08 junho 2008

 

Futebol e cultura

Estamos em plena euforia futebolística com o Euro em marcha. Confesso que tenho uma certa indiferença pelo futebol, mas, ao ler no Suplemento “Babelia” do “El Pais” do passado dia 31 de Maio uma excelente crónica do excelente cronista Vicente Verdú (El culto al fútbol), fiquei a pensar que tenho que rever os meus conceitos.
O futebol será, então, uma manifestação típica da cultura do nosso tempo. Essa cultura opõe-se à cultura do livro, que foi o fundamento da nossa formação intelectual. A cultura hoje imperante é a cultura do audiovisual, que é uma cultura que Vicente Verdú chama “de superfície”, num sentido, creio, simultaneamente realista e metafórico. Por um lado, é uma cultura “de superfície”, fazendo apelo à sua forma de recepção: o ecrã, a tela, o panorama; por outro, é uma cultura de “superfície”, porque não se produz em intensidade e profundidade, mas em extensão e captação superficial. Enquanto que a cultura tradicional, do livro, implica concentração, aprofundamento, silêncio, esforço da atenção e vontade de decifração, a cultura do audiovisual é impacto, movimento, ruído, implicando mobilidade, extroversão, alargamento do campo de visão, extensão sensorial e instantaneidade.
A cultura do livro é uma cultura em franca decadência e é em nome dessa cultura que preconceituosamente os “cultos” do antigamente rejeitam o futebol, como expressão de incultura. Todavia, o futebol é uma das expressões mais salientes da cultura imperante no nosso tempo – “ a cultura pop democratizada e generalizada na sociedade do espectáculo”.
Não sei porquê, mas lembrei-me, através das considerações de Verdú, que é autor de um importante livro sobre futebol, El fútbol, mitos, ritos y símbolos (Alianza Editorial, 1981), da contaminação de várias áreas do conhecimento e da cultura tradicionais por este tipo de cultura. O mais característico é o que diz respeito à imprensa escrita, hoje completamente dominada pelas formas da “cultura de superfície”. Não foi por acaso que um jornalista meu amigo me disse há tempos que o fundamental num título de jornal era começar por “dar um soco no estômago do leitor”.





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