11 junho 2006
Camões e o seu dia
Para além do Camões escritor, existe a figura mítica, espécie de emblema nacional, sucessivamente aproveitado por emblemas particulares, geralmente de signo conservador, como foi o caso do Estado Novo. A democracia tentou "democratizar" Camões, mas a verdade é que ele é hoje sobretudo uma referência nostálgico-nacionalista, principalmente para as "comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo".
Triste destino, dir-se-á. Mas Camões merecia melhor? Camões é um homem do Renascimento, do Renascimento tardio, com vastíssima cultura e não menor experiência do mundo e da vida. Da conjugação destes elementos, excepcionais no seu tempo (qual foi o intelectual do seu século que pôde viajar como ele e contactar com tantas e tão diversas culturas?), poderia esperar-se uma visão do mundo universalista e humanista, até tendencialmente racionalista. Mas não. A sua mundividência é estreitamente nacionalista, saudosista, belicista e mística (quase "beata", às vezes). Os Lusíadas não são a epopeia do homem renascentista, mas sim a exaltação de um aventura guerreira, cuja vanguarda é atribuída ao povo português pelos desígnios divinos, à maneira medieval. A exortação camoniana é à guerra à "moirama" para triunfo do "império cristão", triunfo do bem sobre o mal. Esta exortação à guerra de civilizações (mudam-se os tempos, mantêm-se as vontades!) revela a incapacidade de Camões de ultrapassar uma visão medieval, de ser coerente com a sua cultura renascentista.
Enquanto Montaigne, pela mesma época, encaminhava as suas reflexões sobre as experiências e "desilusões" do mundo para uma visão crítica, humanista e cosmopolita, Camões mergulhava num desespero místico-nacionalista ("sebastianista" com D. Sebastião vivo!). Dois padrões opostos de reacção aos "desconcertos do mundo", que haviam de marcar indelevelmente as culturas e os destinos dos dois países. Camões, ao contrário de Montaigne, tem um "dia". Mas Montaigne pertence à genealogia da liberdade e da "emancipação" (para utilizar vocabulário "pós- moderno"). Camões está no campo oposto. Para nosso mal.
Triste destino, dir-se-á. Mas Camões merecia melhor? Camões é um homem do Renascimento, do Renascimento tardio, com vastíssima cultura e não menor experiência do mundo e da vida. Da conjugação destes elementos, excepcionais no seu tempo (qual foi o intelectual do seu século que pôde viajar como ele e contactar com tantas e tão diversas culturas?), poderia esperar-se uma visão do mundo universalista e humanista, até tendencialmente racionalista. Mas não. A sua mundividência é estreitamente nacionalista, saudosista, belicista e mística (quase "beata", às vezes). Os Lusíadas não são a epopeia do homem renascentista, mas sim a exaltação de um aventura guerreira, cuja vanguarda é atribuída ao povo português pelos desígnios divinos, à maneira medieval. A exortação camoniana é à guerra à "moirama" para triunfo do "império cristão", triunfo do bem sobre o mal. Esta exortação à guerra de civilizações (mudam-se os tempos, mantêm-se as vontades!) revela a incapacidade de Camões de ultrapassar uma visão medieval, de ser coerente com a sua cultura renascentista.
Enquanto Montaigne, pela mesma época, encaminhava as suas reflexões sobre as experiências e "desilusões" do mundo para uma visão crítica, humanista e cosmopolita, Camões mergulhava num desespero místico-nacionalista ("sebastianista" com D. Sebastião vivo!). Dois padrões opostos de reacção aos "desconcertos do mundo", que haviam de marcar indelevelmente as culturas e os destinos dos dois países. Camões, ao contrário de Montaigne, tem um "dia". Mas Montaigne pertence à genealogia da liberdade e da "emancipação" (para utilizar vocabulário "pós- moderno"). Camões está no campo oposto. Para nosso mal.