07 novembro 2006
EUA: nação perigosa
Os EUA consolidaram a sua hegemonia no mundo pós-soviético não só pela pujança da sua economia nos anos 90, não só pela difusão planetária da sua "cultura popular", não só pela sempre presente ameaça da sua supremacia militar, ameaça periodicamente posta em acção (Iraque, duas vezes, Bósnia, Sérvia, Afeganistão, etc.), como também pelo recurso a um elemento ideológico que constitui o elemento agregador dos restantes e o núcleo central da legitimação da hegemonia: a "grande narrativa" do papel messiânico dos EUA desde a independência até hoje.
Vem isto a propósito da passagem por Lisboa de um dos mais destacados "narradores" actuais, Robert Kagan, autor de um livro intitulado justamente "Dangerous nation". "Dangerous" porque, explicou ele ao Público, os EUA têm uma longa tradição de "projectar" o seu poder militar contra os diversos tipos de conservadorismo. Os EUA são, afirmou sem hesitações, "um poder revolucionário".
Esta crença arreigada no papel messiânico dos EUA, encarados como encarnação do Espírito universal, é convictamente assumida pelos "crentes", não tenho dúvidas. Mas essa crença não resiste a uma análise ainda que muito superficial da história dos EUA. Estes sempre assumiram, desde o início da sua expansão, um forte apetite colonizador e imperial, primeiro no seu "quintal" americano, depois, pelo mundo fora. Quer na América Latina, quer no mundo em geral, nunca os EUA promoveram a democracia e a liberdade, antes se assumiram sempre como aliados e promotores das ditaduras, o que se tornou particularmente evidente durante a "guerra fria" (os casos mais marcantes serão possivelmente os dos golpes sangrentos promovidos pelos americanos na Indonésia em 1965 e no Chile em 1973). Com o fim desta, as coisas não mudaram muito. A "promoção da liberdade" e dos "direitos humanos" são chavões utilizados para combater regimes nacionalistas ou renitentes à abertura aos interesses americanos. Onde os regimes são "amigos", e ainda que sejam notórias ditaduras (casos, por exemplo e entre dezenas de exemplos, do Gabão e da Guiné Equatorial), os EUA "fecham os olhos" e fazem bons negócios. A "intervenção humanitária" dos tempos de Clinton foi uma piedosa mentira para esfrangalhar a Jugoslávia. A difusão da democracia no Médio Oriente, de que agora Bush fala, daria vontade de rir, se não fosse à custa de centenas de milhares de mortos.
O paradigma da intervenção americana é possivelmente as bombas de Hiroxima e Nagasaki. A desproporcionalidade dos meios militares utilizados, a indiferença perante o sofrimento e o património alheios, a indiferença perante os civis "inimigos", o racismo (praticado internamente até aos anos 60), o recurso à tortura, directamente ou em "outsourcing", etc. são as marcas do "poder revolucionário" americano ao longo de 200 anos. Nação perigosa, efectivamente!
Mas porventura, em certo sentido, tem pertinência falar de "poder revolucionário" dos EUA, enquanto titulares do archote do capitalismo. Marx e Engels descreveram impressivamente, no 1º capítulo do Manifesto Comunista, a "revolução" que o capitalismo introduziu na economia e em toda a sociedade e nas adaptações políticas e institucionais que provocou para se adequarem à nova realidade. É certamente essa "revolução" que neoliberais, neocons e toda a restante família americana e afim quer ver expandida pelo mundo fora, pondo fim aos entraves ao mercado, às leis sacrossantas do mercado. Por isso, os EUA insistem tanto nos "direitos humanos". Falam sinceramente, mais uma vez. Mas os "direitos humanos" de que falam é dos direitos civis, apenas, isto é, dos direitos instrumentais de um bom funcionamento do mercado.
E falando do mercado, há que acrescentar o seguinte: os EUA são obviamente a favor do mercado, são os seus maiores promotores. Mas atenção: desde que eles controlem esse mercado, desde que eles imponham as regras de funcionamento. Porque, quando não lhes agradam essas regras, eles violam-nas descaradamente. É o que já tem acontecido em várias guerras comerciais com a própria União Europeia.
