13 março 2012
Havemos de vencer
ou de como atalhar à Crise com as armas singelas, mas verdadeiramente poderosas, que temos à mão e que hão-de confirmar o nosso povo como povo heroico que sempre foi.
Alguns dos leitores do pequeno círculo que habitualmente lê as arengas que eu, de muito raro em raro, aproveitando os fugazes momentos de inspiração que me bafejam, vou lançando ao papel, têm-me questionado ultimamente sobre qual o meu entendimento da melhor maneira para levarmos de vencida esta crise que nos assola, como a outros povos da Confederação Europeia.
Não sou nenhuma luminária, nem tenho soluções à mão para ofertar a esses meus benévolos
leitores e, porventura, estarei tão perplexo como eles nesta situação tão complexa, quão espinhosa. Certo é que tenho dado voltas à mioleira, a ver se topo alguma saída airosa. E vai daí, não encontro outra melhor, senão a que se pode definir em duas exortações complementares do nosso ministro-mor. Vêm a ser elas as seguintes: «Não sejamos piegas!» e «é preciso trincar a língua”. Aí estão duas pequenas frases que ficam para a História como frases imortais e que
se ajustam às maravilhas ao combate que fomos chamados a travar.
Nessas duas frases lapidares estão enunciadas as armas com que devemos lutar para vencermos a guerra contra o moderno inimigo que nos ataca – A Crise. E as armas são: não sermos piegas e trincarmos a língua, sempre que preciso for. Vejamos em que consiste o uso e o manejo destas armas e aquilatemos da sua capacidade para derrotar o inimigo.
Estas armas, como logo se alcança, são armas singulares, qual a batalha a que somos movidos. São armas que cada um de nós pode exercitar em si mesmo e manejá-las de uma forma assaz
inédita, virando-as para o interior de nós mesmos, de forma a vencermos os ímpetos que nos impelem para a revolta e a luta contra o exterior. É que a guerra que temos que travar é uma guerra contra nós próprios – os nossos instintos, o nosso inconformismo, a nossa falta de resistência. Seremos tanto mais vencedores, quanto mais nos dermos por vencidos; tanto mais triunfadores, quanto mais nos conformarmos aos ataques de que formos alvo. Parece um
paradoxo, mas não é. A Crise exige de nós sacrifícios de toda a ordem e nós só poderemos anulá-la, sacrificando-nos e calando em nós a revolta e a recalcitração que o sacrifício suscita. É por isso que todos os sacrifícios que nos vão sendo impostos são motivo de grande regozijo e aplauso por parte de outros povos que nos têm ajudado a sacrificarmo-nos, para merecermos o lugar honroso a que temos direito.
O nosso povo (o povo-povo), as classes medianas são quem, naturalmente, mais tem de dar o corpo ao manifesto, não só devido à sua posição (à frente do campo de batalha, como não pode deixar de ser), mas também pela sua valentia, provada ao longo dos vários séculos de existência da nossa gloriosa Nação.
Destarte, muitos serão aqueles, para além dos que já se encontram nessa situação, que vão ficar sem pão, sem emprego e mesmo sem casa. Muitos hão-de ficar doentes, sem terem possibilidade de recorrer a meios de cura; muitos outros, sobretudo dos mais idosos e carenciados, hão-de perecer. Mas, meus amigos, não há vitória que se alcance sem perda desses bens: o sustento, a saúde, o trabalho, a habitação e a própria vida. A solução para resistir a tais perdas, sem dúvida muito lamentáveis, é não sermos piegas. Mais: trincarmos a língua, se necessário for.
Virarmos a revolta para dentro de nós próprios.
Contemplai o espectáculo lamentável do povo helénico. Vede aquela desordem que vai pelas ruas, os afrontamentos com as forças policiais, os estragos em tantos bens públicos e particulares, o caos semeado pelas cidades. E qual tem sido o resultado de tudo isso? O afundamento do país de dia para dia, a iminência de ruptura e o isolamento de uma Nação do concerto das nações civilizadas. Como já alguém aventou, ninguém chorará o seu desastre.
Pois não é isso que queremos para nós. Queremos vencer, vencer, vencer. E havemos de vencer, custe o que custar, sem pieguices, suportando os sacrifícios que nos forem impostos.
Trincando a língua e mordendo para dentro, mordendo, mordendo. Temos pelo nosso
lado um povo que sabe sofrer, um povo heroico que sabe resistir, que aceita as desgraças, não como um fardo, mas como um fado. O fado é o nosso lado genial, que transforma a pieguice em canto e faz do trincar a língua uma arte do sofrimento.
