18 fevereiro 2006
Georgette e a antropóloga
Achei curioso que, depois de ter dado à estampa uma carta de uma tal Georgette tecendo considerações sobre a prostituição e a sua vida profissional como prostituta, a revista «Visão» do passado dia 22 de Fevereiro, tivesse publicado uma entrevista da antropóloga Ana Lopes, que concluiu a sua tese de doutoramento na University College of London e criou um sindicato internacional de profissionais do sexo, na qual há alguma coincidência entre os pontos de vista expressos naquela carta e os daquela antropóloga, contribuindo para desmanchar algumas ideias feitas sobre o assunto. Uma tal coincidência, salvo em pequenos aspectos de pormenor, prova uma «sensibilidade» comum ao problema entre a Georgette e a antropóloga, que, declarando-se feminista, rejeita todavia as teses das «chamadas feministas abolicionistas, que têm tendência moralista para achar que a prostituição não é um trabalho, mas um problema social», como afirma. Conhecer-se-ão ambas?
Eis alguns passos da entrevista:
«P - O objectivo do Sindicato é a legalização ou é descriminalização de toda a actividade?
R - A descriminalização. A ideia é que o trabalhador do sexo não é diferente de qualquer outro. Tudo o que é problemático já é previsto e punido por lei: o tráfico, o rapto, a violação, a violência, o sexo com menores. Tudo isto já está na lei geral. Não é preciso criar um corpo de lei especial para esta indústria. As leis especiais só fazem com que a indústria seja ainda mais estigmatizada e as pessoas mais discriminadas. O problema é que os direitos destes trabalhadores não estão assegurados e as suas condições de trabalho não são fiscalizadas.
(…)
P - Não será legítimo considerar a descriminalização um incentivo?
R - A indústria do sexo está no seu melhor. Está sempre em expansão, por muito profunda que seja a crise. É uma questão de imaginação e esse é o limite. As pessoas vão sempre inventando novas formas de agir. Seria verdade se, pela opressão ou pela repressão legal, a indústria não crescesse tanto. Mas quanto mais escondida e ilegal, mais ela cresce.
(…)
P - Já existem prostitutas licenciadas?
R - Muitas. Tenho colegas no sindicato que completaram cursos, mestrados e até doutoramentos. Há um grupo que começou a pensar: toda a gente quer estudar a prostituição e a indústria do sexo em geral, mas quem sabe mais disto, afinal, somos nós, temos de começar a fazer a nossa própria investigação.
P - E essas estão na profissão porquê?
R - Há o preconceito de que só se vai para a prostituição quando se não tem nada. Essas provam que isso não é verdade. São pessoas com muitas outras opções, mas escolhem estar nesta indústria. Porque é rentável, porque é flexível, porque podem ser independentes
P - Por gosto?
R - Sim, quer dizer, por gosto, na medida em que qualquer trabalho pode dar gosto.
P - Isso ofende as puritanas?
R - Penso que sim. O sexo não é nada do outro mundo, não é nada de sujo, não é nada de criminoso, portanto, qual é o problema? Na minha sociedade ideal, as pessoas não teriam de fazer nada por dinheiro. Mas, na sociedade capitalista, temos de trabalhar e de vender alguma parte do nosso corpo, quer nos dediquemos ao trabalho manual quer ao intelectual.
P - Não acha que há uma diferença de ordem moral entre vender o corpo e a força de trabalho?
R - Não. Não acho. Mas há uma grande diferença entre vender o corpo e vender armas… Aliás, não gosto nada da expressão «vender o corpo». Porque a pessoa, depois de uma transacção sexual, continua a ser dona do seu corpo. Vende um serviço, como quem vende a voz … Há imensas pessoas que vendem o corpo: actores, modelos … São tão bem vistos, têm um estatuto tão alto na sociedade e não fazem mais que vender o corpo.
P - A prostituição ainda é só uma profissão de mulheres?
R - Não, principalmente no Reino Unido, onde o número de homens e de «transgeners» é enorme. Não se pode já falar de uma indústria de mulheres.
P - Existem prostitutos de rua?
R - Já houve mais. Com a Internet, os telemóveis e a liberalização dos «media gay», que favoreceu a publicitação dos seus serviços, o número dos que trabalhavam na rua diminuiu.
P - E já há mulheres à procura de sexo?
