17 outubro 2010

 

O "sindicato constitucional" em 1900, o sabre e o champanhe

"A Ilustre Casa de Ramires" (de 1900) é uma crítica mordaz, por vezes sarcástica, ao sistema da "monarquia constitucional" de que alguns historiadores estão agora saudosos.
Eça é impiedoso ao "analisar" o rotativismo de então, o que ele chama o "sindicato constitucional" (e que hoje é chamado "bloco central" ou "arco do poder", para abranger o CDS).
"Sindicato" é, porém, mais expressivo. Afinal, históricos e regeneradores pertenciam todos ao mesmo "sindicato", todos defendiam a mesma ideologia, todos representavam os mesmos interesses. Só que não podiam estar todos no poder ao mesmo tempo... Tinham de "rodar" de vez em quando, o "bolo" não era para repartir simultaneamente, mas sim sucessivamente...
Qualquer semelhança com a actualidade é mera coincidência.
Já então se falava da eventual vinda da República, na pacata "Oliveira", a provinciana capital de distrito imaginada por Eça. Mas era uma ameaça que não era levada a sério (dez anos antes da revolução...). Vejamos o que se dizia num sarau de pessoas ilustres, entre as quais o Governador Civil:

"- E por Evaristo!... Ele sempre funda o novo jornal republicano, o "Rebate"?
O sr. Governador Civil encolheu os ombros com uma ignorância superior e risonha. Mas João Gouveia, vermelho e luzidio depois da sua garrafa de Corvelo e da sua garrafa de Douro, afiançou que o "Rebate" apareceria em Novembro. Até ele conhecia o patriota que esportulava a "massa". E a campanha do "Rebate" começava com cinco artigos esmagadores sobre a Tomada da Bastilha.
O espanto de Gonçalo era como o Republicanismo alastrara em Portugal - até na velhota, na devota Oliveira...
- Quando eu andava em preparatórios existiam simplesmente dois republicanos em Oliveira, o velho Salema, lente de Retórica, e eu. Agora há partido, há comité, há dois jornais... E há mesmo o Barão das Marges com a "Voz Pública" na mão, debaixo da Arcada...
Mendonça não receava a República, gracejava:
-Ainda vem longe, muito longe... Ainda nos dá tempo de comermos estes belos ovos queimados.
- Deliciosos, murmurou o Cavaleiro [Governador Civil].
- Sim, concordou Gonçalo, ainda temos tempo para os ovos... Mas que rebente uma revolução em Espanha, ou que morra o Reizinho na sua menoridade, que naturalmente morre...
- Credo! Coitadinho! Pobre mãe! murmurou Gracinha sensibilizada.
Imediatamente o Cavaleiro a tranquilizou. Porquê morrer o reizinho de Espanha? Os republicanos espalhavam boatos sombrios sobre os males da excelente criança. Mas ele conhecia a realidade - assegurava à Sra. D. Graça que, felizmente para a Espanha, ainda reinaria um Afonso XIII e mesmo um Afonso XIV. Enquanto aos nossos republicanos, esses, Meu Deus! mera questão de guarda municipal! Portugal, nas suas massas profundas, permanecia monárquico, de raiz. Apenas ao de cima, na burguesia e nas escolas, flutuava uma escuma ligeira, que se limpava facilmente com um sabre...
- V. Exa., Sra. D. Graça, que é uma dona de casa perfeita, conhece essa operação que se faz à panela do caldo... Escumar a panela. É com uma colher. Aqui é com um sabre. Pois assim, com toda a simplicidade, se clarifica Portugal. E foi isto que ainda ultimamente eu declarei a El-Rei.
Alteara a cabeça -o seu peitilho resplandecia, mais largo, como couraça bastante rija para defender toda a Monarquia. E, no compenetrado silêncio que se alargou, duas rolhas de champanhe estalaram, por trás do biombo, na copa."





<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)