01 setembro 2010

 

Revisão do CPP: uma revisão revista na AR (para pior)

Saiu anteontem, dia 30 de Agosto, a anunciada revisão do CPP (Lei n° 26/2010). Anunciada aliás desde 2007, quando foi publicada a última (Lei n° 48/2007), porque logo se tornou então evidente que certas inovações eram completamente desadequadas ao combate à criminalidade mais grave.
A "sombra" do processo "Casa Pia" projectou-se incontestavelmente sobre a revisão de 2007 e deixou mal escondida uma ampla margem de desconfiança ou mesmo intenção retaliativa sobre as magistraturas, em especial a do MP.
Nem tudo foi mau, porém; nomeadamente o regime do interrogatório do arguido e o das escutas ganharam em precisão e densidade, salvaguardando adequadamente as garantias constitucionais.
No entanto, em contrapartida, outras soluções, como o segredo de justiça na sua conjugação com os prazos do inquérito, revelaram-se insustentáveis. A revisão tornou-se inevitável. Era apenas uma questão de oportunidade política, que veio com a mudança de Governo.
A Proposta do Governo (n° 12/XI) era minimalista, pretendendo apenas remediar algumas, porventura nem todas, as soluções mais chocantes.
Porém, a Lei aprovada resulta da discussão conjunta com os Projectos de Lei n°s 38/XI e 178/XI(PCP), 173/XI (CDS), 181/XI (BE), 275/XI (PSD) e apresenta multas diferenças relativamente à Proposta de Lei n° 12/XI.
Diferenças para pior, como já veremos... Vale a pena ver o relatório da discussão e votação na especialidade... Vem no DAR, II-A, de 24.7.2010.
Quanto ao segredo de justiça, "chumbou" a tentativa do Govemo de entregar a decisão sobre o segredo ao MP (n°s 2 a 5 do art. 86°, na versáo da PL n° 12/XI), o que era perfeitamente razoável, dado o estatuto institucional e processual do MP, e não violava as garantias de defesa, já que admitia apelo para o JIC.
"Chumbou" também a solução encontrada pelo Governo para minimizar os danos da abertura incondicionada dos autos, findo o prazo do inquérito (n°s 6 e 7 do art. 89° na versão da PL n° 12/XI).
Subsiste apenas, como atenuante da regra (errada) de conexionar o termo do prazo do inquérito com o fim do segredo interno, a dilatação dos prazos do inquérito e a sua suspensão no caso de envio de carta rogatória (art. 276°).
No mais, o texto da Lei não altera significativamente o da PL n° 12/XI. Mas há que referir, com apreensão, a introdução no art. 257°, n° 1 de uma al. c) que vem permitir a detenção fora de flagrante delito "se tal se mostrar imprescindível para a protecção da vítima". Espera-se que esta regra seja aplicada com o maior rigor e cuidado, para que a "detenção a pedido" da vítima, forma de vindicta privada, não venha a vulgarizar-se...
Mantenho as minhas maiores reservas quanto às alterações ao regime da prisão preventiva, que encapotadamente passa a ser admitida largamente nos crimes punidos com pena superior a 3 anos (e não 5 anos, como diz a "regra" do art. 202°, n° 1, a)), por via das alterações ao art. 202° e ao art. 1°.
Enfim, uma revisão revista na AR para pior, e que apenas atenua algumas dificuldades, sem resolver os problemas maiores.
Uma reforma, uma verdadeira reforma, estudada sem pressas, impõe-se.
Mas a AR estará interessada?





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