23 janeiro 2012

 

TV e serviço público

Ao proceder ao reordenamento de velhos escritos, topei com esta crónica publicada no Jornal de Notícias em 2002. Achei-a de uma flagrantee actualidade e, por isso, a publico aqui neste momento.
Serve ela também para mostrar como a questão da televisão é uma daquelas que já vem de tempos muito de trás e que a luta para pôr fim a uma determinada concepção de serviço público encontra também agora, com a tal "crise", o momento adequado para pôr tudo em "pratos limpos"


TV e serviço público

Começo por afirmar que me parecem indispensáveis dois canais para a realização do serviço público, e com isto já sei que me coloco naquela linha utópica tão metralhada pelos pragmáticos, pelos antidespesistas e pelos privatistas. Dois canais: um para um público mais vasto, em que a programação abranja o círculo mais alargado possível de telespectadores, e outro para dar expressão a interesses de carácter mais minoritário, como tem sido, embora com perda de qualidade de há uns tempos para cá, o canal 2 da RTP.
O principal argumento que se tem mobilizado contra os dois canais é o do descalabro, mas já se viu que esse argumento, aliás recorrente sempre que se quer inverter drastica-mente uma situação, só serve, no fundo, para mascarar outras intenções, nomeadamente a de liberalizar um dos canais, confundindo o saneamento económico e financeiro da empresa com a necessidade de articular um verdadeiro serviço público, que contemple todos os públicos. Este argumento anda normalmente associado com um outro — o minimalista. Já que está provada a falência do serviço público com dois canais, que se constitua ao menos um canal de serviço público, mas bem feito (Leonor Beleza à SIC Notícias). E ainda a um outro argumento (decisivo): os privados podem fazer tão bem ou melhor do que o Estado. Outros, como Pacheco Pereira, defendem mesmo a total priva-tização do serviço público.
Ora, como disse, o serviço público tem de satisfazer todos os públicos, orientado, obviamente, por um critério de “interesse público”, que não propriamente da maximiza-ção de audiências. Esse serviço público tem, portanto, de ser sempre de qualidade, mas, sendo os públicos diversos e com exigências diferentes, dificilmente se conciliarão todos num único canal generalista, a menos que se posterguem alguns desses públicos (minoritários). Assim, Leonor Beleza, que disse não estar muito preocupada com esses públicos e certos responsáveis do Governo, ao afirmarem que “depois se verá”. Assim também Sousa Tavares, que disse, arrasador, na TVI: “Ninguém vê o 2° canal”. Ou seja, uma outra forma de anular certas camadas de público, mais exigentes.
A solução de entregar aos privados uma dessas fatias do serviço público implicaria que o Estado o tivesse de pagar, a peso de ouro, se fosse em horário decente; mais barato, se a horas furtivas, em que o público seria realmente nenhum.
JN 16-05-2002





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