23 setembro 2011
Trichet e o Monstro
Trichet e o Monstro!
16 Setembro, 2011
Por Filipe R. Costa
Dívida, moeda, euro, falência, Banco Central Europeu, taxa de juro, liquidez, austeridade, riscos de inflação; são alguns exemplos de palavras que dominam a actualidade económica e política. Emprego, política fiscal, investimento, subsídio, expansão são por seu turno exemplos de palavras em completo desuso.
Em desuso e completamente enterrado está também John Maynard Keynes, que certamente rebola no caixão sem arranjar posição que o conforte.
A Europa da moeda única tem como Igreja Matriz o Banco Central Europeu, sempre liderado por alguém que perceba bem o alemão e com instruções bem curtas: manter a inflação abaixo dos 2%. Para o fazer, o líder do BCE e os seus discípulos têm licença para usar todo o tipo de crucifixos. A par com a Igreja Matriz está um governo central rotativo liderado hoje pela Alemanha e amanhã pela Alemanha, o qual persegue uma política de crime e castigo.
Há alguns (muitos) anos atrás, Keynes introduziu uma ideia simples: o Estado investe quando a economia não consegue criar empregos sozinha porque não há investimento privado, e retira-se da economia quando os privados o fazem melhor. O objectivo do Estado, em termos de política económica, era suavizar os ciclos económicos. Ao longo de anos é o que se tem feito. Mas dentro da UE emergiu uma nova escola de pensamento que acha que o Estado deve gastar quando os privados gastam. Tivemos muitos aprendizes por cá em Portugal. Mas com o fim do ciclo económico expansionista, geraram-se rapidamente grandes dívidas, e essas ideias foram desacreditadas. Surgiu então um novo movimento que considera que quando a economia está em recessão, o Estado deve cortar nas suas transferências para os particulares e deve aumentar os impostos por forma a contrabalançar o aumento provocado pela recessão no seu défice orçamental. Esta vaga de pensamento também não tem dado resultados positivos, pois parece que quando estamos em recessão não se consegue poupar assim tanto quanto se pensava. É como quando se puxa um cobertor curto para tapar a cabeça e se descobrem os pés. Mas ainda estamos no início e só o tempo ajudará a perceber se afinal esta é uma alternativa viável a Keynes ou não.
Meteram-nos na cabeça que durante anos gastamos acima do que podíamos e que agora tínhamos que pagar. Uma mescla de sacrifício e punição. Os mercados apanharam-nos em falso e os investidores não querem a nossa dívida aos preços de outrora. Querem mais, muito mais juro. Acham que não vamos pagar e querem ser remunerados por isso. Enquanto o juro aumenta, o estado refinancia-se cada vez a maior custo, e cada vez a probabilidade de falir é maior, e cada vez o juro é mais alto. Uma função circular exponencial! Há então que poupar o máximo possível. O Estado deve dispensar (já não se diz despedir) funcionários, apertar as regras para subsídios, aumentar impostos, arranjar estratagemas para ir à carteira dos contribuintes sem piedade. O Banco central deve evitar a inflação a todo o custo – inimigo público número um. Cada um dos Estados-membros deve diminuir a dívida pública – inimigo público número dois. Emprego e crescimento económico foram despromovidos a variáveis acessórias.
A minha formação económica não me deixa compreender como é que aquilo que dantes era uma restrição a um objectivo passou a ser um objectivo por si só. Não consigo compreender que o Estado queira reduzir a sua participação na economia, aquando de uma recessão, e não consigo compreender a desculpa dos mercados financeiros. Ainda menos compreendo que o façam na expectativa de que isso nos vai trazer prosperidade. A entrada do euro em Portugal trouxe-nos benefícios, mas está também a criar problemas gravíssimos agora. As instituições europeias estão mal orientadas nos seus objectivos. A que propósito o BCE persegue incessantemente o objectivo de manter a inflação abaixo dos 2%? E isto sem qualquer outro objectivo? Um banco central deve perseguir o crescimento económico a par com a estabilidade de preços.
Neste momento a inflação é uma gota no oceano quando comparada com o problema do desemprego. Ainda assim, o monstro da inflação deve ensombrar os sonhos de Jean-Claude Trichet ao ponto de só pensar em subir a taxa de juro. Que alguém diga ao senhor que tal bicho é fruto da sua imaginação. Foi apenas um pesadelo. Trichet cometeu o grave erro de subir a taxa de juro em 50 pontos base este ano. E cometeu o erro ainda mais grave de não ter percebido que cometeu um erro. Já há muito que devia ter revertido tal subida do juro senão mesmo encetado numa descida.