Mercado, sim, mas tutelado por uma gigantesca máquina de guerra para impor o respeito aos inimigos. E também aos amigos (amigos, amigos...).
Mas essa máquina está a emperrar, esse o drama..
Vem isto a propósito da passagem por Lisboa de um dos mais destacados "narradores" actuais, Robert Kagan, autor de um livro intitulado justamente "Dangerous nation". "Dangerous" porque, explicou ele ao Público, os EUA têm uma longa tradição de "projectar" o seu poder militar contra os diversos tipos de conservadorismo. Os EUA são, afirmou sem hesitações, "um poder revolucionário".
Esta crença arreigada no papel messiânico dos EUA, encarados como encarnação do Espírito universal, é convictamente assumida pelos "crentes", não tenho dúvidas. Mas essa crença não resiste a uma análise ainda que muito superficial da história dos EUA. Estes sempre assumiram, desde o início da sua expansão, um forte apetite colonizador e imperial, primeiro no seu "quintal" americano, depois, pelo mundo fora. Quer na América Latina, quer no mundo em geral, nunca os EUA promoveram a democracia e a liberdade, antes se assumiram sempre como aliados e promotores das ditaduras, o que se tornou particularmente evidente durante a "guerra fria" (os casos mais marcantes serão possivelmente os dos golpes sangrentos promovidos pelos americanos na Indonésia em 1965 e no Chile em 1973). Com o fim desta, as coisas não mudaram muito. A "promoção da liberdade" e dos "direitos humanos" são chavões utilizados para combater regimes nacionalistas ou renitentes à abertura aos interesses americanos. Onde os regimes são "amigos", e ainda que sejam notórias ditaduras (casos, por exemplo e entre dezenas de exemplos, do Gabão e da Guiné Equatorial), os EUA "fecham os olhos" e fazem bons negócios. A "intervenção humanitária" dos tempos de Clinton foi uma piedosa mentira para esfrangalhar a Jugoslávia. A difusão da democracia no Médio Oriente, de que agora Bush fala, daria vontade de rir, se não fosse à custa de centenas de milhares de mortos.
O paradigma da intervenção americana é possivelmente as bombas de Hiroxima e Nagasaki. A desproporcionalidade dos meios militares utilizados, a indiferença perante o sofrimento e o património alheios, a indiferença perante os civis "inimigos", o racismo (praticado internamente até aos anos 60), o recurso à tortura, directamente ou em "outsourcing", etc. são as marcas do "poder revolucionário" americano ao longo de 200 anos. Nação perigosa, efectivamente!
Mas porventura, em certo sentido, tem pertinência falar de "poder revolucionário" dos EUA, enquanto titulares do archote do capitalismo. Marx e Engels descreveram impressivamente, no 1º capítulo do Manifesto Comunista, a "revolução" que o capitalismo introduziu na economia e em toda a sociedade e nas adaptações políticas e institucionais que provocou para se adequarem à nova realidade. É certamente essa "revolução" que neoliberais, neocons e toda a restante família americana e afim quer ver expandida pelo mundo fora, pondo fim aos entraves ao mercado, às leis sacrossantas do mercado. Por isso, os EUA insistem tanto nos "direitos humanos". Falam sinceramente, mais uma vez. Mas os "direitos humanos" de que falam é dos direitos civis, apenas, isto é, dos direitos instrumentais de um bom funcionamento do mercado.
E falando do mercado, há que acrescentar o seguinte: os EUA são obviamente a favor do mercado, são os seus maiores promotores. Mas atenção: desde que eles controlem esse mercado, desde que eles imponham as regras de funcionamento. Porque, quando não lhes agradam essas regras, eles violam-nas descaradamente. É o que já tem acontecido em várias guerras comerciais com a própria União Europeia.
Mercado, sim, mas tutelado por uma gigantesca máquina de guerra para impor o respeito aos inimigos. E também aos amigos (amigos, amigos...).
Mas essa máquina está a emperrar, esse o drama..