14 janeiro 2007
O best seller
Nos seus balanços de fim de ano, alguns intelectuais colocaram o livro Eu, Carolina entre os cinco que mereceram a sua distinção. É claro que, excluindo a provocação, que também a há nessa indicação, o que se pretende valorizar não é, obviamente, a qualidade do livro, mas o seu impacto a diversos níveis, todos eles extraliterários.
Comprei o livro (9.ª edição) numa reputada tabacaria do Porto. Estava uma resma deles em cima do balcão, quando me preparava para pagar a habitual carga de jornais com que sobrecarrego o fim de semana. Vai daí, resolvi comprá-lo (já o tencionava fazer, mas estava sempre esgotado). O curioso é que uma senhora já entradota na idade, bem apessoada, que estava ao meu lado, fez uma cara de quem engole uma colher de óleo de fígado de bacalhau. Olhei para ela, pois foi por causa da minha manifestada disposição de comprar o livro que ela fez aquela carranca tão feia. Sentiu-se na necessidade de declarar amavelmente: “Comprar isso é comprar lixo”. Ripostei: “Pois será. E quem disse à senhora que o lixo não tem utilidade? Não há por aí tanta gente a esgaravatar no lixo, à procura de alguma coisa de préstimo?” O dono da tabacaria interveio em meu auxílio: “Eu acho que o senhor Dr. faz bem em ler o livro.” E deixou no ar umas reticências que significavam algo de muito ponderoso e, porventura, subreptício.
Vim com o livro e fui-o lendo naqueles intervalos em que um fabiano pode sentir apelo para fazer palavras cruzadas ou simplesmente olhar para o ar, ou enquanto o semáforo muda de vermelho para verde. Ao fim de 10 semáforos, já temos alguns capítulos lidos.
O meu fito eram as tão propaladas denúncias que ela (Carolina Salgado) fazia. Tencionava mesmo passar por cima do resto. Mas o livro é praticamente ocupado, quase todo, com a história do “grande amor” entre ela e Jorge Nuno, como persiste sempre em chamar-lhe, do princípio ao fim. Vive mesmo da obcecação de contar essa história, uma verdadeira história cor-de-rosa, cujo fim deixa na narradora (e chamo-lhe assim, porque ela não escreveu o livro, embora seja o sujeito da narração) uma visível nostalgia e sinais de drama. O livro é o toque a finados desse amor ou telenovela real.
Quanto ao que eu mais procurava – as tais denúncias de um universo de corrupção, que simbolizaria muito do Portugal actual – existe mais como promessa do que como realidade posta em letra de forma. Há um cheirinho disso, misturado com outros maus odores de mau gosto, como aquela história do cheiro nauseabundo que, a dada altura, Carolina, rodeada de Jorge Nuno e dos seus animais (cães e gatos) começou a sentir dentro do carro, insinuando particularidades fisiológicas do companheiro.
O que vem à tona são pequeninas facadas de retaliação, de mistura com intimidades domésticas e com alguns vislumbres, como uma paisagem de fundo, de um mundozinho onde se pressentem coisas realmente mal cheirosas. Sério, sério, a par de algumas revelações de pantomineira arrogância em relação ao cumprimento da lei, parece ser o caso da agressão a Ricardo Bexiga. Vamos a ver o que dará na prática.
Fora isso, sempre tem interesse ver a forma como vivem certas pessoas, os seus ideais e frustrações, os seus valores e os seus interesses, os seus afectos e as suas paixões, os circuitos por onde se movem e as facilidades, as benesses, as bênçãos e os favores do destino ou o que quer que seja com que se orientam na vida.
Comprei o livro (9.ª edição) numa reputada tabacaria do Porto. Estava uma resma deles em cima do balcão, quando me preparava para pagar a habitual carga de jornais com que sobrecarrego o fim de semana. Vai daí, resolvi comprá-lo (já o tencionava fazer, mas estava sempre esgotado). O curioso é que uma senhora já entradota na idade, bem apessoada, que estava ao meu lado, fez uma cara de quem engole uma colher de óleo de fígado de bacalhau. Olhei para ela, pois foi por causa da minha manifestada disposição de comprar o livro que ela fez aquela carranca tão feia. Sentiu-se na necessidade de declarar amavelmente: “Comprar isso é comprar lixo”. Ripostei: “Pois será. E quem disse à senhora que o lixo não tem utilidade? Não há por aí tanta gente a esgaravatar no lixo, à procura de alguma coisa de préstimo?” O dono da tabacaria interveio em meu auxílio: “Eu acho que o senhor Dr. faz bem em ler o livro.” E deixou no ar umas reticências que significavam algo de muito ponderoso e, porventura, subreptício.
Vim com o livro e fui-o lendo naqueles intervalos em que um fabiano pode sentir apelo para fazer palavras cruzadas ou simplesmente olhar para o ar, ou enquanto o semáforo muda de vermelho para verde. Ao fim de 10 semáforos, já temos alguns capítulos lidos.
O meu fito eram as tão propaladas denúncias que ela (Carolina Salgado) fazia. Tencionava mesmo passar por cima do resto. Mas o livro é praticamente ocupado, quase todo, com a história do “grande amor” entre ela e Jorge Nuno, como persiste sempre em chamar-lhe, do princípio ao fim. Vive mesmo da obcecação de contar essa história, uma verdadeira história cor-de-rosa, cujo fim deixa na narradora (e chamo-lhe assim, porque ela não escreveu o livro, embora seja o sujeito da narração) uma visível nostalgia e sinais de drama. O livro é o toque a finados desse amor ou telenovela real.
Quanto ao que eu mais procurava – as tais denúncias de um universo de corrupção, que simbolizaria muito do Portugal actual – existe mais como promessa do que como realidade posta em letra de forma. Há um cheirinho disso, misturado com outros maus odores de mau gosto, como aquela história do cheiro nauseabundo que, a dada altura, Carolina, rodeada de Jorge Nuno e dos seus animais (cães e gatos) começou a sentir dentro do carro, insinuando particularidades fisiológicas do companheiro.
O que vem à tona são pequeninas facadas de retaliação, de mistura com intimidades domésticas e com alguns vislumbres, como uma paisagem de fundo, de um mundozinho onde se pressentem coisas realmente mal cheirosas. Sério, sério, a par de algumas revelações de pantomineira arrogância em relação ao cumprimento da lei, parece ser o caso da agressão a Ricardo Bexiga. Vamos a ver o que dará na prática.
Fora isso, sempre tem interesse ver a forma como vivem certas pessoas, os seus ideais e frustrações, os seus valores e os seus interesses, os seus afectos e as suas paixões, os circuitos por onde se movem e as facilidades, as benesses, as bênçãos e os favores do destino ou o que quer que seja com que se orientam na vida.