01 setembro 2010

 

União, facto, direito e ironias de um postal ilustrado (e com legendas…)


O regime legal da união de facto carece de uma reflexão crítica, nomeadamente à luz de uma perspectiva liberal (em termos da relação política do Estado com o cidadão), que permita repensar o respectivo sentido, horizontes, alternativas e efeitos colaterais num contexto jurídico e social inconfundível com aquele em que a regulação de uniões de facto deu os primeiros passos no sistema normativo português.
Algo que me pareceu ausente na discussão (nos "prós" e nos "contras") e aprovação da Lei 23/2010, de 23-08.
Para essa discussão, a bloga está longe de ser o espaço adequado, mas não deixa de servir para o brilhantismo subtil da critica à opinião publicada [que] vai assobiar para o lado, num texto ilustrado com uma fotografia, devidamente legendada para os ignaros: «Na imagem, Snu Abecasis e Francisco Sá-Carneiro, então primeiro-ministro, o mais célebre casal português unido de facto».

Quem não assobia para o lado e informa o povo que O mundo mudou, decerto que enquanto conhecedor e ilustrador da lei sabe que nesta se continua a prescrever que «Impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto:
[…]
c) Casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens
».

Ou seja, o regime legal sobre as uniões de facto reguladas pelo direito português continua a não passar da soleira da porta de uniões de facto em que um dos unidos de facto se encontra ligado a alguém por casamento não dissolvido (e sem que tenha sido decretada a separação de pessoas e bens, ainda que exista uma prolongada separação de facto), os quais podem continuar unidos de facto, enquanto o tal casamento não for dissolvido, e subsistir preservados (na vida e morte) do farejar alheio (a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível).
Constitui aliás um dos curiosos paradoxos do regime jurídico das uniões de facto à portuguesa, que a contemporânea união de direito por casamento não dissolvido possa servir o exercício (limitado) do direito à não intromissão de terceiros na união de facto, sob pena de esta ser de direito (com necessário pagamento de liberdade de um dos «unidos», mesmo que em nome da «protecção» do outro*).
Trata-se de um reinventar, ainda que involuntário, de funções para o casamento, enquanto mecanismo de preservação da privacidade quanto a situações de facto que não afectam menores, nem ilegitimamente terceiros, quem sabe se para abrir um nicho ao mercado publicitário, eventualmente com fotos legendadas, «case-se para poder ser apenas unido de facto com outro sem que ninguém se meta na sua vida».

* Recorde-se que não se pode beneficiar da «protecção» da «união de facto» regulada pelo direito português se se tiver: a) Idade inferior a 18 anos à data da do reconhecimento da união de facto;
b) Demência notória, mesmo com intervalos lúcidos, e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica, salvo se a demência se manifestar ou a anomalia se verificar em momento posterior ao do início da união de facto.

Etiquetas: , , , ,






<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)