15 julho 2007

 

O escândalo das juntas

Agora é o caso das “juntas médicas” que vem adensar o que parece ser uma deriva de autoritarismo e de afunilamento dos direitos dos funcionários da administração pública. Dois professores que foram obrigados a trabalhar até à morte, porque não lhes foi concedido o direito a reforma, apesar da gravidade do seu estado de saúde, ambos eles com cancro. O caso foi tão chocante, que o próprio primeiro-ministro foi obrigado a vir a público confessar o seu choque e prometer uma alteração da legislação relativamente à composição das tais “juntas médicas” (entre aspas, porque, de “médicas” parece que elas tinham apenas algum cheiro dado pelas existência de profissionais, que a outras debilidades juntavam o facto de serem tutelados por um comissário da Caixa Geral de Aposentações, havendo, segundo declarações do bastonário da Ordem dos Médicos, não desmentidas por ninguém, orientações expressas no sentido de restringir o mais possível a concessão da reforma).
Na sequência da promessa do primeiro-ministro, o Conselho de Ministros aprovou rapidamente a alteração do regime das ditas “juntas médicas”, agora só constituídas por médicos, mas o bastonário da Ordem destes profissionais já foi pondo a sua reticência, ao aludir à possibilidade de o ministro das Finanças vir impor um limite às aposentações.
Entretanto, mais um caso foi noticiado: o de uma professora com três cancros sucessivos que, tendo sido proposta para aposentação, viu posteriormente ser-lhe negada a possibilidade de se aposentar, por via da prevalência à última hora de um critério administrativo. Ouvida pela TSF, a mulher quase não podia falar, abafada pela angústia. A ordem é para se apresentar ao serviço. E quantos mais casos deste teor não aguardarão a sua vez de virem à luz do dia?
É claro que seria talvez injusto atribuir a este governo a responsabilidade (ou toda a responsabilidade) por estas situações de uma deprimente desumanidade, mas por que é que só agora, com a publicidade destes casos e com a onda de choque que provocaram é que o governo foi rapidamente alterar a lei? Conhecendo ou devendo conhecer o modo de funcionamento das, por assim dizer, “juntas médicas”, convindo-lhe porventura o regime da máxima restrição das reformas (o bastonário da Ordem dos médicos disse claramente que as instruções eram no sentido de evitá-las o mais possível, segundo critérios alheios ao aspecto médico), o governo não previu que, na lógica dessa política, estavam estes casos de uma tão grave desumanidade?
A verdade é que a campanha contra os direitos fundamentais (sobretudo os direitos económicos e sociais) que foi posta em curso a um nível sem precedentes, a pretexto do combate aos privilégios, primeiro dos funcionários públicos, para depois se atacarem outros sectores, num afeiçoamento progressivo e muito pouco socialista às novas exigências do mercado, só podia trazer consequências sinistras deste tipo. E outras que estarão para vir.





<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)