19 maio 2015

 

Aviso aos nossos concidadãos e nomeadamente ao nosso povo


(folheto espalhado por vários locais públicos da nossa cidade e que a viração fazia sobrevoar de modo suave e angelical)

 

Dirigimo-nos aos nossos concidadãos para que nunca mais se volte a repetir o estado de cousas a que o país chegou antes de nós ocuparmos as incómodas cadeiras do poder. Nós fomos os instituidores do pensamento verdadeiro e único, que não admite tergiversação, hesitação ou alternativa. O nosso lema é o supremo bem da Nação e, sendo supremo, não há outro pensamento que se lhe sobreponha. Qualquer ideia oposicionista é necessariamente inferior ao nosso projecto e inválida, porque não respeita o supremo bem da Nação.

Agora que se aproxima mais uma pugna decisiva, convém que se emitam alguns avisos, se desmontem algumas tramoias e se refreiem os ímpetos e a ambição de quem se nos opõe.

Em primeiro lugar, os nossos opositores devem resguardar-se de fazer promessas ao povo que, uma vez alcançado o poder, rapidamente transformam em letra morta, fazendo exactamente o contrário do que prometeram. A isso opor-nos-emos firmemente, não porque estejamos isentos de tal prática, mas precisamente porque ela, na esfera dos nossos adversários, se limitaria a copiar o que nós, com tanta singularidade, conseguimos levar a um expoente invejável. Trata-se de uma espécie de marca registada da nossa política, que jamais permitiremos que seja usurpada pelos nossos adversários, que é como quem diz, pelos adversários do supremo bem da Nação.

Para além disso, as nossas promessas, se não foram cumpridas, foi porque assim o exigiu o superior interesse do país, ao passo que as dos nossos opositores não podem ser cumpridas, porque escamoteiam aquele superior interesse, que só pela nossa política pode ser alcançado. Destarte, das duas, uma: ou eles deixam de cumprir as suas promessas, porque, na realidade, as não podem cumprir e têm de vir ao encontro do nosso projecto, que tem uma marca autoral inconfundível, ou intentam cumprir o que prometeram e começam a destruir o que nós temos vindo a fazer.

Ora, o nosso trabalho não tem consistido em outra cousa senão o de destruir o que estava feito antes de nós, pelo que, se eles vêm destruir o que nós temos vindo a destruir, isso quer dizer que eles vêm pôr de pé o que nós andamos a deitar abaixo.

Uma tal cousa é inconcebível, porque faz da nobre arte da política uma brincadeira de crianças, ou, se quisermos usar uma linguagem um pouco mais erudita e um pouco menos infantil, um tal móbil viria dar à vida nacional aquele sentido do absurdo que se extrai do antigo mito de Sísifo. Eles tinham colocado a pedra no cimo da montanha; nós fizemo-la rolar cá para baixo e eles propõem-se transportá-la de novo para o cimo, até que seja necessário que alguém, com a nossa coragem, a faça descer rapidamente cá para baixo.

Punhamos àquela “pedra” o nome de “dívida” e aí temos a figuração exacta do absurdo. Os nossos opositores tinham-na elevado até ao ponto mais alto da montanha, porque gastaram à tripa-forra com benefícios indevidos que espalharam pela população (chamam eles a isso “projecto social”) e puseram o povo a viver acima das suas possibilidades. Nós tivemos que reequilibrar a balança, para o que foi preciso recorrer ao penoso esforço de retirar à maioria da população o que em demasia lhe tinha sido dado, o que, junto a outras causas e cousas, veio a resultar em muita destruição que houve mister de fazer ou que não foi possível evitar.

Eis por que são perigosas, para além de falsas, as promessas dos nossos opositores de voltarem a pôr de pé o que nós andámos a deitar abaixo. Caso, por desgraça nossa, os nossos opositores filassem o poder e conseguissem levar por diante esse projecto, lá teríamos que vir nós para reequilibrar de novo a balança e – não tenhamos qualquer dúvida - quem mais uma vez sofreria a parte mais acerba do sacrifício voltaria a ser o nosso povo, que, dessa feita, apanharia em cheio, na cabeça, com a pedra que inevitavelmente rolaria pelo declive. E que pedregulho, tão avolumado pela recidiva, não seria esse, caros concidadãos!

De onde se retira que o nosso povo não tem outro caminho senão seguir no trilho por nós traçado, rejeitando as promessas dos nossos opositores, que, aliás, vão ser sujeitas a um moderno teste de mentiras, e apoiando o nosso projecto nacional, que ainda precisa de ser aprofundado nos vários recortes que o caracterizam.

 A bem do supremo bem da Nação.

(Jonathan Swift – 1665-1745)





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