Inglaterra tem uma dívida elevada, mas no entanto o juro da dívida pública é baixo. Certamente Inglaterra tem outros recursos que nem Portugal nem a Grécia têm, mas uma das armas que eles usam enquanto nós só vemos usar é a política monetária. Quando a procura de títulos da dívida inglesa baixa, a pressão para a subida do juro aumenta. O resultado por estas bandas seria a subida do juro. Por terras de sua majestade não. E não porque o Banco de Inglaterra vem ao mercado comprar os ditos títulos, aumentando a procura e mantendo a taxa de juro. E para isso, imprime Libras sem medo da inflação, a qual está bem acima dos 2%. Faz isto porque sabe que nesta fase do campeonato, a inflação é um bicho menor quando comparado com o problema da criação de emprego e do crescimento económico. E faz isto, porque é sua obrigação fazê-lo. Está nos seus estatutos a promoção do emprego e crescimento enquanto objectivo a cumprir.
Em vez de se falar em bailouts todos os dias, devia-se pôr o BCE a comprar dívida pública e a imprimir moeda para o fazer, ou então criar as tão faladas Eurobonds. Os governos europeus precisam de se endividar um pouco mais nesta altura pois essa é a única forma de gerar as condições para que a economia possa crescer num espaço de tempo razoável. Depois então falaremos em poupar e diminuir os défices orçamentais e dívidas públicas. Mas não agora. Quando vos disserem que este caminho delineado pela troika é o único e que tem mesmo que ser assim, não acreditem. Não só não tinha que ser assim, como este não é o caminho. O esforço que nos estão a infligir dificilmente será suficiente para conseguir emprego. Vamos andar anos nisto. Portugal está a cumprir os objectivos propostos pela troika. O problema é que esses objectivos não têm em vista o crescimento económico, mas apenas dar garantias a quem empresta que vai receber o que emprestou
Chegamos a um ponto em que decisões importantes têm que ser tomadas. Esta Europa vai precisar de integração política e fiscal. Sem isso, a moeda única pode passar este primeiro round, mas o KO é inevitável.
16 Setembro, 2011
Por Filipe R. Costa
Dívida, moeda, euro, falência, Banco Central Europeu, taxa de juro, liquidez, austeridade, riscos de inflação; são alguns exemplos de palavras que dominam a actualidade económica e política. Emprego, política fiscal, investimento, subsídio, expansão são por seu turno exemplos de palavras em completo desuso.
Em desuso e completamente enterrado está também John Maynard Keynes, que certamente rebola no caixão sem arranjar posição que o conforte.
A Europa da moeda única tem como Igreja Matriz o Banco Central Europeu, sempre liderado por alguém que perceba bem o alemão e com instruções bem curtas: manter a inflação abaixo dos 2%. Para o fazer, o líder do BCE e os seus discípulos têm licença para usar todo o tipo de crucifixos. A par com a Igreja Matriz está um governo central rotativo liderado hoje pela Alemanha e amanhã pela Alemanha, o qual persegue uma política de crime e castigo.
Há alguns (muitos) anos atrás, Keynes introduziu uma ideia simples: o Estado investe quando a economia não consegue criar empregos sozinha porque não há investimento privado, e retira-se da economia quando os privados o fazem melhor. O objectivo do Estado, em termos de política económica, era suavizar os ciclos económicos. Ao longo de anos é o que se tem feito. Mas dentro da UE emergiu uma nova escola de pensamento que acha que o Estado deve gastar quando os privados gastam. Tivemos muitos aprendizes por cá em Portugal. Mas com o fim do ciclo económico expansionista, geraram-se rapidamente grandes dívidas, e essas ideias foram desacreditadas. Surgiu então um novo movimento que considera que quando a economia está em recessão, o Estado deve cortar nas suas transferências para os particulares e deve aumentar os impostos por forma a contrabalançar o aumento provocado pela recessão no seu défice orçamental. Esta vaga de pensamento também não tem dado resultados positivos, pois parece que quando estamos em recessão não se consegue poupar assim tanto quanto se pensava. É como quando se puxa um cobertor curto para tapar a cabeça e se descobrem os pés. Mas ainda estamos no início e só o tempo ajudará a perceber se afinal esta é uma alternativa viável a Keynes ou não.
