06 julho 2013
A eleição do novo presidente do STJ
Devemos estar orgulhosos pela
forma civilizada como decorreu a eleição do novo presidente do Supremo Tribunal
de Justiça. O acto processou-se dignamente, com elevação e com uma excelente
condução dos trabalhos pela mesa.
Esta eleição, a meu ver,
representa uma viragem e o começo de um novo ciclo no tribunal de cúpula da
organização judiciária portuguesa. Atrever-me-ia a dizer mais: representou um
verdadeiro corte epistemológico na
tradição seguida até aqui, para empregar uma expressão de Gaston Bachelard com
um sentido um pouco transviado.
Pela primeira vez foi eleito presidente
um juiz que acedeu ao STJ pela via do Ministério Público. Já houve presidentes
no passado que tiveram o seu principal desempenho profissional na magistratura
do Ministério Público, como, entre outros, Manso Preto e Pedro de Macedo.
Porém, isso foi no tempo em que os quadros superiores do Ministério Público
provinham da magistratura judicial, ou em que, tendo já ocorrido a separação de
carreiras com a consequente autonomização do Ministério Público, com a Lei n.º 39/78,
de 5 de Julho, certos magistrados dos escalões superiores desta magistratura
continuaram ligados à magistratura judicial, nunca tendo feito a opção pelo
Ministério Público.
Não assim com o presidente agora
eleito, que, tendo feito tal opção numa fase ainda recuada da sua carreira, o
que foi permitido pela citada Lei 39/78, ficou a pertencer aos quadros do Ministério
Público e dentro desta magistratura fez toda a sua evolução profissional, até
ao momento em que reuniu condições para concorrer a juiz-conselheiro do STJ.
Ora, a sua eleição para
presidente nestas condições ocorreu pela primeira vez, o que assume um
significado de relevo dentro da tradição do STJ, em que a maioria dos juízes é
oriunda da magistratura judicial e fazia sentir o seu peso em vários actos
institucionais do Tribunal, sobretudo na eleição para os cargos de chefia, facto
que se tem vindo a diluir gradualmente, mas ainda tinha um bastião de
resistência na eleição presidencial, sendo o presidente do STJ também
presidente, por inerência, do Conselho Superior da Magistratura – o órgão
constitucional de gestão e disciplina dos juízes.
Esse bastião foi agora rompido
com esta eleição, o que significa que a maioria dos seus juízes assimilou que
há várias vias de acesso ao STJ e que todos eles são juízes conselheiros de
pleno direito. E significa mais: que para presidente deve ser eleito
aquele que em melhores condições está
para desempenhar o cargo de uma forma digna e dignificante e que melhor possa
contribuir para o prestígio e a credibilidade dos tribunais, através do exemplo
modelar do STJ e do órgão máximo de gestão e disciplina dos juízes, independentemente
da via por que se acedeu a juiz-conselheiro.
De forma que, com esta eleição, a
maioria dos juízes do Supremo deu um
sinal claro (pela expressividade dos votos, que resolveu a eleição logo
à primeira volta) de rompimento com uma visão corporativa dentro da própria
corporação dos juízes. E deu também um sinal claro de que a escolha deve
recair, como recaiu, em quem sabe distinguir o essencial do acessório, tendo em
vista a dignificação da justiça, que tem como destinatários os cidadãos, e não
põe os olhos em falsas miragens que no
fundo se traduzem em reivindicar para os juízes posições de maior destaque
social ou mediático, mas não necessariamente de mais engrandecimento da função.