06 setembro 2011
O "caso Dominique" e o princípio da "presunção de culpa"
Valerá a pena algumas notas sobre as reacções nacionais ao “caso Dominique”.
O começo espectacular (bem ao gosto americano) entusiasmou alguns comentadores internos quanto à celeridade e eficácia, indutoras de credibilidade, do sistema penal americano. Aquilo lá seria tiro e queda… Os ricos, no país deles, eram tratados como cães quando viravam criminosos. (E para alguém ser criminoso não é muito difícil: basta uma queixa e pôr-lhe umas algemas.) Para mais, a vítima era uma pobre imigrante africana, violentada abruptamente pelo todo-poderoso do FMI. Era um confronto entre, dum lado, os pobres, os humilhados, as mulheres abusadas; do outro, os ricos, os poderosos, os arrogantes senhores do mundo, predadores de mulheres pobres.
Mais do que uma história judicial, era uma história moral. Torcer pela vítima africana era um imperativo ético.
Depois, veio a apurar-se que não seria bem assim. Nem a vítima seria tão inocente, nem a culpa do arguido seria tão notória. O processo fez sucessivas manobras de marcha-atrás (que poderão ter custado a carreira, e talvez alguma parcela do património, ao filho de Cyrus Vance). E acabou mesmo por ficar em águas de bacalhau, com a renúncia ao prosseguimento do processo por parte do MP.
Nem assim, porém, se modificou basicamente o sentido da “torcida” nacional. A renúncia à acusação acaba por ser glorificada pela invocação do princípio da “dúvida razoável”, como se isso pudesse apagar a leviandade com que a queixa foi aceite ini-cialmente e as medidas de coacção foram decretadas.
Pior do que isso ainda foi a aceitação benevolente dos efeitos perenes do processo sobre o arguido. O facto de a carreira profissional e política do arguido estar decisivamente prejudicada é mesmo motivo de satisfação mal disfarçada, já que, alega-se, não se provou a inocência do dito e aparecem outras queixas contra ele com a mesma base temática…
Assim, tendo o arguido beneficiado judicialmente da “dúvida razoável”, vai pagá-las doutra maneira… É o princípio da “presunção de culpa” no seu pleno vigor.
O que impressiona nisto é o desprezo (ignorância e desprezo) pelo princípio da presunção de inocência, que é um princípio estrutural do processo penal democrático, o que denuncia uma grave deficiência de formação cívica e democrática.
Não importa aqui quem era o arguido, se era pessoa simpática ou não, qual o seu estatuto social, etc., etc.
O que importa é que foi destruído levianamente o seu bom nome, a sua carreira profissional, a sua vida de cidadão e político, à margem das regras do processo penal democrático.
Era isso que devia preocupar os comentadores (se soubessem do que falam).
O começo espectacular (bem ao gosto americano) entusiasmou alguns comentadores internos quanto à celeridade e eficácia, indutoras de credibilidade, do sistema penal americano. Aquilo lá seria tiro e queda… Os ricos, no país deles, eram tratados como cães quando viravam criminosos. (E para alguém ser criminoso não é muito difícil: basta uma queixa e pôr-lhe umas algemas.) Para mais, a vítima era uma pobre imigrante africana, violentada abruptamente pelo todo-poderoso do FMI. Era um confronto entre, dum lado, os pobres, os humilhados, as mulheres abusadas; do outro, os ricos, os poderosos, os arrogantes senhores do mundo, predadores de mulheres pobres.
Mais do que uma história judicial, era uma história moral. Torcer pela vítima africana era um imperativo ético.
Depois, veio a apurar-se que não seria bem assim. Nem a vítima seria tão inocente, nem a culpa do arguido seria tão notória. O processo fez sucessivas manobras de marcha-atrás (que poderão ter custado a carreira, e talvez alguma parcela do património, ao filho de Cyrus Vance). E acabou mesmo por ficar em águas de bacalhau, com a renúncia ao prosseguimento do processo por parte do MP.
Nem assim, porém, se modificou basicamente o sentido da “torcida” nacional. A renúncia à acusação acaba por ser glorificada pela invocação do princípio da “dúvida razoável”, como se isso pudesse apagar a leviandade com que a queixa foi aceite ini-cialmente e as medidas de coacção foram decretadas.
Pior do que isso ainda foi a aceitação benevolente dos efeitos perenes do processo sobre o arguido. O facto de a carreira profissional e política do arguido estar decisivamente prejudicada é mesmo motivo de satisfação mal disfarçada, já que, alega-se, não se provou a inocência do dito e aparecem outras queixas contra ele com a mesma base temática…
Assim, tendo o arguido beneficiado judicialmente da “dúvida razoável”, vai pagá-las doutra maneira… É o princípio da “presunção de culpa” no seu pleno vigor.
O que impressiona nisto é o desprezo (ignorância e desprezo) pelo princípio da presunção de inocência, que é um princípio estrutural do processo penal democrático, o que denuncia uma grave deficiência de formação cívica e democrática.
Não importa aqui quem era o arguido, se era pessoa simpática ou não, qual o seu estatuto social, etc., etc.
O que importa é que foi destruído levianamente o seu bom nome, a sua carreira profissional, a sua vida de cidadão e político, à margem das regras do processo penal democrático.
Era isso que devia preocupar os comentadores (se soubessem do que falam).