31 outubro 2010
Os magistrados e o direito de expressão livre
Os magistrados judiciais não estão inibidos de exercer o direito de expressão livre, nas suas componentes de direito de opinião e de crítica. Também eles podem opinar e exercer uma actividade judicativa sobre factos ou ocorrências da vida quotidiana com maior ou menor relevância pública, sobretudo no que diz respeito a factos que interessam à comunidade, nas suas mais variadas vertentes: social, cultural, política, económica, etc.
Com uma ressalva: a derivada do dever de reserva que o seu estatuto lhes impõe, relativamente a processos em que estejam a intervir ou em que tenham intervindo, ou em relação a processos de outros magistrados, não podendo fazer comentários que envolvam juízos de apreciação positiva ou negativa acerca deles, quer estejam pendentes, quer tenham findado, mas conservem uma “irrecusável actualidade”. Isto, nos termos de uma deliberação do próprio Conselho Superior da Magistratura.
Por outro lado, também parece evidente que o perfil que se exige de um magistrado lhe impõe algumas limitações tendentes a salvaguardar as características de independência, isenção e imparcialidade requeridas pelo exercício das funções, bem como uma certa dignidade compatível com a posição que ocupa, o que não significa que tenha que cultivar um estilo sorumbático, grave ou solene. Não é proibido usar a ironia, o humor (incluindo o humor negro), a sátira, o estilo cómico, a par do estilo sério, que normalmente caracteriza a escrita ensaística. Também não está vedado ser contundente, mordaz e acutilante, desde que se respeitem sempre, como é óbvio, os limites derivados dos direitos das pessoas (singulares ou colectivas), nomeadamente o direito ao bom nome, o direito à honra e consideração pessoais, ao prestígio e à credibilidade das instituições, numa ponderação criteriosa de direitos ou interesses conflituantes. Como dizia Trindade Coelho, escritor e magistrado, publicista e articulista, autor de uma lei de imprensa (1907), que nunca chegou a ser posta em prática, “tudo se pode dizer; a questão é sabê-lo dizer”.
Por norma, os magistrados devem ter uma cautela especial, quando escrevam ou se pronunciem sobre factos ou situações que possam vir a cair no âmbito das suas funções. Não me refiro, evidentemente, a uma relação remota, mas a uma previsível ligação do facto ou situação com o campo judiciário, podendo o magistrado ter que ser chamado a intervir nesse âmbito, por força do exercício das suas funções.
Vem isto a propósito de magistrados que intervêm na esfera da comunicação social (incluindo agora o vasto campo da internet, principalmente a blogosfera). Dentro do quadro acima traçado sem preocupação de criar um manual de ética (Deus me livre!), os magistrados podem intervir na vida pública do seu país e até fazer comentários sobre factos da vida quotidiana, que interessem a um grupo mais ou menos vasto de pessoas. Por que não? Eu tenho-o feito e sempre o fiz. Durante mais de uma dezena de anos escrevi regularmente num jornal diário de âmbito nacional e, actualmente, escrevo neste blogue.
Essa intervenção não exclui o comentário de situações e acontecimentos do mais variado matiz, principalmente se têm interesse de um ponto de vista de relevância pública (local, nacional ou internacional). E também de factos que se liguem com declarações, tomadas de posição, atitudes e reacções de pessoas que sejam figuras públicas (incluindo do âmbito judiciário), desde que tais factos se conexionem com o exercício das respectivas funções ou se projectem na vida pública ou na imagem pública dessas pessoas. Entender de modo contrário corresponderia a afunilar, de modo intolerável, o direito à liberdade de expressão de um grupo de profissionais.
Não percebo é como um magistrado que, por exemplo, se pronuncia, ainda que em termos contundentes, irónicos ou sarcásticos, sobre uma determinada forma de exercer ou conceber o exercício de funções públicas por parte de um certo agente da administração pública, ou representante de um poder do Estado, ou sobre um comportamento ou afirmação públicos dessas entidades, fica ipso facto afectado para intervir num processo judicial em que qualquer dessas entidades é investigada criminalmente ou mesmo sujeita a julgamento por um facto que nada tem a ver com o que desencadeou o comentário ou o juízo crítico.
A menos que esse comentário ou juízo crítico sejam feitos em termos tais que deixem transparecer uma visão subjectiva e enquistada, uma má vontade ou uma intencionalidade dirigida mais contra a pessoa criticada, do que em relação ao objecto do comentário ou do juízo crítico. Numa situação dessas, se for razoável inferir, objectivamente, que há risco de suspeição «por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado», então, sim, poder-se-á colocar o problema do pedido de recusa ou de escusa (neste caso, pelo próprio), nos termos do art. 42.º do Código de Processo Penal.
