03 janeiro 2017

 

Mister Belzebu

Ou da confiança que devemos depositar nas moscambilhas de Demon

O novo ano é ainda um infante a dar os primeiros vagidos. Muita coisa nos alvoroça, a imaginarmos o que poderá surgir ao longo dos dias e dos meses durante os quais se vai estender o ano que agora principia. Os nossos amigos das gazetas e dos meios sonoros e visuais e dos novíssimos meios digitais apreciam sobremaneira pôr-se a fazer adivinhações acerca do que, estando escondido no bojo do novo ano, vai aparecer em forma de acontecimento. Pois eu vou tentar também, num exercício sério e despudorado, contribuir para o desvelamento do que pode vir a surgir no nosso país tão pequeno e tão maltratado, mas tão magnífico.
O ano que passou foi um ano para esquecer. Os nossos adversários (e, em bom rigor, adversários não só nossos, mas do próprio país) assenhorearam-se do leme da governação, aliando-se a forças marginais e defraudando os sãos princípios que até aí regeram a vida democrática da Nação. Uma vez instalados no posto de mando, iniciaram a sua obra de reconstrução de tudo aquilo que nós havíamos deitado por terra, a bem de uma ordem aceitável em que se desse poder aos de cima e os de baixo perdessem espaço de manobra. Assim, começaram a repor os soldos e vencimentos das classes obreiras, a restaurar prestações compensatórias, ditas sociais, a abrir os cordões à bolsa a quem, por idade, já não tem préstimo, a restituir as horas e dias feriados que tinham sido recuperados ao povo trabalhador, enfim, a restabelecer as leis laborais que tanto trabalho deram para serem revogadas.
Tão calamitosa tem sido, do ponto de vista dos nossos interesses (e, evidentemente, do país) a rota seguida por esta governação, que nós, os usurpados do poder, começámos a invocar a grande figura de Belzebu para vir em nosso auxílio. Com efeito, Belzebu foi o monstro sagrado em que nós confiámos para nos dar sorte e nos restituir o poder que nos foi roubado. Belzebu seria a figura excelsa do Bem, o autêntico Messias do qual dependeria a nossa salvação (e, evidentemente, a do país).
De tempos a tempos, com uma insistência ansiosa, o nosso ex-ministro-mor vinha anunciar que Belzebu iria, enfim, chegar e com ele a Boa-Nova: o regresso do nosso reinado. Fazia lembrar aqueles que anunciam o fim do mundo para determinadas datas e, surgindo o dia aprazado, o mundo continua a rolar como se nada fosse. No dia em que Belzebu aparecesse, tanbém o errático mundo político em que temos vindo a viver viraria de cangalhas, o governo dos esquerdinos seria atirado para as profundas do Inferno e os Eleitos, colocados à mão direita do Senhor dos Passos, voltariam a reinar e a colocar tudo na devida ordem.
Belzebu viria com certeza, ornamentado com os seus chifres e abanando o seu rabicho arteiro e, insinuado nas mentes débeis dos nossos adversários, levá-los-ia a multiplicar as benesses ao povinho ingénuo e, quando eles mal se precatassem, bêbedos de tanto forrobodó, seriam atirados abaixo da geringonça que montaram. Seria bonito e uma festa rija para todos nós (e do nosso país, evidentemente) ver o actual ministro-mor cair de costas e rojar no chão, vencido pelas travessuras de Belzebu.
Mister Belzebu não veio, afinal, durante todo o ano que acabou de expirar. Nem sempre, porém, o nosso Salvador vem quando mais desejamos, mas não devemos desesperar. Estão para chegar novas tentações de Belzebu e elas já se fizeram anunciar sob novas formas de benesses sedutoras a distribuir pelo governo dos esquerdinos. Apesar de um pouco desacreditado pelas falhas de previsão na sua vinda, confiemos em Belzebu e nas suas travessuras, porque ele há-de ar-nos a sua protecção.
Bom Ano para todos os nossos correligionários (e para o nosso país, evidentemente) do vosso sempre

Fiel

Jonathan Swift (1665-1745)








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