09 maio 2007
Caçadores de crimes
Afinal, também ouvi no telejornal de ontem (o que significa que, contrariamente ao costume, os telejornais andam a martelar a mesma ideia há vários dias) que havia quem opinasse que o caso da criança desaparecida no Algarve podia configurar um crime de abandono. E lá veio um jurista com o dedo ameaçador apontado ao art. 138.º do Código Penal, segundo o qual:
Quem colocar em perigo a vida de outra pessoa: a)expondo-a em lugar que a sujeite a uma situação de que ela, só por si, não possa defender-se, ou b) abandonando-a sem defesa, sempre que ao agente coubesse o dever de a guardar, vigiar ou assistir, é punido com a pena de 1 a 5 anos, agravada para 2 a 5 anos, se o agente for ascendente da vítima, e para 2 a 8 anos, se tiver resultado ofensa física grave, e ainda para 3 a 10 anos, se tiver resultado a morte.
Depois, esse jurista desmultiplicou-se em laboriosas explicações sobre o dolo. O problema era saber se tinha ou não existido dolo, ao menos sob a forma eventual, o qual exige a representação como possível do resultado, conformando-se o agente com essa possibilidade, ou, segundo o mesmo jurista, tendo a obrigação de prever esse resultado.
Para além de alguma confusão conceitual nesta explicação, a questão é simplesmente terrífica. Há juristas que estão sempre à cata de um crime para qualquer situação. O direito penal, para eles, não passaria de uma teia medonha onde o mais pacífico cidadão poderia inadevertidamente, no dia-a-dia, ser apanhado no seu caprichoso emaranhado. Imagine-se estes pobres pais a terem de responder por um crime de abandono da infeliz Madeleine, porque a não vigiaram ininterruptamente durante as 24 horas do dia. Por um crime? Por três crimes, visto que foram três as crianças que eles abandonaram à sua sorte, sem defesa, expondo-as ao perigo de vida, embora só uma delas tivesse sido raptada.
É verdade que, se calhar, os pais da Madeleine agiram com alguma imprevidência. Mas crime de abandono? Oh caçadores de crimes! Um pouco mais de contenção, sobretudo diante das câmaras.
Quem colocar em perigo a vida de outra pessoa: a)expondo-a em lugar que a sujeite a uma situação de que ela, só por si, não possa defender-se, ou b) abandonando-a sem defesa, sempre que ao agente coubesse o dever de a guardar, vigiar ou assistir, é punido com a pena de 1 a 5 anos, agravada para 2 a 5 anos, se o agente for ascendente da vítima, e para 2 a 8 anos, se tiver resultado ofensa física grave, e ainda para 3 a 10 anos, se tiver resultado a morte.
Depois, esse jurista desmultiplicou-se em laboriosas explicações sobre o dolo. O problema era saber se tinha ou não existido dolo, ao menos sob a forma eventual, o qual exige a representação como possível do resultado, conformando-se o agente com essa possibilidade, ou, segundo o mesmo jurista, tendo a obrigação de prever esse resultado.
Para além de alguma confusão conceitual nesta explicação, a questão é simplesmente terrífica. Há juristas que estão sempre à cata de um crime para qualquer situação. O direito penal, para eles, não passaria de uma teia medonha onde o mais pacífico cidadão poderia inadevertidamente, no dia-a-dia, ser apanhado no seu caprichoso emaranhado. Imagine-se estes pobres pais a terem de responder por um crime de abandono da infeliz Madeleine, porque a não vigiaram ininterruptamente durante as 24 horas do dia. Por um crime? Por três crimes, visto que foram três as crianças que eles abandonaram à sua sorte, sem defesa, expondo-as ao perigo de vida, embora só uma delas tivesse sido raptada.
É verdade que, se calhar, os pais da Madeleine agiram com alguma imprevidência. Mas crime de abandono? Oh caçadores de crimes! Um pouco mais de contenção, sobretudo diante das câmaras.