03 janeiro 2007

 

O especial, agora rebaptizado de «mandatário», e o prestígio da Assembleia da República

Ainda não cessou o especial empenho na possibilidade de exercício da acção penal em representação da Assembleia da República (veja-se esta notícia no Público de hoje).
Não pretendo retomar a referência aos problemas de constitucionalidade que, embora mitigados por comparação com a aberração jurídica da primeira proposta, me parece persistirem nesta nova versão - para o efeito, bastaria recordar a jurisprudência da Comissão Constitucional sobre o assistente e o monopólio da acção penal no aparelho estadual ou do Tribunal Constitucional sobre as Comissões de Inquérito Parlamentar e a legitimidade dos fins de investigação de factos com relevância jurídico-penal, em particular o acórdão 195/94 relativo a uma das comissões de inquérito parlamentar ao caso Camarate.
O que na nova versão se me apresenta como mais perturbador é a leviandade com que alguns parecem encarar os efeitos que a transformação da Assembleia da República em assistente no processo penal pode ter no prestígio do Parlamento. Penso que qualquer um genuinamente ancorado nos valores do sistema democrático, entende como uma disfunção que o julgamento de acções do parlamento, em toda a sua intencionalidade, seja assumido em última instância por tribunais ordinários integrados pela magistratura judicial. Acresce que nos esquemas já previstos na lei positiva, atento o art. 68.º, nº 1, al. e) do Código de Processo Penal, se poderiam encontrar soluções com menos problemas constitucionais e políticos, nomeadamente através do alargamento do leque de crimes em que «qualquer pessoa» se pode constituir assistente, via em que eventuais empenhos políticos na acção penal seriam assumidos através da pessoa jurídica dos partidos, ou dos seus mais empenhados membros, que o pretendessem. Não se me apresentaria como uma solução juridica ou politicamente desejável, mas, ao menos, salvaguardaria um valor que se apresenta como essencial numa democracia: o prestígio do Parlamento.
Será que não existe ninguém com autoridade que possa aconselhar, de forma a ser ouvido, empenhados protagonistas parlamentares, aparentemente, despreocupados com o papel jurídico-constitucional da Assembleia da República?





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