10 junho 2011

 

Carta aberta a Luís de Camões

Resolvi escrever-te uma carta aberta porque és figura pública e não estou seguro de que, enviando a carta para os Jerónimos, a receberias, já que dizem as más línguas que não é o teu corpo que está no teu túmulo oficial.
Tenho algumas coisas para te dizer e vou direito ao assunto porque neste dia costumas andar muito ocupado a ouvir os muitos discursos em tua homenagem (que tu não deixas de ouvir com alguma vaidade, mas olha que aquilo é só retórica, não te enganes…).
Eu quero dizer-te a verdade, a verdade que te é escondida nos discursos oficiais. E a verdade é esta: estamos, caro Luís, num momento muito difícil da nossa história, quase à beira do abismo!
Não penses, porém, que tivemos alguma derrota militar ou alguma catástrofe natural. Qualquer desses eventos, ainda que desastrosos, não tocaria na nossa honra, na nossa dignidade. As derrotas de hoje são as vitórias de amanhã. E as catástrofes naturais geram um sentimento de solidariedade universal.
Ora o que nos aconteceu não é nada honroso. É um problema de dinheiros, de dívidas, de calotes, não evitemos a palavra! Estamos todos de tanga, os portugueses e a Nação! Sim, amigo Luís, somos todos uns caloteiros, conhecidos e apontados a dedo por toda a Europa, começando pelo “soberbo gado” alemão (cada vez mais soberbo).
Perguntas como chegámos a isto? A coisa não é completamente nova na nossa história e creio que já no teu tempo as finanças da Pátria não andavam famosas. Ainda assim, havia dinheiro para o rei te dar uma tença vitalícia (não terá sido para te calar, para não repetires na praça pública aquelas coisas inconvenientes que dizes no final dos “Lusíadas”, quando te queixas de que estás cansado de “cantar a gente surda e endurecida” e denuncias uma Pátria “metida/No gosto da cobiça e na rudeza/De uma austera, apagada e vil tristeza”?). Pois podes estar seguro de que se fosse hoje a tua tença já tinha ido à vida e talvez andasses pelo Rossio ou por S. Bento a vender alguns exemplares da tua epopeia ao desbarato para sobreviveres…
Mas continuemos. A ruína das nossas finanças públicas vem já um pouco do teu tempo, mas agravou-se ao longo dos séculos. Tu estás um bocado a leste do que se passou nos últimos 450 anos e não é possível nesta carta fazer-te um relato completo de todos os infortúnios que nos sucederam. Bastará dizer-te que perdemos tudo o que tínhamos conquistado e nem Ceuta (onde dizem que tu perdeste um olho, que aliás não te fez falta) nos resta!
Reduzidos, assim, à “ocidental praia lusitana” (tu já pensavas no turismo…) devíamos ter pensado em mudar de vida, em trabalhar, em estudar, em produzir. Mas isso, é claro, dava trabalho… Para o qual não estávamos talhados. Ainda por cima vieram uns dinheiros lá de fora, da CEE (para outra vez te explico o que é ou foi). E nós quando vemos dinheiro ficamos cegos.
Abreviando: gastámos, gastámos tudo. Depois de acabarem os subsídios, habituados que estávamos a gastar, começámos a pedir dinheiro emprestado lá fora. E não nos podemos queixar. Emprestaram-nos fartamente. Mas chega sempre o momento de pagar o empréstimo (nunca se pensa nisso antes…). Aliás ainda antes do empréstimo, os juros (não sei se estás a par destes conceitos vis, que são mais de luteranos e de cristãos-novos…). E nem dinheiro tínhamos sequer para pagar os juros. Tivemos que pedir emprestado para pagar os juros de anteriores empréstimos. Depois para pagar juros dos juros… Foi uma escalada infernal.
Os credores estrangeiros, a princípio, gostaram, continuaram a emprestar dinheiro, impondo juros cada vez mais altos. Foi um “fartar vilanagem” (desculpa estes plebeísmos). Mas depois começaram a preocupar-se: será que nós algum dia iríamos pagar?
E sabes o que fizeram? Um dia, mandaram três emissários para “negociarmos” um “acordo” que já vinha escrito (e em inglês, imagina, essa língua de agiotas) e que tínhamos de assinar, se não fechavam as torneiras do dinheiro. Claro que os nossos governantes assinaram, e de cruz, pois que remédio!
Mas o mais humilhante é que os tais emissários andaram a revistar tudo, repartições, arquivos, abriram cofres, armários, gavetas, desconfiados que havia dinheiro escondido… E foram embora, depois de assinada a rendição pelos nossos governantes, não sem antes ameaçarem que virão cá fiscalizar as nossas despesas e que só passarão os futuros cheques (depois te explico o que isso é) depois de passarem a “pente fino” as nossas contas…
Lembrei-me daqueles teus versos inflamados, lá para o fim dos “Lusíadas”:

“Fazei, senhor, que nunca os admirados
Alemães, galos, ítalos e ingleses
Possam dizer que são para mandados,
Mais que para mandar, os portugueses.”

Pois sim, pois sim, mas a história da nossa Pátria não correu bem como tu querias. Agora são eles que mandam e nós os paus-mandados.
Meu caro Luís, não te quero magoar mais com as desgraças do nosso tempo.
Quem sabe se no próximo ano não terei melhores notícias para te dar.
Recebe cumprimentos cordiais deste teu (moderado) admirador e não te preocupes demasiado: havemos de desenrascar alguma solução, melhor, algum expediente para iludir a solução.





<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)