16 fevereiro 2006
Adultério necessário
Quatro reputados constitucionalistas foram ouvidos pelo Público sobre a eventual inconstitucionalidade do art. 1577º do CC, que só admite o casamento entre pessoas de sexo diferente. Já aqui tomei posição sobre o tema e agora só me interessa comentar as opiniões subscritas pelos ditos professores.
Não espanta a posição de Jorge Miranda, contrária à admissão do casamento homossexual, coerente com a sua mundividência, expressa também na sua oposição à despenalização da IVG. Já aqui expliquei que é abusiva a ligação entre filiação e casamento, abusiva e tributária de uma concepção muito conservadora do mundo nesse aspecto, claramente desfasada do nosso tempo.
O que verdadeiramente me supreendeu foram as opiniões de Vital Moreira, quase coincidentes com as de Paulo Rangel. Ambos defenderam que o art. 1577º não é inconstitucional e fazem-no com base numa interpretação de tipo subjectivista (o legislador constitucional não estava a pensar no casamento homossexual quando fala em casamento!), completamente desadequada em matéria de direito constitucional, como acentuou Pedro Bacelar («temos de interpretar a Constituição aos olhos do mundo de hoje e não à luz do que o legislador pensou no passado»).
Inaceitável é também a posição de Paulo Rangel quando admite que poderia haver, quando muito, uma inconstitucionalidade por omissão (não prever a lei o casamento homossexual). Mas a inconstitucionalidade do art. 1577º não é por omissão: é por acção, por apenas admitir o casamento entre pessoas de sexo diferente; é na exclusão do casamento entre pessoas do mesmo sexo que reside a discriminação. Essa exclusão poderá ser remediada pelo legislador ordinário com legislação paralela para as pessoas do mesmo sexo. Mas, se ou enquanto tal não suceder, a norma vigente estabelece de facto uma discriminação em razão da orientação sexual e daí a sua inconstitucionalidade.
Ora, é isso precisamente que Vital Moreira e Paulo Rangel negam em uníssono, com o argumento brilhante de que «os homossexuais podem casar-se, desde que com pessoas de sexo diferente». Uma nota excepcional de humor negro, digna da antologia de André Breton! Efectivamente os homossexuais não estão impedidos de casar-se com pessoas de sexo diferente. Só que, caso o façam, das duas uma: ou renunciam à sua orientação sexual, o que parece não ser legalmente exigível (embora muita gente gostasse que sim) ou cometem necessariamente adultério quando quiserem praticar relações sexuais. Quid juris?
Não espanta a posição de Jorge Miranda, contrária à admissão do casamento homossexual, coerente com a sua mundividência, expressa também na sua oposição à despenalização da IVG. Já aqui expliquei que é abusiva a ligação entre filiação e casamento, abusiva e tributária de uma concepção muito conservadora do mundo nesse aspecto, claramente desfasada do nosso tempo.
O que verdadeiramente me supreendeu foram as opiniões de Vital Moreira, quase coincidentes com as de Paulo Rangel. Ambos defenderam que o art. 1577º não é inconstitucional e fazem-no com base numa interpretação de tipo subjectivista (o legislador constitucional não estava a pensar no casamento homossexual quando fala em casamento!), completamente desadequada em matéria de direito constitucional, como acentuou Pedro Bacelar («temos de interpretar a Constituição aos olhos do mundo de hoje e não à luz do que o legislador pensou no passado»).
Inaceitável é também a posição de Paulo Rangel quando admite que poderia haver, quando muito, uma inconstitucionalidade por omissão (não prever a lei o casamento homossexual). Mas a inconstitucionalidade do art. 1577º não é por omissão: é por acção, por apenas admitir o casamento entre pessoas de sexo diferente; é na exclusão do casamento entre pessoas do mesmo sexo que reside a discriminação. Essa exclusão poderá ser remediada pelo legislador ordinário com legislação paralela para as pessoas do mesmo sexo. Mas, se ou enquanto tal não suceder, a norma vigente estabelece de facto uma discriminação em razão da orientação sexual e daí a sua inconstitucionalidade.
Ora, é isso precisamente que Vital Moreira e Paulo Rangel negam em uníssono, com o argumento brilhante de que «os homossexuais podem casar-se, desde que com pessoas de sexo diferente». Uma nota excepcional de humor negro, digna da antologia de André Breton! Efectivamente os homossexuais não estão impedidos de casar-se com pessoas de sexo diferente. Só que, caso o façam, das duas uma: ou renunciam à sua orientação sexual, o que parece não ser legalmente exigível (embora muita gente gostasse que sim) ou cometem necessariamente adultério quando quiserem praticar relações sexuais. Quid juris?