20 outubro 2009

 

Vêm aí mais reformas

Já se anunciam alterações aos Códigos Penal e de Processo Penal, depois de uma vigência de dois anos das últimas, extensas, que foram introduzidas. Então, essas alterações foram postas em vigor num curto espaço de tempo após a sua publicação (cerca de 15 dias), no final das férias de Verão, na freima característica da reabertura dos tribunais, com a agravante de não se ter proporcionado qualquer arrimo (estudos preparatórios, debates entre os interessados, uma simples introdução aos diplomas legais modificados) que servisse de orientação aos aplicadores das novas leis. Dá a impressão que tudo se quis fazer, não de modo célere, mas de rajada, quase de surpresa, precisamente para evitar a discussão entre os profissionais do Direito, nomeadamente os magistrados, que eram o alvo preferencial da “luta anticorporativista” do governo. Estes não tinham nada que se pronunciar sobre as alterações legislativas, pois isso seria o mesmo que «meter a foice em seara alheia», competindo essa tarefa ao poder político, mais concretamente ao poder legislativo, e aos magistrados, simplesmente, aplicar o produto fabricado por aqueles. Assim mandava a separação de poderes. Claro que o tom com que certos responsáveis lembravam essa divisão de funções vinha carregado de acinte e tinha muito a ver com uma espécie de «ajuste de contas», que tinha a sua origem no processo da Casa Pia, como o reconhecem muitos juristas. Mesmo o Prof. Costa Andrade, um penalista da Escola de Coimbra cujo prestígio é incontestável, escreveu em vários números seguidos da Revista de Legislação e Jurisprudência um ensaio, significativamente intitulado «Bruscamente no Verão Passado», justamente a criticar o aparecimento-relâmpago das reformas, com quebra, em variados pontos, da unidade, sistematicidade e filosofia dos códigos, e atribuindo muitas das soluções ao famosíssimo processo.
Ora, uma coisa seria evitar o escolho corporativo, que, porventura pudesse ter reflexo nas reformas a introduzir, e outra, bem diferente, auscultar a opinião não despicienda de profissionais do Direito (advogados, magistrados, juristas de outras proveniências), que, por força da sua praxis, teriam certamente muitas observações úteis e enriquecedoras a fazer sobre alterações tão significativas como as que foram produzidas. O enquistamento na exclusão desse diálogo (inédito na história das reformas legislativas sobre diplomas fundamentais) só poderia ter o sentido de uma deliberada ostracização, com foros de arrogância punitiva.
Estão-se a ver agora os resultados a que uma tal política conduziu. A discussão ampla que se devia ter processado antes foi transferida para o momento da aplicação da lei, com problemas de toda a espécie a surgirem no dia-a-dia dos tribunais a propósito da interpretação dos aparentemente mais comezinhos problemas. O número de recursos extraordinários para fixação de jurisprudência no Supremo Tribunal de Justiça, a pretexto das questões mais banais, é um exemplo flagrante disso mesmo. De forma que o que se pretendeu célere redundou em complicação e perda de tempo. E, pior do que isso: trouxe acrescidos problemas à realização da justiça, com aumento do desprestígio desta.
O Observatório da Justiça veio agora reconhecer isso mesmo, embora sem o dizer expressamente, mas dizendo-o de forma implícita, com a preconização de novas alterações às leis penais, em pontos cruciais, cujo fracasso rotundo não podia mais ser escondido, ultrapassada que foi a fase crítica das eleições.





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