R - Cada vez mais. Continuam a não ser tantas como os homens, porque existe também um estigma. Quando as mulheres podem aceder anonimamente a serviços sexuais ou através da Internet, essa procura existe. Mas quando isso implica fazer a coisa num local público… A alternativa é o turismo sexual: a mulher vai para um país que não conhece e aí sente-se à vontade. Não há nada de diferente na natureza masculina ou feminina em relação ao sexo. O que existe é preconceito de séculos, segundo o qual a mulher não é uma pessoa independente, que possa procurar o seu prazer sexual e que paga para o desfrutar.»
Eis alguns passos da entrevista:
«P - O objectivo do Sindicato é a legalização ou é descriminalização de toda a actividade?
R - A descriminalização. A ideia é que o trabalhador do sexo não é diferente de qualquer outro. Tudo o que é problemático já é previsto e punido por lei: o tráfico, o rapto, a violação, a violência, o sexo com menores. Tudo isto já está na lei geral. Não é preciso criar um corpo de lei especial para esta indústria. As leis especiais só fazem com que a indústria seja ainda mais estigmatizada e as pessoas mais discriminadas. O problema é que os direitos destes trabalhadores não estão assegurados e as suas condições de trabalho não são fiscalizadas.
(…)
P - Não será legítimo considerar a descriminalização um incentivo?
R - A indústria do sexo está no seu melhor. Está sempre em expansão, por muito profunda que seja a crise. É uma questão de imaginação e esse é o limite. As pessoas vão sempre inventando novas formas de agir. Seria verdade se, pela opressão ou pela repressão legal, a indústria não crescesse tanto. Mas quanto mais escondida e ilegal, mais ela cresce.
(…)
P - Já existem prostitutas licenciadas?
R - Muitas. Tenho colegas no sindicato que completaram cursos, mestrados e até doutoramentos. Há um grupo que começou a pensar: toda a gente quer estudar a prostituição e a indústria do sexo em geral, mas quem sabe mais disto, afinal, somos nós, temos de começar a fazer a nossa própria investigação.
P - E essas estão na profissão porquê?
R - Há o preconceito de que só se vai para a prostituição quando se não tem nada. Essas provam que isso não é verdade. São pessoas com muitas outras opções, mas escolhem estar nesta indústria. Porque é rentável, porque é flexível, porque podem ser independentes
P - Por gosto?
R - Sim, quer dizer, por gosto, na medida em que qualquer trabalho pode dar gosto.
P - Isso ofende as puritanas?
R - Penso que sim. O sexo não é nada do outro mundo, não é nada de sujo, não é nada de criminoso, portanto, qual é o problema? Na minha sociedade ideal, as pessoas não teriam de fazer nada por dinheiro. Mas, na sociedade capitalista, temos de trabalhar e de vender alguma parte do nosso corpo, quer nos dediquemos ao trabalho manual quer ao intelectual.
P - Não acha que há uma diferença de ordem moral entre vender o corpo e a força de trabalho?
R - Não. Não acho. Mas há uma grande diferença entre vender o corpo e vender armas… Aliás, não gosto nada da expressão «vender o corpo». Porque a pessoa, depois de uma transacção sexual, continua a ser dona do seu corpo. Vende um serviço, como quem vende a voz … Há imensas pessoas que vendem o corpo: actores, modelos … São tão bem vistos, têm um estatuto tão alto na sociedade e não fazem mais que vender o corpo.
P - A prostituição ainda é só uma profissão de mulheres?
R - Não, principalmente no Reino Unido, onde o número de homens e de «transgeners» é enorme. Não se pode já falar de uma indústria de mulheres.
P - Existem prostitutos de rua?
R - Já houve mais. Com a Internet, os telemóveis e a liberalização dos «media gay», que favoreceu a publicitação dos seus serviços, o número dos que trabalhavam na rua diminuiu.
P - E já há mulheres à procura de sexo?
R - Cada vez mais. Continuam a não ser tantas como os homens, porque existe também um estigma. Quando as mulheres podem aceder anonimamente a serviços sexuais ou através da Internet, essa procura existe. Mas quando isso implica fazer a coisa num local público… A alternativa é o turismo sexual: a mulher vai para um país que não conhece e aí sente-se à vontade. Não há nada de diferente na natureza masculina ou feminina em relação ao sexo. O que existe é preconceito de séculos, segundo o qual a mulher não é uma pessoa independente, que possa procurar o seu prazer sexual e que paga para o desfrutar.»