Eis, meus amigos, o que sinceramente pensa este vosso criado.
Jonathan Swift
(1665-1745)
Alguns dos leitores do pequeno círculo que habitualmente lê as arengas que eu, de muito raro em raro, aproveitando os fugazes momentos de inspiração que me bafejam, vou lançando ao papel, têm-me questionado ultimamente sobre qual o meu entendimento da melhor maneira para levarmos de vencida esta crise que nos assola, como a outros povos da Confederação Europeia.
Não sou nenhuma luminária, nem tenho soluções à mão para ofertar a esses meus benévolos
leitores e, porventura, estarei tão perplexo como eles nesta situação tão complexa, quão espinhosa. Certo é que tenho dado voltas à mioleira, a ver se topo alguma saída airosa. E vai daí, não encontro outra melhor, senão a que se pode definir em duas exortações complementares do nosso ministro-mor. Vêm a ser elas as seguintes: «Não sejamos piegas!» e «é preciso trincar a língua”. Aí estão duas pequenas frases que ficam para a História como frases imortais e que
se ajustam às maravilhas ao combate que fomos chamados a travar.
Nessas duas frases lapidares estão enunciadas as armas com que devemos lutar para vencermos a guerra contra o moderno inimigo que nos ataca – A Crise. E as armas são: não sermos piegas e trincarmos a língua, sempre que preciso for. Vejamos em que consiste o uso e o manejo destas armas e aquilatemos da sua capacidade para derrotar o inimigo.
Estas armas, como logo se alcança, são armas singulares, qual a batalha a que somos movidos. São armas que cada um de nós pode exercitar em si mesmo e manejá-las de uma forma assaz
inédita, virando-as para o interior de nós mesmos, de forma a vencermos os ímpetos que nos impelem para a revolta e a luta contra o exterior. É que a guerra que temos que travar é uma guerra contra nós próprios – os nossos instintos, o nosso inconformismo, a nossa falta de resistência. Seremos tanto mais vencedores, quanto mais nos dermos por vencidos; tanto mais triunfadores, quanto mais nos conformarmos aos ataques de que formos alvo. Parece um
paradoxo, mas não é. A Crise exige de nós sacrifícios de toda a ordem e nós só poderemos anulá-la, sacrificando-nos e calando em nós a revolta e a recalcitração que o sacrifício suscita. É por isso que todos os sacrifícios que nos vão sendo impostos são motivo de grande regozijo e aplauso por parte de outros povos que nos têm ajudado a sacrificarmo-nos, para merecermos o lugar honroso a que temos direito.
O nosso povo (o povo-povo), as classes medianas são quem, naturalmente, mais tem de dar o corpo ao manifesto, não só devido à sua posição (à frente do campo de batalha, como não pode deixar de ser), mas também pela sua valentia, provada ao longo dos vários séculos de existência da nossa gloriosa Nação.
Destarte, muitos serão aqueles, para além dos que já se encontram nessa situação, que vão ficar sem pão, sem emprego e mesmo sem casa. Muitos hão-de ficar doentes, sem terem possibilidade de recorrer a meios de cura; muitos outros, sobretudo dos mais idosos e carenciados, hão-de perecer. Mas, meus amigos, não há vitória que se alcance sem perda desses bens: o sustento, a saúde, o trabalho, a habitação e a própria vida. A solução para resistir a tais perdas, sem dúvida muito lamentáveis, é não sermos piegas. Mais: trincarmos a língua, se necessário for.
Virarmos a revolta para dentro de nós próprios.
Contemplai o espectáculo lamentável do povo helénico. Vede aquela desordem que vai pelas ruas, os afrontamentos com as forças policiais, os estragos em tantos bens públicos e particulares, o caos semeado pelas cidades. E qual tem sido o resultado de tudo isso? O afundamento do país de dia para dia, a iminência de ruptura e o isolamento de uma Nação do concerto das nações civilizadas. Como já alguém aventou, ninguém chorará o seu desastre.
Pois não é isso que queremos para nós. Queremos vencer, vencer, vencer. E havemos de vencer, custe o que custar, sem pieguices, suportando os sacrifícios que nos forem impostos.
Trincando a língua e mordendo para dentro, mordendo, mordendo. Temos pelo nosso
lado um povo que sabe sofrer, um povo heroico que sabe resistir, que aceita as desgraças, não como um fardo, mas como um fado. O fado é o nosso lado genial, que transforma a pieguice em canto e faz do trincar a língua uma arte do sofrimento.
Eis, meus amigos, o que sinceramente pensa este vosso criado.
Jonathan Swift
(1665-1745)