19 outubro 2017
As tragédias portuguesas
Se
a tragédia de Pedrógão revelou falhas também a nível do governo,
nomeadamente no que diz respeito ao ministério da Administração
Interna, como resulta do relatório dos peritos, que só conheço
através das sínteses dos jornais, a tragédia destes últimos dias
torna-se mais grave, por, aparentemente, o governo não ter
aproveitado os ensinamentos daquela e ter relaxado após a cessação
oficial do Verão e a entrada no Outono, reduzindo os meios de
combate, quando é manifesto que as estações andam trocadas e
alteradas. Porém, os que agora aparecem a gritar a sua indignação,
que quota-parte é que não têm nas mais de 100 mortes que ocorreram
nas duas tragédias, para assim fingirem de inocentes e exibirem o
seu mais do que duvidoso luto, enchouriçados de preto até ao
pescoço?
Costa
teve o azar de ambas as tragédias terem ocorrido no seu governo, mas
elas podiam ter acontecido, mais coisa menos coisa, com qualquer
outro governo, pois cada qual tem vindo a contribuir com a sua acção
ou inacção, ao longo destas décadas, para a deflagração delas. O
governo anterior não está isento e além do mais, cedendo a
interesses particulares, até procedeu à liberalização do
eucalipto, que tem sido apontado, conjuntamente com o pinheiro, como
o combustível mais propício, na nossa ordenação florestal, ao
alastramento dos fogos. E os governos centrais não são, como já
referi em escritos anteriores, os únicos culpados; também o são
as autarquias, outras entidades singulares e colectivas e os próprios
cidadãos.
Nós,
portugueses, somos mesmo assim. Na hora da verdade, o nosso país
revela imensa fragilidade e pouca ou nula credibilidade. Quando a
tragédia nos bate à porta, não falta quem lamurie, quem se
indigne, quem responsabilize o outro, como não falta quem se
desentranhe em solidariedade e quem mostre o rosto compungido diante
das câmaras da televisão ou nas capas dos jornais. Mas, passada a
hora do luto e da lágrima, já estamos a cair no comportamento
relaxado e, pior do que isso, a defraudar as regras que nós próprios
criamos para prevenirmos tragédias futuras.
O
Marquês de Pombal foi dos raros homens de Estado que, diante da
tragédia, voltou costas à lamentação e à carpidura e enfrentou
as dificuldades com energia, denodo e lucidez, lançando uma
fantástica obra de recuperação e de prevenção de desastres
futuros, mas as gerações posteriores não só não lhe deram
continuidade, como se encarregaram de a ir destruindo, até que
sobrevenha a próxima catástrofe.
Ora,
do que nós precisamos é desse espírito de coragem, rasgo e
tenacidade, mais do que de lamentação e de pedidos de desculpa (as
mortes não se desculpam). Precisamos é de mudar de mentalidade e de
atitude para iniciarmos um novo ciclo, não apenas político, mas de
vivência colectiva.