,
mobiliário, coisas de pirotecnia, encostados a casas ou escondidos
em eucaliptais, o território dos parques de sucata entre pinheiros
(…), de lixeiras clandestinas.
«Este
rerritório foi criado, inteiramente criado, pela Terceira República.
Nasceu da conjugação entre um meio-enriquecimento das pessoas, que,
trinta anos depois do 25 de Abril, não chega para lhes permitir uma
verdadeira mudança de vida, e o colapso da autoridade do estado
central e local, este regime de desrespeito completo pela lei, que
começa nos ministros e acaba no último dos cidadãos» …
Doze
anos depois, o panorama, se não é o mesmo, é porque se agravou,
comendo pessoas, animais e casas. Um panorama sério e trágico, pelo
qual a responsabilidade começa nos ministros e acaba no último dos
cidadãos.
Que
os que pretendem fazer processos de intenções, sobretudo os
politiqueiros do costume, comecem por levar a mão ao peito e dizer:
mea culpa.