05 março 2008
O PP e a ASAE
Segundo um Projecto de Resolução do CDS-PP para alteração da Lei Orgânica e dos Regulamentos da ASAE, concomitante a uma apreensão, pela mesma ASAE, de 300 toneladas de produtos alimentares impróprios para consumo, a "aplicação de coimas e sanções acessórias [pela ASAE deverá ficar reservada] para os casos de manifesto incumprimento” (interpolado e negrito adicionados). Implícita nesta mirabolante proposta do CDS-PP está, pois, uma sofisticada taxonomia jurídica das hipóteses de conduta do cidadão perante a lei: a) cumpre a lei; b) não cumpre a lei; c) cumpre/incumpre a lei “assim-assim”. Só para a hipótese b), não para a c), diz o PP, está a ASAE legitimada a agir, aplicando coimas e sanções acessórias!
Trata-se de uma “proposta” elucidativa. Em primeiro lugar, ela não revela apenas olímpico desprezo sobre o sentido da Lei, em relação à qual só se podem consentir, obviamente, duas posturas alternativas: o respeito ou o desrespeito. Ela, dizia eu, na sua aparente simplicidade e superficialidade, é bem a imagem de síntese de todo um programa e todo um caldo de cultura de laxismo, de desrespeito pela lei, enfim, de desrespeito pela democracia. O facto de provir de quem, a mais de ordinariamente se arvorar porta-estandarte das soluções de “Lei e Ordem” (para o pilha-galinhas, claro está), ter por função participar na actividade legiferante, só provoca ainda mais estupefacção. Ela é, ainda, um sinal patognomónico de que o país (parte do país) só quer ser “europeu” enquanto isso for sinónimo de entrada de capital proveniente da Alemanha, da Áustria, do Reino Unido, enfim, da “Europa”, que a mais de ter de contribuir maciçamente para a sobrevivência deste rectângulo, tem ainda de aturar umas cento e muitas ASAEs. Já quando se trata de cumprir as normas comunitárias de higiene, de lisura concorrencial (cuja falta tanto afecta a nossa economia), de defesa do consumidor, etc., a “Europa” é olhada de soslaio, como algo que só é para respeitar quando for “manifestamente” necessário.
É óbvio que a ASAE cometerá os seus exageros. É óbvio que há normas comunitárias que se afiguram pouco menos que bizarras. Mas excesso de zelo, seja o que isso for (o excesso de zelo é, de resto, uma falsa questão; tão falsa como a de uma lei que só deva ser aplicada se for “manifestamente incumprida”), não é, seguramente, o problema lusitano. O problema, entre nós, não é a ASAE. O problema é, segundo creio, a falta de mais quatro ou cinco ASAEs, a começar por áreas em que a lei é tão “manifestamente (e impunemente) incumprida”, como é o caso, de entre outros, do urbanismo.
Trata-se de uma “proposta” elucidativa. Em primeiro lugar, ela não revela apenas olímpico desprezo sobre o sentido da Lei, em relação à qual só se podem consentir, obviamente, duas posturas alternativas: o respeito ou o desrespeito. Ela, dizia eu, na sua aparente simplicidade e superficialidade, é bem a imagem de síntese de todo um programa e todo um caldo de cultura de laxismo, de desrespeito pela lei, enfim, de desrespeito pela democracia. O facto de provir de quem, a mais de ordinariamente se arvorar porta-estandarte das soluções de “Lei e Ordem” (para o pilha-galinhas, claro está), ter por função participar na actividade legiferante, só provoca ainda mais estupefacção. Ela é, ainda, um sinal patognomónico de que o país (parte do país) só quer ser “europeu” enquanto isso for sinónimo de entrada de capital proveniente da Alemanha, da Áustria, do Reino Unido, enfim, da “Europa”, que a mais de ter de contribuir maciçamente para a sobrevivência deste rectângulo, tem ainda de aturar umas cento e muitas ASAEs. Já quando se trata de cumprir as normas comunitárias de higiene, de lisura concorrencial (cuja falta tanto afecta a nossa economia), de defesa do consumidor, etc., a “Europa” é olhada de soslaio, como algo que só é para respeitar quando for “manifestamente” necessário.
É óbvio que a ASAE cometerá os seus exageros. É óbvio que há normas comunitárias que se afiguram pouco menos que bizarras. Mas excesso de zelo, seja o que isso for (o excesso de zelo é, de resto, uma falsa questão; tão falsa como a de uma lei que só deva ser aplicada se for “manifestamente incumprida”), não é, seguramente, o problema lusitano. O problema, entre nós, não é a ASAE. O problema é, segundo creio, a falta de mais quatro ou cinco ASAEs, a começar por áreas em que a lei é tão “manifestamente (e impunemente) incumprida”, como é o caso, de entre outros, do urbanismo.