Meteram-nos na cabeça que durante anos gastamos acima do que podíamos e que agora tínhamos que pagar. Uma mescla de sacrifício e punição. Os mercados apanharam-nos em falso e os investidores não querem a nossa dívida aos preços de outrora. Querem mais, muito mais juro. Acham que não vamos pagar e querem ser remunerados por isso. Enquanto o juro aumenta, o estado refinancia-se cada vez a maior custo, e cada vez a probabilidade de falir é maior, e cada vez o juro é mais alto. Uma função circular exponencial! Há então que poupar o máximo possível. O Estado deve dispensar (já não se diz despedir) funcionários, apertar as regras para subsídios, aumentar impostos, arranjar estratagemas para ir à carteira dos contribuintes sem piedade. O Banco central deve evitar a inflação a todo o custo – inimigo público número um. Cada um dos Estados-membros deve diminuir a dívida pública – inimigo público número dois. Emprego e crescimento económico foram despromovidos a variáveis acessórias.
A minha formação económica não me deixa compreender como é que aquilo que dantes era uma restrição a um objectivo passou a ser um objectivo por si só. Não consigo compreender que o Estado queira reduzir a sua participação na economia, aquando de uma recessão, e não consigo compreender a desculpa dos mercados financeiros. Ainda menos compreendo que o façam na expectativa de que isso nos vai trazer prosperidade. A entrada do euro em Portugal trouxe-nos benefícios, mas está também a criar problemas gravíssimos agora. As instituições europeias estão mal orientadas nos seus objectivos. A que propósito o BCE persegue incessantemente o objectivo de manter a inflação abaixo dos 2%? E isto sem qualquer outro objectivo? Um banco central deve perseguir o crescimento económico a par com a estabilidade de preços.
Neste momento a inflação é uma gota no oceano quando comparada com o problema do desemprego. Ainda assim, o monstro da inflação deve ensombrar os sonhos de Jean-Claude Trichet ao ponto de só pensar em subir a taxa de juro. Que alguém diga ao senhor que tal bicho é fruto da sua imaginação. Foi apenas um pesadelo. Trichet cometeu o grave erro de subir a taxa de juro em 50 pontos base este ano. E cometeu o erro ainda mais grave de não ter percebido que cometeu um erro. Já há muito que devia ter revertido tal subida do juro senão mesmo encetado numa descida.
Inglaterra tem uma dívida elevada, mas no entanto o juro da dívida pública é baixo. Certamente Inglaterra tem outros recursos que nem Portugal nem a Grécia têm, mas uma das armas que eles usam enquanto nós só vemos usar é a política monetária. Quando a procura de títulos da dívida inglesa baixa, a pressão para a subida do juro aumenta. O resultado por estas bandas seria a subida do juro. Por terras de sua majestade não. E não porque o Banco de Inglaterra vem ao mercado comprar os ditos títulos, aumentando a procura e mantendo a taxa de juro. E para isso, imprime Libras sem medo da inflação, a qual está bem acima dos 2%. Faz isto porque sabe que nesta fase do campeonato, a inflação é um bicho menor quando comparado com o problema da criação de emprego e do crescimento económico. E faz isto, porque é sua obrigação fazê-lo. Está nos seus estatutos a promoção do emprego e crescimento enquanto objectivo a cumprir.
Em vez de se falar em bailouts todos os dias, devia-se pôr o BCE a comprar dívida pública e a imprimir moeda para o fazer, ou então criar as tão faladas Eurobonds. Os governos europeus precisam de se endividar um pouco mais nesta altura pois essa é a única forma de gerar as condições para que a economia possa crescer num espaço de tempo razoável. Depois então falaremos em poupar e diminuir os défices orçamentais e dívidas públicas. Mas não agora. Quando vos disserem que este caminho delineado pela troika é o único e que tem mesmo que ser assim, não acreditem. Não só não tinha que ser assim, como este não é o caminho. O esforço que nos estão a infligir dificilmente será suficiente para conseguir emprego. Vamos andar anos nisto. Portugal está a cumprir os objectivos propostos pela troika. O problema é que esses objectivos não têm em vista o crescimento económico, mas apenas dar garantias a quem empresta que vai receber o que emprestou
Chegamos a um ponto em que decisões importantes têm que ser tomadas. Esta Europa vai precisar de integração política e fiscal. Sem isso, a moeda única pode passar este primeiro round, mas o KO é inevitável.