16 novembro 2005

 

O regresso do feudalismo

Na orquestrada e bem afinada campanha contra os “privilegiados” do regime (ou seja, os funcionários públicos em geral e os “corpos especiais” em especial, ou não fossem eles especiais) que nos últimos meses tem campeado pela comunicação social, avulta o conceito de “feudalismo de Estado” desenvolvido por Vital Moreira para caracterizar a existência dos tais corpos especiais, magistrados, militares e professores, por exemplo.
Considera ele “pré-moderna” uma organização do Estrado onde certos corpos detêm estatutos profissionais específicos. O desaparecimento dos estatutos específicos e o “nivelamento” de tratamento jurídico de todos os funcionários seria assim uma “obra de equidade social”, de que o actual Governo já é credor.
Tão confrangedoramente frágil é esta argumentação que se estranha sinceramente que seja produzida pelo seu autor e só se compreenderá em tempos de “fervor socrático”, que pode não durar e oxalá não dure, porque perturba o discernimento.
Certamente que Vital Moreira não proporá o igualitarismo absoluto, o que seria a mais absoluta das demagogias (mas estamos em tempo delas…). O que ele quer é acabar com os “privilégios”. Mas o que são “privilégios”?
Privilégio haverá sempre que é atribuído um direito ou uma contrapartida que não é devida, que é excessiva relativamente aos deveres e às funções, riscos e responsabilidades do contemplado.
Ora, é precisamente essa ponderação que é preciso fazer.
Os casos dos militares e dos magistrados são paradigmáticos. Os desvios dos seus estatutos, no que toca a deveres, responsabilidades e restrições de direitos, são intensos, como se sabe e se julga que não é preciso enumerar, de modo que as contrapartidas têm de ser compensadoras (até para garantir um recrutamento por cima). Será isto difícil de compreender?
Aliás, desde os alvores do liberalismo, houve a consciência nítida de que um estatuto remuneratório justo dos juízes era condição indispensável e integrante da independência dos tribunais.
A diferenciação de estatutos não é feudalismo. À complexidade das situações responde-se com pluralidade de soluções e de respostas. Isso não é um feudalismo pré-moderno, mas sim uma lógica estritamente moderna ou aliás pós-moderna (para quem preferir).





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