03 janeiro 2010

 

O ser e o dever-ser

A União Humanitária dos Doentes com Cancro assinalou os dois anos da Lei do Tabaco com a defesa da proibição de fumar em todos os restaurantes e similares, bares, discotecas e casinos, “sem qualquer excepção”. Fundamenta que – pasme-se – “não existe nenhum argumento científico para que os estabelecimentos de restauração e bebidas – incluindo os que possuam salas ou espaços de dança – beneficiem de um estatuto de excepção face ao restante comércio, serviços e locais de trabalho, onde já proibido fumar”. E continua o responsável da UHDC que “se está provado cientificamente que fumar prejudica gravemente a saúde de quem fuma e a dos que o rodeiam, não pode haver nenhum argumento para justificar que um fumador possa fumar junto de um não fumador” (DN, de 2/1/2010; itálico meu).

Esta breve notícia prendeu-me a atenção porque na ocasião terminava a leitura da recente (2009) edição portuguesa da obra mais famosa de F. Hayek, O Caminho para a Servidão (1944), que num dos capítulos (o 13.º) trata a questão da relação entre ciência e moral. Ora, se se pode bem compreender que quem se vê afectado por uma desgraça como um cancro tenha uma visão algo radicalizada da luta às causas respectivas, isso não implica que se deva perder de vista o essencial. E o essencial é o de que devemos fugir a sete pés da tentação – crescente, hoje, e a deixar uma sensação de déjà vu – de pretender que “a ciência pode fazer um juízo ético sobre o comportamento humano”. Não é mais do que isto o que está em causa quando se ensaia, sem mais, extrair uma imposição normativa (moral, ética, jurídica) de uma constatação empírica, quando se cai na esparrela de pretender extrair o dever-ser do ser. Numa tal visão das coisas, a liberdade não tem pura e simplesmente lugar.





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