12 março 2011

 

Aviso na Quaresma


O Governo de Sócrates entrou na arena política como um touro embravecido a investir contra os privilégios das chamadas “corporações”, tentando aniquilar certos grupos profissionais de um modo cego, indiscriminado e demagógico. Semeou ventos e colheu tempestades, fingindo ignorar com arrogância as reacções maciças a que tal política, em alguns casos, deu lugar. Nunca atacou, porém, os privilégios das velhas classes dominantes e até deixou que, em muitas situações, eles recrudescessem ou se restaurassem. Fomentou algumas políticas ditas “fracturantes” (a questão do aborto, do casamento, dos homossexuais), para se pôr à la page com uma esquerda que via aí um novo filão de luta e um modo de manter acesa a velha chama revolucionária, mas porque tais questões não punham minimamente em causa os fundamentos de uma sociedade cada vez mais assente na mercantilização total e numa exploração que não tem agora, a tolhê-la, sobretudo depois da queda do Muro, nenhuma barreira ideológica e nenhum motivo para se retrair ou embuçar.
Com a chamada “crise”, foi então o fim. O fim do vilipendiado (por uns) e apregoado (por outros) Estado Social. As políticas adoptadas (os vários PEC) atacam sucessivamente as mesmas classes: os trabalhadores, os funcionários públicos, as classes médias, que vivem sobretudo dos rendimentos do seu trabalho. A música tem sido sempre tangida na mesma clave: salários, pensões, prestações sociais, ataque à saúde dos mais débeis com a drástica redução das comparticipações, impostos sobre impostos a incidirem sobre os rendimentos de quem trabalha e sobre o consumo de quem mais precisa. Os bancos (que muito contribuíram para a crise financeira) prosperam, afinal, com lucros que nos deixam de boca aberta; os numerosos institutos e fundações que foram criados para dar lautos empregos a clientelas partidárias, as empresas públicas, onde se refugiam muitos políticos retirados da política, cujos chorudos vencimentos a Assembleia da República (quer dizer, o PS e o PSD) se recusou a baixar, como em tempos permitiu a manobra da antecipação da distribuição de dividendos e a correspondente fuga aos impostos, permanecem intocados. Alguns (poucos) enriquecem como nababos, enquanto a maioria se atola na crise, empurrada para o fundo com sucessivos PEC.
Os jovens, claro, formam grande parte dessa espécie de “exército industrial de reserva”, à mercê das vicissitudes do sistema e à mercê dos caprichos dos chamados “empregadores”. As manifestações de hoje são um sinal, um aviso sério. Não são um carnaval. Muito menos agora, que estamos francamente a viver a Quaresma.





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