01 janeiro 2019
Sobre o Ano Novo
Sobre
o Ano Novo
(onde
se fala dos males que nos apoquentam e das esperanças de renovação
em muitas partes boas da nossa vida e se sugerem algumas melhorias
que esperamos não sejam tidas como presunçosas)
Os
tempos que vão correndo são propícios à mudança, uma mudança
que nem sempre traz prenúncios de horizontes novos e mais rasgados.
Vejam-se as mudanças climáticas: que nuvens negras se acastelam
sobre o futuro, toldando a vida dos nossos filhos e netos, quiçá
impossibilitando a existência humana no planeta (e de outros seres
vivos, evidentemente), efeitos sinistros que já hoje vão germinando
e produzindo estragos e ameaçando crescer até ao limite último de
onde não há regresso ou possibilidade de recuperação. Cousa
surprendente é haver gente responsável a nível mundial que nega
tais efeitos, como é o caso daquele magnata do imobiliário que
conseguiu trepar ao lugar cimeiro da Casa Branca (o Presidente Trepa)
e agora pensa que pode fazer voltar tudo para trás, incluindo rasgar
os tratados firmados pelos seus antecessores, dos quais se destaca o
Tratado de Paris sobre o clima, fazendo todos os possíveis por
contrariar os compromissos ali assumidos pelas nações civilizadas,
aumentando assim os riscos de uma catástrofe sobre a Terra. Bem se
pode dizer desse senhor que é um empreiteiro de torres maléficas e
que devia poder ser julgado pelas suas acções danosas para a
humanidade em geral.
E
já que falo do presidente Trepa, lembremos outro fenómeno mui
relacionado com a sua ascensão ao poder – o fenómeno a que chamam
de populismo, o qual consiste em indivíduos fora do
sistema e tantas vezes ignaros, como o presidente acima aludido, ou
movimentos que surgem também of site ganharem a
adesão de multidões descontentes, posicionando-se contra tudo e
contra todos, como se fossem eles os autênticos arautos da
felicidade e assumindo atitudes inovatórias e fazendo promessas
enganadoras, que são o isco que muita gente incauta morde, pensando
ser o maná a cair-lhes do céu. Ora, este fenómeno, que tem
recrudescido com as chamadas redes sociais,onde corre muito isco
infectado, preso a dissimulados anzóis que agarram o peixe miúdo e
médio com uma facilidade espantosa, querendo-se com esta linguagem
figurada aludir, evidentemente, a pescaria humana em águas muito
turvas, é um fenómeno que está a intoxicar a vida colectiva dos
povos, sendo uma grande preocupação para o novo ano que agora
principia e, porventura, para os próximos anos, e constituindo, a
par da intoxicação do ar que respiramos, um caso verdadeiramente
sério e uma incógnita para o futuro.
Mas
vamos às boas notícias e a principal que me vai ocupar hoje é a
que diz respeito à renovação da língua, a que me referi já no
meu último escrito. Desta feita, o caso tem a ver com animais
irracionais (e talvez possa adiantar já que a fronteira entre
animais racionais e irracionais é discriminatória e tenderá a
desaparecer um dia). Para já, há que acabar com algumas expressões
que fizeram carreira nos tempos bárbaros e que persistem
escandalosamente nos tempos actuais. São expressões que
inferiorizam certas espécies e que não têm mais razão de existir.
Tomemos aquele exemplo que tem feito voga e que um dos nossos
renovadores da língua muito oportunamente veio trazer à
baila: matar dois coelhos de uma cajadada só. Ora aí
está uma expressão que deve ser banida a bem da dignidade dos
leporídios e da expurgação da língua. E já que falo desta
espécie de animais, estou convencido de que os referidos renovadores
da língua pátria, hão-de, por certo, deitar um olho critico às
ementas dos restaurantes e detectar o que por lá vai de ofensas aos
tão simpáticos coelhinhos, e estou a lembrar-me de nomes de pratos
como “coelho à caçador”, que refere uma certa forma de cozinhar
o dito, associando-a aos seus matadores, pois outro epíteto não
merecem os designados caçadores. Aliás, matar um animal há-de ser
crime de animalicídio e comê-lo, o equivalente a ser antropófago,
ou seja, um repulsivo animalófago, e não é preciso ser grandee
adivinho para prever isto num futuro próximo.
Mas
vejamos o caso do “porco”. É este um designativo que tem que
acabar e desaparecer da língua, pois achincalha o simpático animal
que chafurda nos chiqueiros das nossas povoações rurais. A
designação de porco preto acrescenta à injúria
do nome o estigma racista e é ver o zelo que se põe na elaboração
das ementas dos restaurantes, ao assinalarem de forma especial a
carne do dito “porco preto”, para estimular o apetite dos
comensais e levá-los a atirarem-se com uma desenfreada glutonice às
variadas secções do corpo do suíno, as quais se comem todas sem
excepção, das bochechas ao rabo.
Mas,
se há expressões e designações a que se deve pôr termo, como
tenho dito na esteira auspiciosa de certos renovadores da língua (e
outras sugeri eu acima, animado pelo espírito de sã colaboração),
outras há, principalmente designativos, que penso deverem manter-se
e não serem consideradas ofensivas. Por exemplo: chamar cavalo, cão
ou camelo a uma pessoa humana (porco, nunca, pelas razões já
referidas) deve ser tido como promotor da dignidade dos animais, já
que os eleva à estatura humana e os indivíduos desta última
espécie não podem sentir-se ofendidos com isso. Não faz excepção
a esta regra o designativo de “burro” aplicado a um ser humano,
não obstante aquelas burrices dos antigos professores da escola
primária e do colégio, ao assinalarem com o nome do simpático
asinino um aluno mais tardo a aprender ou mesmo calaceiro, pondo-o à
frente da turma com umas orelhinhas de asno. Já a expressão andar
de cavalo para burro deve ser banida, uma vez que degrada o
gado muar e é ofensiva da igualdade das espécies.
E
com estas considerações me despeço, pois já vai longo o arrazoado
para pincípio de ano, desejando a todos uma vida nova com mais
igualdade, paz e amor entre todas as espécies.
Votos
sinceros do vosso
Jonathann
Swift
(1665-1745)