O que é inadmissível é considerar que qualquer tomada de posição por parte do magistrado o coloca inevitavelmente ao alcance desse preceito, interpretado de uma tal forma maximalista e abusiva.
Com uma ressalva: a derivada do dever de reserva que o seu estatuto lhes impõe, relativamente a processos em que estejam a intervir ou em que tenham intervindo, ou em relação a processos de outros magistrados, não podendo fazer comentários que envolvam juízos de apreciação positiva ou negativa acerca deles, quer estejam pendentes, quer tenham findado, mas conservem uma “irrecusável actualidade”. Isto, nos termos de uma deliberação do próprio Conselho Superior da Magistratura.
Por outro lado, também parece evidente que o perfil que se exige de um magistrado lhe impõe algumas limitações tendentes a salvaguardar as características de independência, isenção e imparcialidade requeridas pelo exercício das funções, bem como uma certa dignidade compatível com a posição que ocupa, o que não significa que tenha que cultivar um estilo sorumbático, grave ou solene. Não é proibido usar a ironia, o humor (incluindo o humor negro), a sátira, o estilo cómico, a par do estilo sério, que normalmente caracteriza a escrita ensaística. Também não está vedado ser contundente, mordaz e acutilante, desde que se respeitem sempre, como é óbvio, os limites derivados dos direitos das pessoas (singulares ou colectivas), nomeadamente o direito ao bom nome, o direito à honra e consideração pessoais, ao prestígio e à credibilidade das instituições, numa ponderação criteriosa de direitos ou interesses conflituantes. Como dizia Trindade Coelho, escritor e magistrado, publicista e articulista, autor de uma lei de imprensa (1907), que nunca chegou a ser posta em prática, “tudo se pode dizer; a questão é sabê-lo dizer”.
Por norma, os magistrados devem ter uma cautela especial, quando escrevam ou se pronunciem sobre factos ou situações que possam vir a cair no âmbito das suas funções. Não me refiro, evidentemente, a uma relação remota, mas a uma previsível ligação do facto ou situação com o campo judiciário, podendo o magistrado ter que ser chamado a intervir nesse âmbito, por força do exercício das suas funções.
Vem isto a propósito de magistrados que intervêm na esfera da comunicação social (incluindo agora o vasto campo da internet, principalmente a blogosfera). Dentro do quadro acima traçado sem preocupação de criar um manual de ética (Deus me livre!), os magistrados podem intervir na vida pública do seu país e até fazer comentários sobre factos da vida quotidiana, que interessem a um grupo mais ou menos vasto de pessoas. Por que não? Eu tenho-o feito e sempre o fiz. Durante mais de uma dezena de anos escrevi regularmente num jornal diário de âmbito nacional e, actualmente, escrevo neste blogue.
Essa intervenção não exclui o comentário de situações e acontecimentos do mais variado matiz, principalmente se têm interesse de um ponto de vista de relevância pública (local, nacional ou internacional). E também de factos que se liguem com declarações, tomadas de posição, atitudes e reacções de pessoas que sejam figuras públicas (incluindo do âmbito judiciário), desde que tais factos se conexionem com o exercício das respectivas funções ou se projectem na vida pública ou na imagem pública dessas pessoas. Entender de modo contrário corresponderia a afunilar, de modo intolerável, o direito à liberdade de expressão de um grupo de profissionais.
Não percebo é como um magistrado que, por exemplo, se pronuncia, ainda que em termos contundentes, irónicos ou sarcásticos, sobre uma determinada forma de exercer ou conceber o exercício de funções públicas por parte de um certo agente da administração pública, ou representante de um poder do Estado, ou sobre um comportamento ou afirmação públicos dessas entidades, fica ipso facto afectado para intervir num processo judicial em que qualquer dessas entidades é investigada criminalmente ou mesmo sujeita a julgamento por um facto que nada tem a ver com o que desencadeou o comentário ou o juízo crítico.
A menos que esse comentário ou juízo crítico sejam feitos em termos tais que deixem transparecer uma visão subjectiva e enquistada, uma má vontade ou uma intencionalidade dirigida mais contra a pessoa criticada, do que em relação ao objecto do comentário ou do juízo crítico. Numa situação dessas, se for razoável inferir, objectivamente, que há risco de suspeição «por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado», então, sim, poder-se-á colocar o problema do pedido de recusa ou de escusa (neste caso, pelo próprio), nos termos do art. 42.º do Código de Processo Penal.
O que é inadmissível é considerar que qualquer tomada de posição por parte do magistrado o coloca inevitavelmente ao alcance desse preceito, interpretado de uma tal forma maximalista e abusiva.