06 janeiro 2007

 

A execução de Saddam

Ao menos, Pacheco Pereira teve a coragem de dizer que Saddam Hussein morreu com dignidade. Eu também achei que sim, pelo que vi e pelo que li, em andanças pelo país vizinho. Estava num restaurante, quando vi pela primeira vez essa imagem depois infinitamente repetida de Saddam a aproximar-se dos carrascos, estes passarem-lhe a corda pelo pescoço, ajustarem a corda com uma meticulosidade esquisita, as feições de Saddam mal distintas, quase só reduzidas a um sombreado de barba, a imagem entrar numa oscilação, como se fôssemos assistir ao momento supremo da execução, mas finalmente não vermos execução nenhuma e, em vez dela, reaparecer a imagem do locutor a tecer mais comentários sobre o acontecimento.
Não tinha, nunca tive admiração nenhuma por Saddam (antes, sempre o detestei), mas isso não impede que essa imagem da sua iminente execução tenha ficado agarrada a mim como um mal estar indefinido que não se sabe localizar e cuja origem se não descortina muito bem. Acho que a palavra exacta para definir esse mal estar seria a sartriana palavra “náusea.”
O facto de detestar Saddam também não me impede de reconhecer que ele morreu com dignidade. Segundo ouvi a alguns comentadores ou repórteres, ele não mostrou qualquer arrependimento e aproximou-se do cadafalso com passos decididos. É isso a dignidade do condenado à morte. Seria uma fraqueza inominável que o condenado se mostrasse piegas ou trémulo diante do baraço. Não há outra forma de enfrentar a terrível humilhação da morte senão desprezando-a ou simulando desprezá-la, mais aos seus terríveis executores. Quem disse que a condenação à morte estimula o arrependimento?





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