16 novembro 2006

 

Nem tudo o que é especial é bom

Não se percebeu ainda muito bem o que verdadeiramente pretende o Governo – e quais as respectivas motivações – com a anunciada criação de um Procurador Especial de sabor estadunidense. No entanto, julgo que ela merece, para já (o cepticismo está-me inscrito no modo-de-ser), algumas reservas, que, entrando na discussão despoletada por Ricardo Matos e Paulo Dá Mesquita, alinho de modo breve e a “a benefício de inventário”:
1 – Em primeiro lugar, e ao menos numa apreciação ex abrupto da noticiada proposta, permito-me discordar de Paulo Dá Mesquita quando sugere que a razão por detrás da nomeação dos vários special prosecutors (aliás, desde 1983, Independent Counsels, como modo de evitar um nomen muito conotado com o caso Watergate) nos E. U. A. – “a remoção do procurador da estrutura estabelecida na lei de molde a assegurar uma investigação imparcial” – pode ser trasladada para a nossa realidade jurídico-constitucional e institucional. Precisamente aquela razão é válida, naquele país, porque o MP é ali, em sentido próprio, órgão do executivo e o Attorney General, um verdadeiro ministro da justiça. Não é por acaso que a lei que regula a nomeação do Independent Counsel nos E. U. A. refere que, após a nomeação, por um painel de 3 juízes do U. S. Court of Appeals do Distrito de Colúmbia, ele fica dotado de “full power and independent authority”. Portando, uma preocupação de garantir, ali, uma independência face ao executivo que, segundo creio, a autonomia assinalada ao nosso MP já acautelou (e, aliás, foi constitucionalmente reconhecida, de entre outros, para esse fim).
2 – Em segundo lugar, a proposta apresentada – ao permitir nova investigação (pelo Parlamento) e nova acusação (pelo Procurador Especial), se para tanto ocorrer deliberação bastante, na sequência de arquivamento ou não pronúncia proferidos pelo MP ou Juiz de Instrução nos termos gerais da lei processual penal – está na verdade a fazer duas coisas:
2.1. Em primeiro lugar, de forma preocupante, subverte o princípio de que é a verdade que faz o juízo e não a autoridade: esta faz, tão só, a lei. Tenho dificuldade em admitir acusações porque uma maioria, seja qual for, assim o decide (e note-se que o argumento não pode aplicar-se, sem mais, ao tribunal de júri).
2.2. Em segundo lugar, está a transparecer, quanto a mim de modo inequívoco, uma extrema desconfiança do MP e do Juiz de Instrução e, no fundo, como que por paradoxo, despreza as instituições e as regras que ele próprio (Parlamento) aprovou a este propósito. Se elas não servem, deve revogá-las e alterá-las, não fazê-las concorrer com outras figuras e regras com as mesmas funções e objectivos. Matá-las é legítimo; desprezá-las é indigno.
3 – Em terceiro lugar, ao se personalizar, de modo radical (como é inevitável, para o caso de nomeação de Procurador Especial), a função de exercício da acção penal, corre-se um risco que é bastamente denunciado nos E. U. A.: o de tornar ainda mais mediáticos e sujeitos a pressões as mais díspares os casos que, em virtude da notoriedade dos investigados, já são por si muito mediatizados.
3 – No mais, e por fim, tudo é ainda nebuloso e não merece, para já, comentário, que correria o risco de ser injusto. Desde as relações entre a Comissão de inquérito e o Procurador Especial (p. ex., este pode arquivar, se a Comissão enviar os “autos” para acusação?) e as relações entre este e o PGR (também responde, e em que medida, perante este? E, nesse caso, como se compatibiliza a eventual responsabilidade concorrente perante o Parlamento e o PGR?), até aos critérios para nomeação da pessoa a prover no cargo, etc. Mas estas são contas de outro rosário.





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