10 junho 2006
A estratégia do confronto
Vejam-se as reacções dos professores a propósito da intenção do Governo de instituir a sua avaliação pelos pais dos alunos. Para além de francamente mal recebida pelos próprios e pelos respectivos sindicatos, abateu-se sobre essa classe profissional como que uma onda de indignação, de desalento e de sentimento de perseguição. O Governo, segundo muitas dessa reacções a que vamos assistindo pelos órgãos de comunicação social, estaria a fazer dos professores bodes expiatórios e a fazer recair sobre eles o odioso de todas as ineficiências do sistema de ensino. Ao mesmo tempo, tem-se dado uma imagem apocalíptica das escolas em que invariavelmente os alunos protagonizam cenas de indisciplina, de rebaldaria e mesmo de barbárie, porque muitos desses alunos são oriundos de meios onde predomina a violência e a falta de rudimentares princípios de educação, o que se reflectiria no quotidiano escolar com a subversão selvagem da disciplina.
Mesmo Prado Coelho, sempre tão encomiástico em relação ao actual Governo, tem alinhado nesse coro de protestos à ministra da Educação e contribuído para pintar essa imagem catastrófica das escolas, em que alunos insubordinados infernizam a vida dos professores, transformados em vítimas impotentes, profissionais frustrados, incompreendidos, sem autoridade, que se arruínam, degradam e deprimem, acabando, na melhor das hipóteses, no psiquiatra. E não só Prado Coelho, mas também Fátima Bonifácio, normalmente muito expedita a criticar outros profissionais que resistem à política de ataque aos «privilégios», e ainda outros intelectuais, que têm em comum o serem professores. Ás vezes dá a sensação que pouco faltará para se começar a defender, como já sucede noutras paragens, o regresso ao autoritarismo, aos açoites paternais e às «palmadas no rabo», tão violenta e mediaticamente criticadas há dias a propósito de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Como a realidade é fluida e mutante nos dias que correm!
Neste contexto, destaca-se o artigo do militante do BE, João Teixeira Lopes, publicado no «Público» de 8 do corrente, em que, apesar de causticar a diabolização «de forma constante e provocatória ⌠de⌡uma classe profissional que tem de ser envolvida e não afastada dos processos de mudança», traça um panorama sociológico das instituições escolares que fundamentalmente reproduz as diferenças das classes sociais, incluindo uns e excluindo outros, lembrando que, se existe uma realidade «que massacra (…) centenas de professores», também a escola exerce violência sobre muitos alunos, os mais desfavorecidos, «abandonando-os e humilhando-os, tantas vezes, no pretexto do estereótipo da ignorância, da estupidez, ou do “tu não nasceste para isto”».
Ora, não pretendendo alongar-me mais, retiro para já estas conclusões: a) – O Governo tem atacado várias corporações profissionais, a pretexto de ataque aos privilégios e ineficiência dos serviços, que realmente existe em muitos casos; tem-no feito de forma demagógica, quer tomando medidas que primam sobretudo pela espectacularidade e por um populismo de óbvias intenções, quer pondo em causa ou permitindo que se ponha em causa a honorabilidade desta ou daquela classe profissional no seu conjunto (hoje, os magistrados; amanhã, os funcionários públicos de uma forma geral; mais adiante, os professores, e por aí fora); b) – Cada classe profissional atacada reage invariavelmente como se fosse o principal alvo eleito de medidas persecutórias, dramatizando as condições em que trabalha, mas com frequência muitos dos «humilhados e ofendidos» de hoje, que com toda a razão se encolerizam por se verem identificados com a inoperância do sistema, que os ultrapassa e pela qual é injusto que sejam responsabilizados, pelo menos globalmente, gozaram o espectáculo da humilhação dos outros e até «ajudaram à missa», como se costuma dizer, sem curarem de saber das razões que lhes assistem e sem perceberem o método maquiavélico que está em jogo; c) – Esse método consiste em atacar cirurgicamente este e aquele grupo ou corporação profissionais para criar a divisão, segundo o princípio de que se deve dividir para reinar, ao mesmo tempo que se procura atrair a simpatia popular por meio de medidas que caem no goto do povinho, mas que, muitas vezes, ofendem perigosamente a auto-estima dos profissionais de certo ramo, levando-os a perder as estribeiras e a lucidez para analisarem friamente as situações.
Mesmo Prado Coelho, sempre tão encomiástico em relação ao actual Governo, tem alinhado nesse coro de protestos à ministra da Educação e contribuído para pintar essa imagem catastrófica das escolas, em que alunos insubordinados infernizam a vida dos professores, transformados em vítimas impotentes, profissionais frustrados, incompreendidos, sem autoridade, que se arruínam, degradam e deprimem, acabando, na melhor das hipóteses, no psiquiatra. E não só Prado Coelho, mas também Fátima Bonifácio, normalmente muito expedita a criticar outros profissionais que resistem à política de ataque aos «privilégios», e ainda outros intelectuais, que têm em comum o serem professores. Ás vezes dá a sensação que pouco faltará para se começar a defender, como já sucede noutras paragens, o regresso ao autoritarismo, aos açoites paternais e às «palmadas no rabo», tão violenta e mediaticamente criticadas há dias a propósito de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Como a realidade é fluida e mutante nos dias que correm!
Neste contexto, destaca-se o artigo do militante do BE, João Teixeira Lopes, publicado no «Público» de 8 do corrente, em que, apesar de causticar a diabolização «de forma constante e provocatória ⌠de⌡uma classe profissional que tem de ser envolvida e não afastada dos processos de mudança», traça um panorama sociológico das instituições escolares que fundamentalmente reproduz as diferenças das classes sociais, incluindo uns e excluindo outros, lembrando que, se existe uma realidade «que massacra (…) centenas de professores», também a escola exerce violência sobre muitos alunos, os mais desfavorecidos, «abandonando-os e humilhando-os, tantas vezes, no pretexto do estereótipo da ignorância, da estupidez, ou do “tu não nasceste para isto”».
Ora, não pretendendo alongar-me mais, retiro para já estas conclusões: a) – O Governo tem atacado várias corporações profissionais, a pretexto de ataque aos privilégios e ineficiência dos serviços, que realmente existe em muitos casos; tem-no feito de forma demagógica, quer tomando medidas que primam sobretudo pela espectacularidade e por um populismo de óbvias intenções, quer pondo em causa ou permitindo que se ponha em causa a honorabilidade desta ou daquela classe profissional no seu conjunto (hoje, os magistrados; amanhã, os funcionários públicos de uma forma geral; mais adiante, os professores, e por aí fora); b) – Cada classe profissional atacada reage invariavelmente como se fosse o principal alvo eleito de medidas persecutórias, dramatizando as condições em que trabalha, mas com frequência muitos dos «humilhados e ofendidos» de hoje, que com toda a razão se encolerizam por se verem identificados com a inoperância do sistema, que os ultrapassa e pela qual é injusto que sejam responsabilizados, pelo menos globalmente, gozaram o espectáculo da humilhação dos outros e até «ajudaram à missa», como se costuma dizer, sem curarem de saber das razões que lhes assistem e sem perceberem o método maquiavélico que está em jogo; c) – Esse método consiste em atacar cirurgicamente este e aquele grupo ou corporação profissionais para criar a divisão, segundo o princípio de que se deve dividir para reinar, ao mesmo tempo que se procura atrair a simpatia popular por meio de medidas que caem no goto do povinho, mas que, muitas vezes, ofendem perigosamente a auto-estima dos profissionais de certo ramo, levando-os a perder as estribeiras e a lucidez para analisarem friamente as situações.