18 junho 2013
Em louvor do bom governo que nos governa
(ou de como, para
governar bem, é preciso ter a ousadia de cortar a direito nas reformas que urge
empreender)
Em tempos, escrevi
«Modesta Proposta», que visava contribuir para a diminuição dos encargos do
País e tornar os filhos dos pobres úteis ao público, destinando-os ao comércio
de carne numa determinada percentagem (a restante seria afectada a fins reprodutivos) e patenteando-os ao prazer
da mesa dos ricos, de tal sorte que os pobres veriam aí uma promissora fonte de
rendimento e um incentivo para alimentarem bem os filhos destinados a serem
pitéu das classes abastadas e para continuarem a reproduzir.
Quisera agora redigir
uma proposta de teor semelhante, visando desta feita uma outra classe de
cidadãos: a dos idosos. Estes já se encontram fora do mercado de trabalho, como
agora se diz na nossa era por excelência mercantil. Constituem, por isso, um
encargo para o País, tão mais pesado, quanto mais tempo durar essa fase de
inactividade em que se encontram. Refiro-me, é claro, a uma inctividade em
termos de produção de riqueza, pois só essa conta verdadeiramente. A
prosperidade dos Estados deriva da produção de bens comercializáveis e,
portanto, destinados ao mercado, sejam eles bens dirigidos à satisfação de
necessidades materiais, reais ou imaginárias, sejam eles de outra ordem.
Ora, os idosos, no
geral marginalizados do sistema de produção de riqueza, já não contribuem com
nada para o acrescentamento da prosperidade do País. Pelo contrário: consomem o
que outros produzem, sem nada darem em troca, pelo que, em bom rigor, apenas
representam despesa, contribuindo, sim, para o défice do orçamento. Se não
fosse por parecer demasiado cru, diria que são zeros à esquerda, puras
nulidades, ou menos do que isso, porque as suas vidas não são uma soma zero,
mas uma soma em negativo.
É triste e dá mau
aspecto a uma nação decente ver esses grupos de anciãos a arrastarem os pés
pelas ruas, tolhendo a marcha das pessoas activas, ou dispersos pelos bancos dos jardins em
viciosas jogatinas, ou simplesmente apanhando o sol filtrado pela folhagem das
árvores, tossicando o seu catarro e a sua bronquite. Isto para já não falar dos
que não se movem pelo seu pé e ocupam outras pessoas activas em tarefas que se
resumem a servi-los, ou de instituições inteiramente votadas ao serviço destes
pobres seres inúteis. Um desperdício de forças, de dinheiro e de energias, que
podiam ser canalizados para actividades produtivas.
Se relativamente aos
jovens ainda se pode argumentar que a despesa que acarretam é um investimento
no futuro, em relação a esta categoria de cidadãos não há nenhum futuro que se
lhes anteveja e que possa representar uma esperança de acrescentamento de
qualquer valor. Nem sequer os seus corpos envelhecidos, fracos e doentes apresentam
qualquer préstimo no sentido de, em relação a eles, se imaginar uma saída como
a que, em tempos, propus para os filhos dos pobres e a que aludi no princípio
desta exposição.
De modo que a solução
teria de ser outra. Quisera, como disse, contribuir com uma modesta proposta
para ela, tão eficiente como aqueloutra. Porém, fui ultrapassado pelos próprios
acontecimentos. Na verdade, a solução a que engenhosamente chegou o nosso
ilustríssimo governo, com o apoio de prestigiadas instituições internacionais
que nos têm ajudado nesta hora difícil, não podia ser melhor, nem mais
consentânea com as novíssimas ideias que têm orientado os Estados modernos,
principalmente os do velho continente europeu.
Em primeiro lugar,
levar as pessoas a trabalhar até o mais tarde possível, segundo o princípio de
que se deve trabalhar enquanto houver esperança de vida.
Em segundo lugar,
cortar sem dó nem piedade nas pensões dos apelidados “reformados” (como se as
pessoas a partir de certa idade e já sem préstimo para produzirem riqueza,
tivessem reforma possível). Cortar, pois, nessas pensões o mais que se possa,
com o muito bem achado pretexto de que vivem à custa das gerações mais novas,
incitando estas a revoltarem-se contra essa classe de inúteis, e sem medo de
que tal operação de tesouraria (o chamado corte de tesoura) possa causar
perturbação ou dano à governação, porque já nem para isso aquela tem poder.
Em terceiro lugar,
reduzir ainda mais o património líquido da pensão, cortando-se-lhe mais uma boa
fatia com os impostos e sobrecarregando-a com outros adicionais.
Seria difícil imaginar
tão bem aparelhada solução.
Muitos desses idosos
deixarão, assim, de sair à rua, porque não tendo pernas para andar, também
quererão economizar nos transportes públicos, por baixos que sejam. Desse modo,
evita-se o espectáculo de ociosidade que normalmente patenteiam nos jardins
públicos.
Outros, sendo a velhice
normalmente achacada a doenças, deixarão de poder comprar a dose habitual de
medicamentos. Pois se o dinheiro mal lhes há-de chegar para alimentação, como
lhes há-de sobrar para a farmácia?
Mais depressa marcharão
todos (uns, pela solidão que definha, outros, por carência de cuidados fármacos
ou médicos), para melhor, para a outra vida, a do Além, onde viverão felizes
sem precisão de nenhuma dessas coisas.
De modo que só me resta concluir, lamentando a
minha frustração por não ter tido a sagacidade necessária para redigir uma boa
proposta, ainda que modesta, mas enaltecendo energicamente a arguciosa solução
a que chegaram os nossos governantes, com o honroso aplauso das instituições
internacionais que nos têm prestado a sua tão prestimosa ajuda.
Jonathan Swift
(1665-1745)