13 dezembro 2010

 

As duas ficções


«Os movimentos de protesto que este ano foram desencadeados na Europa contra as políticas de austeridade – na Grécia e em França, mas também, em menor grau, na Irlanda, na Itália e em Espanha – deram lugar a duas ficções. A primeira forjada pelo poder e pela comunicação social, assenta numa despolitização da crise: as medidas de restrição orçamental adoptadas pelos governos são apresentadas não como uma escolha política, mas como uma resposta técnica a imperativos financeiros. A moral é que, se queremos que a economia estabilize, temos de apertar o cinto. A outra história, a dos grevistas e manifestantes, postula que as medidas de austeridade constituem apenas uma ferramenta nas mãos do capital para desmantelar os últimos vestígios do Estado-providência.
(…)
Cada uma destas perspectivas contém alguns elementos de verdade, mas tanto uma como a outra estão fundamentalmente erradas. A estratégia de defesa dos dirigentes europeus não tem evidentemente em conta o facto de que o enorme défice dos orçamentos públicos resulta em grande parte das dezenas de milhares de milhões engolidos pelo salvamento dos bancos e que o crédito concedido a Atenas servirá em primeiro lugar para pagar a sua dívida aos bancos franceses e alemães. A ajuda europeia à Grécia não tem outra função senão a de socorrer o sector bancário privado. Do outro lado, o argumentário dos descontentes expõe de novo a indigência da esquerda contemporânea: não contém qualquer orientação programática, mas apenas uma recusa de princípio em ver desaparecer as conquistas sociais. A utopia do movimento social já não consiste em mudar o sistema, mas em convencer-se de que este pode acomodar-se à manutenção do Estado-providência.»
Slavoj Zizek, “Para sair da armadilha”, Le Monde Diplomatique, Novembro de 2010.





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